Antes de prosseguir com a análise das publicações é necessário trazer
algumas definições para embasar as leituras das produções. Há necessidade de
definição e diferenciação entre Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade,
Pluridisciplinaridade e Transdisciplinaridade.
A compreensão sobre tais práticas deve considerar a história destes termos e
os estudos teóricos que abordam tais temas. O primeiro processo refere-se à
definição dos conceitos Multidisciplinaridade e Interdisciplinaridade, que são
frequentemente confundidos, e é a partir desta percepção que as justificativas de
conflito se inicia.
Ambas as expressões podem ser caracterizadas como ações que promovem
a interação e a integração entre as disciplinas. Até este ponto, sobre a definição das
práticas, elas se confundem e se igualam. A forma como ocorre este processo de
interação e integração é que diferencia um termo do outro. Desta maneira podemos
distinguir os processos por meio da ação do agente que proporciona tal prática,
neste caso o professor. Dentro dessa perspectiva, a definição de cada um dos
56%
44%
Gráfico 5 - Ações em sala de aula
Práticas na educação básica
Práticas na formação inicial
termos está na ação do professor em realizar a interação e integração entre as
áreas do objeto de estudo.
Assim, a Multidisciplinaridade é a denominação adequada para designar
ações nas quais há interação entre componentes curriculares e/ou áreas do
conhecimento, sem o professor transitar fora da sua formação especialista. Como
um exemplo pode-se citar uma atividade na qual se faz necessário a elaboração de
uma maquete de um ginásio que contenha uma quadra poliesportiva, utilizando-se,
mais especificamente, para a realização desta tarefa, as disciplinas de educação
física, matemática e artes, assim como a língua portuguesa, que é uma área sempre
utilizada em qualquer atividade, afinal trata-se de como comunicar e compreender
qualquer informação a ser requisitada para a resolução das atividades.
Neste cenário, ao se tratar de uma atividade Multidisciplinar o professor de
educação física será responsável unicamente por trabalhar com os alunos as
informações relativas às regras e dimensões das maquetes das quadras que serão
confeccionadas, já o professor de matemática se aterá às resoluções de problemas
sobre escala e proporção das dimensões trabalhadas na educação física, e por fim,
artes e o docente responsável por esta disciplina fará a criação artística ou
arquitetônica do modelo de ginásio, incluindo suas formas e cores.
Nota-se que em uma atividade com esta configuração os professores
dialogam apenas quanto ao fato de terem uma atividade em comum, que é o
produto das ações dos mesmos, ou seja, a criação de um ginásio com quadra
poliesportiva. As ações dos mestres são restritas às suas áreas de formação,
delimitando-se seus trabalhos unicamente ao desenvolvimento de atividades
pertinentes àquela área de formação inicial e especializada que possuem. Pode-se
avaliar que a atividade foi fracionada, fragmentada e que ao juntar todos os seus
pedaços o produto final da atividade é elaborada pelos estudantes.
Para caracterizar e diferenciar a Interdisciplinaridade da Multidisciplinaridade
será utilizado o mesmo exemplo anterior, da elaboração de uma maquete de ginásio
com quadra poliesportiva. Para tornar-se esta uma ação Interdisciplinar é preciso
que não ocorra a fragmentação que aconteceu no outro exemplo, isto é, que os
professores das três áreas (matemática, artes e educação física) transitem pelas
demais disciplinas.
Desta forma, o professor de matemática irá abordar as regras e dimensões
das quadras juntamente com o professor de artes e educação física. Ainda que as
atividades sejam relativas ao escalonamento e à geometria plana das figuras
contidas nas quadras, os professores de artes e educação física farão intervenções.
Nesta lógica, para os estudantes não haverá um momento determinado para
resolver dúvidas sobre a parte matemática da elaboração da tarefa, nem da parte de
educação física e também não da de artes, pois todo momento será oportuno e
deverá ser de resolução dos problemas para o produto final, independentemente da
formação inicial do professor que está no momento à disposição quando a dúvida
surgir.
A descrição e a suposição pode sugerir que a ação interdisciplinar seja de
fácil compreensão e realização, entretanto, não é exatamente desta forma. Para
ocorrer a interação exigida em uma atividade interdisciplinar torna-se importante
algumas atitudes dos professores envolvidos. Há necessidade de os docentes
estarem dispostos a estudar as demais áreas do conhecimento, o que tira o
profissional de sua área de conforto, ou seja, exige dele disposição de atuar em um
campo que possui a necessidade de agregar conhecimentos e saberes de outras
áreas que não a de sua formação inicial.
Outra questão está estritamente ligada à disposição do professor de expor
suas fragilidades nas diversas áreas do conhecimento, de modo a interagir com os
alunos e aprender ao mesmo tempo em que o estudante aprende com o professor.
Trata-se de mais uma mudança de atitude, que implica o desapego à ideia
equivocada de que ele tem a obrigação de deter determinado conhecimento por ser
formado na disciplina em questão. É um abrir-se à possibilidade de aprender
continuamente, e de esquecer-se do aprendido também, pois deverá o professor
saber compartilhar as ações sobre os conteúdos supostamente de sua formação
com os demais colegas docentes. Atrelada aos aspectos já citados, temos a falta de
tempo e de formação como elementos que dificultam a execução de uma ação
interdisciplinar, pois para desenvolver a atividade do exemplo os professores
deverão recorrer aos colegas para obter conhecimentos prévios que os auxiliem na
resolução da atividade sugerida.
Nisto reside fundamentalmente a diferença entre uma ação educativa
multidisciplinar e uma interdisciplinar: a atitude dos envolvidos. Com esta definição
pode-se voltar à análise das publicações que tratam sobre ações interdisciplinares e,
por meio da ATD, constatar se as ações são mesmo interdisciplinares. Em anexo
(Apêndice B), está a análise de uma publicação, onde vemos o processo da ATD e
suas divisões. Dos artigos, foram analisadas as partes da Metodologia, dos
Resultados e Discussões e das Considerações Finais e Conclusões. Para identificar
foi utilizado três numerações, por exemplo, 01.03.05, que corresponde na ordem: o
número do artigo, a parte analisada (01
– Metodologia; 02 – Resultados e
Discussões; e 03 – Considerações Finais e Conclusões) e a unidade de significado.
Em cada uma das partes analisadas, foram criadas as subcategorias com o intuito
de alcançar a compreensão dos autores e da ação realizada considerando a
Interdisciplinaridade.
As nove publicações encontradas nos periódicos que possuíam o termo
interdisciplinaridade em seu título, resumo e/ou palavras-chave, e possuíam a
abordagem voltada ao ensino de ciências, propondo uma reflexão em torno de uma
prática em sala de aula, foram analisadas de modo a constatar se os artigos
realmente tratavam sobre a interdisciplinaridade.
Como a definição de ambas as práticas está caracterizada por algum tipo de
integração, seja simplesmente pelo propósito comum, seja pelo trabalho conjunto e
pelo diálogo entre as áreas e/ou disciplinas, há necessidade de se identificar as
características apresentadas em uma situação de ensino, de modo que se possam
relacionar esses aspectos com uma das práticas. Baseando-se na fundamentação
anteriormente apresentada fez-se uma análise para verificar se a classificação
alegadamente interdisciplinar era, de fato, interdisciplinar e não multidisciplinar. O
gráfico mostrado na Figura 6 apresenta o resultado desta análise:
Figura 6 – Gráfico sobre a coerência do uso do termo interdisciplinaridade nos
artigos analisados
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2014).