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Vygotsky (2005) parte do princípio de que o desenvolvimento da fala segue as mesmas leis do desenvolvimento de outras operações mentais. Ressalta a origem social e externa da fala, através das trocas comunicativas entre o adulto e a criança e afirma que:

[...] a função primordial da linguagem (fala-comunicação) é a interação social e critica o pensamento de que a “tendência intencional” brota do nada, que não tem raízes históricas e que o intelecto tem uma posição de primazia, quase metafísica, de origem e causa primeira não analisável (VYGOTSKY, 2005, p.35).

Assim, o autor desmistifica a concepção de que o pensamento e a linguagem são a mesma coisa, mostrando que são paralelos e que agem em conjunto. Suas linhas de crescimento podem se cruzar ou até mesmo andarem lado a lado, mas acabam se separando novamente.

A função social da fala na criança já é evidente desde o primeiro ano de vida e já é possível notar a necessidade dessa criança de se comunicar com o outro. Nota-se, nesse momento, importante desenvolvimento em sua fala, uma vez que ela descobre que cada coisa tem um nome e, possuidora de uma curiosidade ativa e repentina, passa a perguntar sobre cada coisa nova que observa e amplia seu vocabulário de forma rápida e aos saltos. A impressão que se tem é que a criança descobriu a função simbólica das palavras e a fala, que era afetivo-conativa, passa para a fase intelectual. “As linhas do desenvolvimento da fala e do pensamento se

encontram” (VYGOTSKY, 2005, p.54). Apesar de perceber que os objetos têm nome, para ela a palavra faz parte do objeto nomeado, sendo mais que um símbolo, só “descobrindo” a função simbólica da fala de forma gradual, porém, não se trata de um desenvolvimento simples e que se dá continuamente da fala interior ao pensamento verbal, mas “[...] a natureza do próprio desenvolvimento se transforma do biológico para o sócio-histórico” (VYGOTSKY, 2005, p.63).

Sendo assim, enfatiza a necessidade de se internalizar os conceitos, um percurso genético do desenvolvimento do pensamento conceptual. Esses conceitos, passando pelo processo de internalização, tornam-se parte da conduta social futuramente praticada pela criança em desenvolvimento. Nesse processo, o adulto tem a função de regulador/mediador das informações recebidas pela criança.

Ao discorrer sobre a formação de conceitos, Vygotsky (2005) relaciona esta atividade com o fato de a criança aprender a direcionar os próprios processos mentais com a ajuda dos signos. Assim, ele coloca que

[...] a criança pequena dá seu primeiro passo para a formação de conceitos quando agrupa alguns objetos numa agregação desorganizada, ou amontoado, para solucionar um problema que nós, adultos, normalmente resolveríamos com a formação de um novo conceito. O amontoado, constituído por objetos desiguais, agrupados sem qualquer fundamento, revela uma extensão difusa e não-direcionada do significado do signo (palavra artificial) a objetos naturalmente não relacionados entre si e ocasionalmente relacionados na percepção da criança. (VYGOTSKY, 2005, p.74)

A trajetória para a formação de conceitos se dá em três fases básicas divididas em vários estágios. A primeira fase, a dos amontoados sincréticos se divide em três estágios. Primeiro estágio, a criança cria um grupo de coisas na tentativa de estabelecer relações, caso não consiga, troca os objetos até conseguir um resultado. Essa fase é a da tentativa e erro. O segundo estágio é o da organização espacial dos objetos, a criança organiza seu campo visual de forma puramente sincrética. O terceiro estágio é marcado pela formação de grupos compostos por elementos de outros grupos já formados pela criança, porém, continua a formação de aglomerados sincréticos, sendo diferenciado pelo fato de que a criança tenta dar significado a uma palavra passando por duas etapas.

A segunda fase é a chamada pensamento por complexos e consiste em agrupamentos de objetos, não apenas pelas impressões subjetivas que esses causam na criança, mas por existirem de fato relações entre eles. Para Vygotsky (2005), quando a criança alcança esse nível já superou parcialmente o seu egocentrismo e já construiu pensamento coerente e objetivo. É nessa fase que a criança agrupa um universo de objetos em famílias15, ou seja, levando em conta algumas características que possuam em comum. Os complexos são formados por ligações concretas e factuais e não abstratas e lógicas, ou seja, os agrupamentos acontecem pelas similitudes e não por uma relação lógica entre eles. Encontram-se cinco tipos básicos de complexos: a) associativo: baseia-se em qualquer relação percebida pela criança entre os objetos dados, uma palavra pode fazer parte do objeto e passa a representar um determinado grupo de objetos relacionados entre si; b) coleções: consiste na combinação concreta entre os objetos e não mais nos conceitos generalizados, “[...] é um agrupamento de objetos com base em sua participação na mesma operação prática [...]” (VYGOTSKY, 2005, p.79); c) em cadeia, consiste na formação de complexos através de uma ligação em série, formando elos que se transmitem de um para o outro; d) difuso, tem por característica a fluidez do atributo, formando grupos de concretos ou imagens, por meio de conexões difusas e indeterminadas e podem não ter limites; e) pseudoconceito é o estágio final das formações de conceitos por complexos. Apesar de estarem próximos dos conceitos dos adultos, fenopticamente se diferenciam em muito quanto à essência psicológica, sendo assim, ainda um complexo. O pseudocomplexo “[...] é um importante elo de transição entre o pensamento por complexos e a verdadeira formação de conceitos” (VYGOTSKY, 2005, p.84).

Vygotsky (2005), citando Levy-Bruhl, Storch e Piaget, chama a atenção para uma característica muito marcante do pensamento primitivo, a participação, que se trata de relação de identidade parcial ou estreita entre dois objetos ou fenômenos que não têm nenhuma relação aparentemente identificável. Uma vez que a criança,

15 Durante a análise dos dados em que o pai de A. quer lhe mostrar o relâmpago, observa-se a formação, por parte da criança, de uma “família” de coisas quando ela relaciona o relâmpago ao caminhão, o ônibus e o carro, ou seja, os quatro apresentam uma característica em comum, o fato de todos “passarem”. Dessa maneira, a criança resolve a questão de seu medo do relâmpago. Essa descoberta faz com que a criança forme o conceito de que o relâmpago é passageiro e que não se precisa ter medo, uma vez que o ônibus, o caminhão e o carro também passam, o relâmpago também passará.o.

em determinada idade, pensa por pseudocomplexos e que as palavras ainda designam grupos de objetos, seu pensamento poderá formar relações que, para a lógica dos adultos são inaceitáveis16.

O pensamento por complexos é a base fundamental do desenvolvimento linguístico e que, tanto para o adulto quanto para a criança, a palavra tem o mesmo referente, podem não ter o mesmo significado. O significado das palavras se transforma, assim como se transforma o pensamento infantil, formando novos conjuntos que vão se refazendo, como em um aglomerado que se agrupa e desagrupa, conforme a necessidade de se entender novos conceitos. O nome atribuído a um objeto com base em um atributo perde o sentido, passando a ser substituído pelo conceito que ele passou a representar, gerando uma luta entre a sua origem baseada na imagem e o conceito, já existente entre os adultos, que, a partir daí, passa a ser utilizado.

Depois que a criança completou seu desenvolvimento por complexo, ela entra na terceira fase do processo de formação de conceitos. Nesse momento, a abstração passa a desempenhar papel fundamental. Para a verdadeira formação de conceitos é necessário aprender a unir e separar, é necessário que a síntese se combine com a análise. Essa fase também se divide em etapas. Das etapas que levam a abstração, deve-se destacar a combinação de objetos com o maior número de semelhanças. Seguidamente, a próxima etapa tem no agrupamento a característica de se servir de um único atributo, essas formações são chamadas conceitos potenciais, uma espécie de abstração primitiva que pode aparecer até nos animais. Porém, a abstração não é privilégio da terceira fase, podendo já ter aparecido na fase dos complexos17.

Com o domínio da abstração combinada com o pensamento por complexos, a criança caminha para a formação de conceitos, tendo na palavra o papel decisivo desse processo. Os pensamentos sincréticos e por complexos vão sumindo conforme os conceitos potenciais vão sendo menos usados e começam a se formar

16 Voltando ao caso do relâmpago, a relação feita por A. se diferencia muito do que poderíamos pensar para formar um grupo de complexos no desenvolvimento do pensamento conceitual.

17 Pode-se observar a formação do conceito de “relâmpago” para A.. Somente depois de um longo processo, ele o agrupou num grupo, cuja semelhança estava no fato de todos os componentes terem a característica de “passarem”, formando assim um pseudoconceito de “relâmpago”, sendo ainda necessário um longo processo para que o “relâmpago” se torne realmente um conceito. A internalização desse conceito foi demonstrada em trabalho realizado por Fernandes (2008).

os verdadeiros conceitos, ou seja, na formação dos complexos a criança agrupa objetos de formas diversas e passa por vários estágios, mas, na última fase, ela forma conceitos potenciais, através da abstração de certos atributos. Em todos os casos, a palavra exerce função primordial na aquisição de linguagem.

Na formação dos conceitos científicos, é importante observar sua importância quanto à participação efetiva do orientador no processo, e, também, que a criança esteja suficientemente amadurecida para adquirir esse novo conceito que está sendo transmitido. Para Vygotsky (2005), é inútil tentar explicar um conceito fazendo uso de outro conceito, afinal, é na generalização dos tipos mais primitivos de conceitos e após um longo processo que se formaram os novos conceitos.

O autor destaca, também, a necessidade de se internalizar esses conceitos e, neste trabalho, esse processo é observado quando a criança passa a utilizar um conceito, que pode ser uma nova palavra, em um contexto espontâneo, o que será demonstrado mais adiante, no capítulo das análises dos dados. Os conceitos ficam guardados na mente da criança em desenvolvimento, de forma que é possível a formação de vínculos entre eles e suas naturezas, dessa forma, esses conceitos pressupõem um sistema de relação generalizada, uma vez que se trata de conceitos generalizados e sua formação acontece no decorrer das seguintes fases: o sincretismo, os complexos, os préconceitos e os conceitos (Vygotsky, 2005). Resumindo, a internalização é um processo de reconstrução interna de uma operação externa e se trata de um processo mediado pelo outro.

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