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CAPITULO II GESTÃO DO PESSOAL ADMINISTRATIVO À LUZ DOS MODELOS TEÓRICOS

2.4. A INTERACÇÃO ENTRE O BUROCRÁTICO E O POLÍTICO

Tanto o modelo burocrático como o politico são sistemas de “dominação que usam o poder como base da influência que exercem sobre os indivíduos enquanto actores” (Silva, 2004: 234). Esta forma de regular o comportamento dos actores deve-se às regras burocráticas, “construídas pela estrutura de topo da hierarquia, [são] impessoais, abstractas e universais e tendem a consolidar-se” (Silva, 2004: 234), e às regras políticas, “construídas em processos negociais, contingentes e afectam as situações para as quais são inventadas” (Silva, 2004: 234). Este conjunto de regras ao qual os actores se subjugam é criado num patamar acima do nível hierárquico em que as decisões são tomadas e serve como “mecanismos reguladores do jogo decisional” (Silva, 2004: 234). Esta subjugação dos actores às regras destes sistemas leva a que estes actuem em “função da percepção que têm das oportunidades de acção, geralmente […] configuradas por parâmetros de socialização comportamental” (Silva, 2004: 234). Assim, os actores passam a ser simples realizadores de tarefas, desprovidos da “capacidade estratégica de acção que geralmente os caracteriza como sujeitos detentores de poderes” (Silva, 2004: 234), conduzindo a que o processo decisório esteja centralizado no topo da hierarquia organizacional.

Nesta interacção entre o burocrático e político, Ahrne (1997: 92-95) e Silva (2004: 234) referem que estes sistemas podem actuar em sentido centrípeto ou em sentido centrífugo. No terreno organizacional, Ahrne (1997: 92-95) associa forças centrípetas às que promovem a coesão, a lealdade e a solidariedade, ou seja, um indivíduo ‘domesticado’. Já as forças centrífugas, para Ahrne (1997: 92-95), baseiam-se na discordância, na desarticulação e no conflito, o que promove a autonomia dos indivíduos fazendo despontar os seus interesses divergentes que podem ter origem na ambiguidade e na não consensualidade dos objectivos.

Neste sentido, por um lado, actua o sistema burocrático baseado na hierarquia da autoridade, na divisão do trabalho, na competência técnica, nas normas de procedimento para actuação no cargo, nas normas que controlam o comportamento dos empregados, na autoridade limitada do cargo, na gratificação diferencial por cargo, na impessoalidade dos contactos pessoais, na separação entre propriedade e administração, na ênfase nas

comunicações escritas e na disciplina racional (Hall, 1971: 34). Por outro, o sistema político, centrado na pluralidade e heterogeneidade de indivíduos e de grupos que dispõem de objectivos próprios, poderes e influências diversas e posicionamentos hierárquicos diferenciados, onde se desenrola uma base de conflitualidade de interesses, internos e externos à organização e, consequentemente, uma luta pelo poder e sendo o poder e os interesses a base para a construção dos processos de negociação (Costa, 1996: 73), leva a que se considere o sistema político “como sendo aquele que mais contribui para a desarticulação organizacional, rompendo, portanto, com a ordem estável inerente à burocracia” (Silva, 2004: 235). É nesta linha de ideias que associamos os sistemas burocrático e político ou como “formas organizacionais com acção de sentido contrário” ou como sistemas que operam segundo “uma acção conjugada” (Silva, 2004: 235).

Estes dois sistemas mobilizados em simultâneo pelos actores da organização, poderão contribuir para uma realização imediata, ou com mais rapidez, dos resultados pretendidos, ou seja,

“de um lado o sistema burocrático confere forma legal a medidas e decisões produzidas na esfera essencialmente política, institucionalizando as políticas e, do outro, o sistema político dá cobertura a decisões administrativas ou técnicas tornando-as congruentes com o quadro político- ideológico vigente, promovendo o enquadramento dessas decisões.” (Silva, 2004: 235)

Esta instrumentalização da burocracia, retratada Figura 1, torna a “organização burocrática, na sua totalidade, um mero instrumento nas mãos dos líderes políticos” (Clegg, 1998: 43) na medida com que aquela é accionada para dar cobertura legal às decisões tomadas na esfera política, sem o que não teriam validade legal.

Figura 1

O significado de “norma” apregoado pela burocracia, aparece-nos neste contexto como perdendo o seu carácter ingénuo de impessoalidade, na medida em que esconde sempre qualquer agenda política, pois que a intervenção do indivíduo no estabelecimento das regras que governam/gerem as organizações expressa sempre a intervenção de um “homem político”. A

norma é sempre o resultado de um determinado juízo de valores, que poderá ter sido (ou não) mais ou menos negociado, que se traduz na capacidade de estipular as regras por quem tem poder para o fazer. O poder de estabelecer as regras é tanto mais distante do quotidiano das organizações quanto mais longe estiver o órgão de decisão destas. O nível de decisão pode assim, para determinadas resoluções, ser externo às próprias organizações, fazendo com que quando a norma é apresentada aos actores ela apareça como inquestionável, uma vez que estes não têm poder de intervenção nas decisões. Os indivíduos actuarão portanto, todos na mesma direcção, numa monorracionalidade pré-definida, “fechando” a organização sobre si mesma.

Mas como a burocracia pode servir para viabilizar os interesses dos actores organizacionais (de alguns), também poderá ser usada para desenvolver uma acção oponente, traduzindo-se numa anulação recíproca dos efeitos gerados” (Silva, 2004: 235), ou seja, se, por um lado, os actores administrativos estão preocupados com o cumprimento da lei e com as conformidades de ordem processual, temporais, legais e institucionais, isto também pode levar a que os líderes políticos não consigam por em prática as intenções políticas porque precisão de ser legitimadas burocraticamente, Figura 2.

Figura 2

É de realçar que, como a burocracia é um instrumento que legitima a base legal da acção organizacional, ela pode servir de entrave e/ou condicionamento à implementação da acção política. Os processos de argumentação e consequentemente aplicação das decisões esbarram com o facto de “não estar escrito”, mas estar “definido”, logo não pode ser feito. Abrem-se espaços de discussão nas organizações que poderão nunca ter influência prática, ou que demorarão muito a ter impacto nos níveis da organização que têm o poder para alterar as normas. Além do que, a organização reconhecer a certos níveis hierárquicos o poder de emitir opinião formal, isto não é sinónimo de poder de decisão. Se o órgão de que detém o poder para estabelecer as normas é unipessoal, a norma é da responsabilidade de uma única pessoa; se este órgão for colegial a responsabilidade é de um conjunto de pessoas. Em qualquer destes casos, se os órgãos estão muito acima do nível de aplicação da norma, esta aparece como se

não tivesse assinatura, levando a que os níveis intermédios da organização que aplica as normas funcionem como amortecedores das argumentações/interesses dos níveis inferiores.

De outro modo, o sistema político (Figura 3)

“poderá questionar e fiscalizar a própria legalidade das decisões à luz das regras e do quadro político estabelecido, deslegitimando, se for caso disso, as decisões dos órgãos da administração e gestão ou retirando-lhes a confiança política.” (Silva, 2004: 236)

Figura 3

Os grupos procuram assegurar a sua influência nomeadamente procurando que os seus representantes tenham assento nos órgãos de decisão e de vigilância de aplicação das regras. O processo de decisão fundamenta-se nos interesses dos representados, o que induzirá desarticulação entre as normas e a vontade dos grupos, fazendo sobressair uma organização plurirracional, revelando tensões permanentes, contrastando com a ordem burocrática da uniformidade.

Pelo esboço que traçamos acima, os actos burocráticos surgem como resultado de alguma opção/posição política, revelando um compromisso entre burocracia e política e dando a conhecer o carácter ambivalente e dinâmico da Administração Organizacional.

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