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A interinfluência entre a esfera do trabalho e a esfera familiar

Parte II – Das orientações metodológicas à recolha de dados empíricos

Capítulo 2 – Análise e interpretação dos dados recolhidos

3. Trabalho emocional e gestão emocional em contexto laboral e pessoal

3.2 A interinfluência entre a esfera do trabalho e a esfera familiar

Os relatos já analisados permitem-nos dizer que o trabalho e as experiências em contexto de trabalho podem ser gratificantes e geradoras de bem-estar, mas também podem ser geradoras de sofrimento e mal-estar. No entanto, porque entendemos que a esfera laboral se entrecruza com as outras esferas dos indivíduos, existem outros fatores como os decorrentes da gestão da vida pessoal e familiar, ou a posse de diferentes recursos, que concorrem para ultrapassar/atenuar/agravar as condições experimentadas no trabalho.

Nos discursos das entrevistas E1;E2;E3;E5;E7;E6;E13, as pessoas expressam, de um modo geral, a ideia de que a vida profissional e familiar está relacionada. No entanto, dizem evitar que problemas pessoais entrem na esfera do trabalho, embora reconheçam nem sempre isso é possível. Já o oposto acontece frequentemente, isto é, algumas vezes “ levam trabalho para casa”, o que interfere com a vida familiar. Todos referem que têm apoio familiar para os problemas que ocorrem no trabalho. Quando questionados sobre o que fazem no final de um dia de trabalho quando se sentem exaustos, todos dizem que conseguem descansar, praticando as atividades que mais gostam. Estes discursos sugerem que existe uma simetria entre o trabalho e a casa, (boa gestão). Destaca-se que todos estes entrevistados têm a mesma categoria socioprofissional (Técnicos superiores),

“de maneira geral evito que os meus (…) eventuais problemas pessoais influenciem, inclusivamente a forma como eu lido com os outros no meu dia-a-dia, há pessoas que trabalham muito próximo de mim, e essas pessoas não têm que enfim sofrer consequências de problemas, que eu tenho, não é… não precisam de sofrer com mau feitio, não precisam de

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sofrer com palavras azedas, nem coisa nenhuma!(…) portanto (…) tratar as pessoas bem deixando os problemas fora da Universidade-“( E1,Téc.Superior)

Os extratos das entrevistas que se segue destacam-se pela referência aos problemas pessoais que afetam o trabalho e vice-versa.

“(…)os problemas pessoais afetam muito, muito, muito mesmo, eu sou uma pessoa que fico muito afetada porque perco vontade, perco concentração, e perco motivação.(…) “Por exemplo o facto de estarmos a viver uma situação mais tensa no trabalho. ou o ambiente não estar tão bom. e levarmos connosco esse problema, ou mesmo que digamos que não o vamos levar connosco. afeta sempre, afeta o nosso estado de espirito e depois reflete-se. E comigo aconteceu. e refletiu-se no tratamento diário com os meus filhos, a falta de paciência, fazem uma coisinha tudo bem, à segunda já estou sem paciência nenhuma. (…)” ( E3,Téc.Superior)“

“(…)um aluno. tenho um problema com um aluno e vou pra casa. a pensar nisso. que não deveria ser porque os problemas que eu tenho em casa não os trago. deixo-os à porta. mas é muito complicado separar o trabalho da vida pessoal. (…)” “No atendimento ao público… sim no atendimento ao público. Passamos por várias situações complicadas. … mas também não são todos os dias … a maiorias das vezes leva-se bem. … agora as épocas mais difíceis (…) nesta altura sinto. que até em casa a nível familiar vou pra casa muito mais cansada. e não tenho tempo para dar aos meus, … aos meus filhos … isto desgasta-me mais, e psicologicamente.” (E12, Assist.Téc)

Alguns entrevistados declaram existir, ou conseguir fazer, uma separação entre a vida profissional e a vida familiar. Os que reconhecem a interferência entre estas duas esferas expressam com muito mais frequência a influência da vida profissional na vida familiar. A ideia é que o trabalho deve ser algo mais guiado pela racionalidade, sendo as emoções e as perturbações entendidas como aspetos que devem permanecer na esfera pessoal/familiar. Não nos foi possível perceber em que medida a expressão dessa separação não corresponde a uma ideia socialmente difundida de que “o que é de casa fica em casa”. O excerto que se segue dá conta de uma situação que parece justificar essa interferência da vida familiar no trabalho (e ainda assim uma interferência menor), a doença, e mais especificamente uma doença grave.

“Há sempre uma preocupação … no caso de uma doença, se é mais grave mais (…) estamos a fazer o nosso serviço, mas sempre com aquela preocupação (…) se está tudo bem, e se for o caso de uma operação se correu bem, (…) portanto afeta um bocadinho … mais de concentração, uma pessoa não está tão concentrada (…) por causa do problema de saúde, ou familiar. (E4, Assist.Téc)

De um modo geral, todos os entrevistados expressaram a existência de apoio familiar, e muitos são os que encontram na família a ajuda para lidar com os problemas que o trabalho lhes coloca. Mas também houve quem visse no trabalho um escape para as pressões e os problemas que por vezes ocorrem no âmbito da vida pessoal/familiar, escape esse que pode ser potenciado pelas boas relações de trabalho. Como antes referido, o apoio social no trabalho é fundamental, gerador de fatores psicossociais benéficos para as interações laborais, promove bons ambientes de trabalho, que se podem revelar fundamentais para

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quando ocorrem problemas na vida familiar. Hochschild (1997) menciona, a justaposição dos "mundos reversos”, segundo a autora, ocorre quando o local de trabalho oferece (e são percecionados) aos trabalhadores um lugar de refúgio para os problemas familiares/pessoais, e vice-versa.

“É assim, quando surgem esses problemas, pronto eu… eu, tento nunca trazer problemas de casa para o emprego, … mas há dias que não demonstro que os tenho, ou que estou com eles, não é? Mas tenho-os, (…) mas tento sempre que os problemas familiares, ficarem em casa e não trazer para aqui, … mas por exemplo, com o meu marido, quando eu estou de mal com ele discutimos! Ao outro dia chego aqui, até posso vir muito chateada, e não sei quê, não me sinto bem, porque estou chateada com ele, estamos de mal não me sinto muito bem, … até posso ir ao pé de uma colega minha e desabafar com ela, aí já fico mais aliviada porque tive alguém para desabafar, e… depois passa!, e continuo a fazer o trabalho, e é importante termos alguém para poder desabafar, … porque se eu vier de casa chateada, e chegar aqui, e andar o dia todo a trabalhar e não desabafar com ninguém, nem ter ninguém para falar, uma pessoa anda todo o dia mal disposta e triste, … e não quer dizer que a gente não trabalhe, mas acho que é diferente mesmo o nosso moral vem muito em baixo …. E desabafar ajuda, não é?” (E16, Assist. Operacional)

A necessidade de “desabafar em casa“ expressa em outras entrevistas e ao longo deste capítulo, pode ser interpretada como uma estratégia para responder ao face work. O facto de ter usado uma “máscara” para representar o papel no seu trabalho, a necessidade de gerir as emoções em situações adversas, as pressões colocadas pelo cumprimento de um papel, podem levar a que a pessoa procure o seu ambiente privado (casa) para tirar aquela máscara. Como referido por Hochschild (1983), quanto maior for o esforço (emocional work) maiores podem ser as consequências para a sua saúde e bem- estar, sendo que se procura ao máximo que algum mal-estar experimentado no trabalho não “contamine” as relações familiares.

(…)o meu marido é a pessoa talvez a única pessoa na família, com quem eu falo sobre os meus momentos menos bons, tenho apoio e desabafo. (E3,Téc.Superior)

“(…) sempre me regi por uma norma, eu entro nesta casa e ponho a máscara, é o sorriso e não há mais nada! Saio daqui tiro a máscara e sou eu (…).” (E10, Assist.Téc)

Sim, desabafo muitas vezes com eles, … eles ouvem-me, e na questão de me darem indicações (…) por vezes conselhos, há coisas que eu tenho que resolver e não sei como é que hei-de fazer, e chego a casa e converso com eles, e digo, como é que hei-de fazer isto ou aquilo, e eles dão-me a opinião deles, e dizem, olha faz assim ou vai aqui, ou além.” ”(E16, Assist. Operacional)

“Sim, tento desabafar, é um desabafo e as pessoas como me ouvem, e depois sinto-me mais leve (…) de alguma maneira, como sinto apoio, sinto-me mais leve e acabo por ficar melhor. Desabafo com o meu marido.” (E12, Assist.Téc)

Fica também claro a importância do apoio familiar em partilhar as vivências e os problemas do trabalho, a casa é vista como refúgio, o que significa que embora nem sempre os discursos expressem essa ideia, a esfera do trabalho e a esfera familiar são indissociáveis.

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Na análise efetuada ao extrato da entrevista seguinte, destacamos a resposta à questão, que aspetos do trabalho influenciam a vida familiar? Salienta-se a referência a fatores psicossociais do trabalho, os psicológicos (subjetivos) e os financeiros (objetivos), (horário de trabalho, salário). Estes aspetos condicionam claramente a gestão da vida familiar e intervém no trabalho.

“Os aspetos monetários e psicológicos, porque se uma pessoa não está bem no trabalho e não está bem em casa, e não está bem em lado nenhum, … tendo um bocadinho mais de dinheiro, ajudava … também o horário que agora com as oito horas, vai ser mais complicado, … porque eu agora estou com licença, … quando terminar vai ser complicado, … vai ser difícil gerir, vamos ver, vamos ver, vou ter que ter mais apoio do meu marido, porque não tenho mais ninguém que me ajude, e agora com as oito horas vais ser muito complicado.” (E12, Assist.Téc)

Esta é tipicamente, uma característica comum às pesquisas feitas em torno do bem-estar dos trabalhadores, referidas em Rodrigues et al., Estas investigações demonstraram que, pressões laborais, longas horas de trabalho e insegurança, são fontes de stresse e de interferência negativa do trabalho na família, gerando outros problemas físicos e psicológicos. (in Rodrigues et al., 2010)

Percebemos que apesar de haver pontos comuns entre os entrevistados a gestão da vida profissional e familiar é complexa, e atende às várias especificidades como o (género e filhos). Assim observa-se que as suas práticas pós-laborais em termos gerais se distinguem sobretudo nessas especificidades, quando perguntámos: quando se sente exausto(a) no final do dia de trabalho, o que costuma fazer? E o que gostaria de fazer?

“Eu raramente tenho tempo, para me sentir exausta (…) é assim, quando saio daqui tenho os meus filhos para tratar, e só consigo descomprimir quando os apanho na cama, … lá para as dez, onze da noite, …(…) Era ir a um spa, … meter na água, estender-me, e fazerem-me uma massagem relaxante, acho que vinha de lá renovada.” (E9 Téc.Superior)

“ Neste momento é muito complicado, estando exausta chego a casa é mais trabalho, … que é tratar dos meus filhos, e da casa, e tudo, só descanso lá pra meia-noite. (…) Uma massagem, mas todos os dias era chegar a casa, e ter um bocadinho de paz, e sossego, e sobretudo, é ter tudo feito em casa, … era uma empregada neste caso, uma empregada que me dava jeito, lá está, se ganhasse mais dinheiro era uma empregada.” (E12, Assist.Téc)

Hochschild é referida em (Bonelli, 2003:362), acerca da sua pesquisa sobre relações conjugais entre casais que trabalham fora, têm filhos pequenos refere que “o trabalho das emoções têm maiores impactos nas mulheres pela facto da mulher ter que lidar com a dupla jornada, e o custo emocional que ela representa (…) tornam-se uma terceira jornada de trabalho na vida cotidiana”. As mudanças na esfera pública e no mundo do trabalho repercutem na esfera privada e na vida familiar dos casais.

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“Ir jogar futebol ou ir para a minha hidroginástica. (…) É isto mesmo que me faz bem!” (E7,Téc.Superior)

“Andar a pé, que me faz bem. (…) fazia mesmo bem? Fazer um exercício regular que não fosse muito complexo, por exemplo yoga para relaxar. (E11, Assist.Téc)

“Vou regar o meu quintal, … sei lá, sinto-me exausto vou descansar, e o descanso pode ser feito de várias maneiras, ir fazer o jantar, tratar o jardim, brincar com a minha filha, sei lá o descanso pode ser ir beber uns copos com amigos, não há uma regra não é, … tanto posso ir beber uns copos, como ficar em casa (…) Sei lá … acho que faço o que na altura, o que tenho que fazer (…)”.

É interessante que quando questionadas sobre a existência de apoio familiar, quase todos os entrevistados fizeram referência ao apoio emocional. É este tipo de apoio o mais avançado e não o apoio efetivo em termos de trabalho, ao nível das tarefas domésticas, por exemplo. Sabemos que a dupla jornada está associada a questões de género, pelo que são tipicamente as mulheres que conjugam o esforço que a profissão exige com o esforço que as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos também exigem. Não raramente, é o tempo pessoal e o tempo de lazer que são sacrificados.

Pudemos identificar vários fatores oriundos do trabalho que foram avançados como podendo afetar a vida e a gestão familiar. Trabalhos exigentes a nível físico, trabalhos exigentes a nível emocional, as relações de trabalho, horários rígidos e mesmo os baixos salários. Contudo, foi mais difícil identificar aspetos da vida familiar que são percebidos como influenciadores da vida laboral, dado que os entrevistados parecem manter uma certa vigilância em não dizer (ou reconhecer) que isso acontece, relativizando a intensidade ou mesma importância dos poucos casos referidos. De certa forma, estes discursos expressam uma normatividade, marcada pelos modelos tradicionais de gestão organizacional, em que se enfatizam os aspetos racionais em detrimento dos emocionais, sendo estes entendidos como dimensões que devem estar ausentes do trabalho. Esta é uma ideia contrária às novas exigências do trabalho, em que as organizações passaram a exigir dos trabalhadores uma expressividade emocional compatível com as exigências dos clientes/organização.

4. Fatores de bem-estar e de mal-estar no trabalho associados a

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