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A intervenção do farmacêutico no Cancro Colorretal

a) Contextualização

Segundo dados da Direção Geral de Saúde [21], atualmente o cancro surge como a principal causa de morte antes dos 70 anos de idade e, no conjunto das causas de mortalidade em todas as ida- des, ocupa o segundo lugar, depois das doenças cardiovasculares.

Na Europa, o Cancro Colorretal (CRC), é o segundo tumor maligno mais comum, apresentan- do uma elevada taxa de mortalidade [22]. Já em Portugal é o cancro com maior incidência (14,5%), afeta de igual modo homens e mulheres, com cerca de 7.000 novos casos por ano que resultam em mais de 3.000 mortes, sendo esta a principal morte por cancro [23].

O cólon e o reto fazem parte do aparelho digestivo, e juntos, formam um longo tubo muscular - o intestino grosso. A maioria dos cancros do cólon e do reto desenvolvem-se a partir de lesões benig- nas no intestino grosso - os pólipos, que são formações que surgem na camada que reveste a mucosa do intestino grosso. Existem diversos tipos de pólipos, a maioria dos quais benignos (não canceríge- nos), sendo que o risco de desenvolver a doença depende do grau do componente viloso dentro do pó- lipo [24].

b) Sintomatologia

O CRC muitas vezes não apresenta sintomas ou, quando estes se manifestam, são sintomas não específicos, tais como hábitos intestinais alterados e desconforto abdominal forte. Os sintomas específicos surgem mais tarde, em fases já avançadas da doença e podem incluir, por exemplo, dor abdominal, náuseas, vómitos e sangramento com ida à casa de banho, sendo que estão relacionados com o tipo e localização do tumor [25].

O diagnóstico é muitas vezes realizado em fase avançada, sendo que os sintomas mais comuns podem envolver: alteração dos hábitos intestinais com o aparecimento de diarreia ou obstipação (ou alternância das duas) sem razão aparente; sangue (vermelho vivo ou muito escuro) nas fezes, sem sen- sação de dor ou prurido; sensação de fraqueza ou fadiga constante (resultante de anemia); sensação de que o intestino não esvazia completamente; desconforto abdominal generalizado; fezes de menor di- mensão que o habitual; perda de peso não justificada; náuseas e vómitos e inquietação [26].

c) Fatores de risco

Um fator de risco é uma característica que está relacionada diretamente com a possibilidade de desenvolver a doença. Os indivíduos com determinados fatores de risco têm maior probabilidade de desenvolver CRC em comparação com outros. Para este caso específico de cancro estes são:

— Predisposição genética: 3% dos cancros colorretais estão associadas a doenças genéticas, incluindo Polipose Adenomatosa Familiar (FAP) ou Síndrome de Lynch (SL);

— Idade superior a 50 anos: como com todos os tipos de cancro, os casos aumentam com a idade, e de forma significativa após os 50 anos de idade, independentemente do sexo;

— Pólipos do cólon e reto: a maioria dos pólipos é benigna, embora alguns dos pólipos adenomatosos (ou adenomas), se possam tornar cancerígenos;

— História familiar: Familiares em 1º grau (pais, filhos ou irmãos) com diagnóstico de cancro colate- ral ou com adenomas do intestino;

— Antecedentes clínicos: história pessoal de outros tipos de cancro;

— Doenças inflamatórias no intestino; Doença de Crohn (DC) ou Colite Ulcerosa (CU);

— Elevado consumo de carne: o consumo de gordura animal está associado a um risco aumentado de cancro, e as carnes fumadas ou cozidas a alta temperatura a uma maior incidência de CRC;

— Baixo consumo de fibras: uma dieta insuficiente rica em vegetais, frutas e cereais aumentam o risco de ocorrência da doença;

— Dieta e estilo de vida: dieta baixa em fibras, folatos e cálcio, e alta em gorduras (sobretudo gordura animal), aliadas a uma vida sedentária, aumentam o risco de contrair esta patologia;

— Tabagismo: o número de casos de CRC é maior entre os fumadores. Da mesma forma, a mortalida- de em doentes com este cancro será maior nesta população;

— Álcool: um alto consumo de álcool aumenta o risco de desenvolver CRC. No entanto, o consumo ocasional ou inferior a 12,5 g / dia não foi associado a este risco;

— Obesidade: um IMC entre 30 e 35 kg / m2 constitui um fator de risco;

— Baixa atividade física: com pouca atividade física diária, o excesso de peso pode ocorrer e conse- quentemente as contrariedades que advém deste [27-28].

Os indivíduos com o risco de desenvolver CRC podem ser classificados em:

— Muito alto risco: são indivíduos com FAP ou SL. Devem ser direcionados para um especialista de oncologia-genética e serem seguidos por um hepato-gastroenterologista;

— Alto risco: sofrem de doença inflamatória do intestino (DC, CU), ou têm uma história pessoal ou familiar de primeiro grau do CRC ou adenoma. Devem consultar um hepato-gastroenterologista; — Médio risco: sem história pessoal ou familiar de CRC ou adenoma, ou sem histórico de síndrome genética e doença inflamatória do trato gastrointestinal. Devem ser sujeitos a rastreio [29-30].

d) Métodos de rastreio e diagnóstico

Através da implementação de rastreios, o risco de CRC pode ser grandemente reduzido, dado que permite a deteção precoce e a remoção de lesões pré-cancerígenas. É recomendado que homens e mulheres iniciem os rastreios aos 50 anos de idade, sobretudo para aqueles que possuem história fami- liar positiva de CRC, doença inflamatória intestinal, ou síndromes hereditárias [29].

Em função da presença ou ausência dos diferentes fatores de risco, é necessário fazer exames 29

de rotina para “despiste” do cancro: só assim poderá haver detenção precoce, aumentando desta forma a probabilidade de sucesso do tratamento. A deteção e remoção de pólipos existentes podem mesmo prevenir o aparecimento de CRC. Existem basicamente dois tipos de programas de rastreio de CRC em todo o mundo, com base na modalidade primária de triagem que aplicados: a análise das fezes, nomeadamente a Pesquisa de Sangue Oculto nas Fezes (PSOF), e os exames imagiológicos do cólon e reto [31].

d1) Pesquisa de sangue oculto nas fezes

Este teste permite identificar a presença de pequenas quantidades de sangue nas fezes, que resultam do sangramento do tumor ou dos pólipos. Por se tratar de um método não invasivo, acaba por ter maior aceitação por parte dos indivíduos, embora não seja o método de rastreio mais eficaz. Devi- do ao facto dos tumores do intestino não sangrarem todos os dias ou de a quantidade de sangue que perdem ser muito baixa (não detetável), a probabilidade de ocorrerem falsos-negativos é elevada (cer- ca de 50% são falsos negativos), pelo que, é essencial repetir o teste a cada ano.

Um resultado positivo tem obrigatoriamente de ser confirmado com a realização de colonos- copia, para se descobrir a origem do sangramento. De notar que existem condições benignas, como a doença hemorroidária, que pode gerar um resultado positivo, sem que haja presença de carcinoma.

Este método de rastreio é mais amplamente adotado como modalidade de rastreio primária, no rastreamento populacional em larga escala, porque pode selecionar especificamente indivíduos com maior risco de adenoma avançado ou de cancro invasivo da grande população-alvo, utilizando assim, de forma mais eficiente os recursos endoscópicos. Embora a sua sensibilidade seja inferior à da Colo- noscopia (CC), a sua melhor aceitação pública e a possibilidade de detetar precocemente cancros ou adenoma avançado antes que se tornem cancros fatais, são as suas principais vantagens [31].

d2) Exames imagiológicos

Este tipo de exame tem como objetivo detetar não apenas os tumores mas, principalmente, a lesão inicial - os pólipos. Este objectivo pressupõe a observação do intestino, podendo-se optar pelos exames radiológicos ou pelos exames endoscópicos.

A CC é o padrão de ouro para o diagnóstico, sendo que é um meio de diagnóstico imagiológi- co endoscópico que permite, para além da visualização de todo o interior do intestino, caracterizar as lesões observadas e, acima de tudo, remover os pólipos no mesmo ato [23]. A principal desvantagem deste tipo de exame é o facto de ser um método invasivo e por vezes desconfortável, podendo resultar perfuração e/ou sangramento. Contudo, pode ser feito com recurso a anestesia, para maior conforto do utente. A sigmoidoscopia flexível é também um exame endoscópico, mas que permite apenas a obser- vação do intestino grosso na área do reto, sigmóide e cólon descendente.

A CC virtual é um exame radiológico, realizado com um equipamento de Tomografia Compu- torizada, que permite a observação do intestino grosso por um método minimamente invasivo. A prin- cipal desvantagem é que este exame não permite o diagnóstico de pólipos planos e, por outro lado,

quando identifica alguma lesão, o doente terá de realizar a CC endoscópica para a caracterizar e remo- ver.

Para fazer o diagnóstico definitivo de um tumor maligno é sempre necessário fazer uma bióp- sia - realizar a colheita de uma amostra de tecido, feita durante a CC, e proceder à sua análise histoló- gica. Estudos recentes revelaram que a taxa de participação da população na CC é notavelmente infe- rior em comparação com a PSOF [30].

Nos Estados Unidos estima-se que atrasos de até 12 meses após o resultado positivo de um rastreio por PSOF, possa produzir perdas proporcionais de até cerca de 10% em benefícios globais deste tipo de rastreio. Estes resultados indicam a importância do acompanhamento oportuno de CC em pacientes com resultados positivos na PSOF [32].

Recentemente tem-se vindo a investigar uma nova técnica de rastreio de CRC, mais concreta- mente o uso de uma “biópsia liquida”. Esta técnica constitui numa nova fonte de biomarcadores base- ados no sangue, sendo que existe o acompanhamento de biomarcadores em fluidos biológicos, ofere- cendo muitas vantagens, incluindo a capacidade de invasão mínima e a fácil acessibilidade [33]. Estes biomarcadores com elevada especificidade e sensibilidade podem permitir a deteção de CRC numa fase precoce, melhorando assim o prognóstico, a previsão da resposta ao tratamento e o risco de recor- rência. Os biomarcadores atualmente testados incluem células tumorais, ADN circulante, RNA e pro- teínas. Muitos investigadores acreditam que possa ser uma das ferramentas práticas para a deteção deste cancro [34].

e) O papel do farmacêutico comunitário

O farmacêutico, como prestador de cuidados de saúde, possui um papel fundamental na pre- venção do CRC, através do aconselhamento do estilo de vida e informando o utente acerca da realiza- ção de rastreios e informações sobre o mesmo [35].

O objetivo da prevenção é diminuir a incidência de cancro (aproximadamente 75-80% de to- dos os cancros podem ser atribuídos a fatores externos que, de forma geral, podem ser modificados e, como tal, diminuir a probabilidade de desenvolver cancro) e reduzir a mortalidade (através da deteção do cancro numa fase precoce e, por outro lado, utilização de tratamentos mais específicos e eficazes para cada tipo de cancro). Na prevenção do CRC podem ser consideradas duas fases de prevenção es- senciais: a prevenção primária e a prevenção secundária. A prevenção primária é o conjunto de ações desenvolvidas para modificar os hábitos menos saudáveis da população e educar para outros mais adequados (modificações dietéticas), sobretudo através de programas de educação para a saúde, en- quanto a prevenção secundária corresponde ao conjunto de ações dirigidas à deteção precoce de de- terminados tipos de cancro, através dos “programas de rastreio”.

Parte da minha experiência em farmácia comunitária, durante o estágio curricular, foi passada a desenvolver este projeto, o da intervenção do farmacêutico no CRC. Numa fase inicial de pesquisa e de busca por ideias tinha em mente organizar um rastreio relativo a um cancro, em que o seu diag- 31

nóstico não fosse muito comum em farmácia comunitária. De facto, nas farmácias comunitárias, por norma, possuem algumas vendas dos recipientes para recolha de fezes, contudo a realização de rastrei- os organizados por farmácias não eram comuns. De seguida, para que um projeto desta dimensão fosse conseguido, necessitava de um laboratório que me permitisse analisar as amostras de forma gratuita, se possível. Em conversa com as colaboradoras da farmácia surgiu a possibilidade de contactar o gru- po Holon, já que estes eram parceiros da farmácia e por vezes possuíam campanhas que eram realiza- das na farmácia. Após o contacto com este grupo, e já que a farmácia era parceira do mesmo, estes tinham parceria com a Europacolon (associação sem fins lucrativos que realiza a análise das amostras para o CRC e tem como objetivo a diminuição desta patologia) [36].

O próximo passo para a realização do projeto foi uma planificação detalhada das várias etapas que iríamos realizar, de forma a organizarmo-nos melhor. A planificação foi realizada (Anexo 14) e aprovada pela DT da NFS, e afixada para consulta dos colaboradores em local visível. Seguiu-se a divulgação do rastreio através de panfletos promocionais (Anexo 15) que estavam expostos em cima do balcão, aliando-se também o contacto direto com os utentes, durante o aconselhamento farmacêuti- co. Dado que a farmácia se localiza numa zona rural, essencialmente constituída por população enve- lhecida, segundo informações da equipa, a comunicação verbal era mais eficaz, uma vez que a popula- ção não prestava atenção a materiais promocionais (como panfletos ou cartazes). Aquando da divulga- ção durante o aconselhamento farmacêutico, e caso os cidadãos tivessem interessados, preenchia-se o documento com os critérios de inclusão para o rastreio (Anexo 16). Estes critérios foram identificados após uma pesquisa detalhada das “características” que os utentes deveriam possuir para serem subme- tidos ao rastreio. Também foi criado um documento de preparação para exames laboratoriais (Anexo 17), em que explica detalhadamente aos utentes, os passos a fazer para realizarem da forma correta a colheita, sendo que este documento seria apenas entregue quando o utente fosse selecionado e se en- caminhasse à farmácia para recolher os recipientes de análise.

As maiores dificuldades encontradas durante este rastreio foi a aceitação da população para o mesmo, pois por diversos motivos estas não possuíam vontade de participar: muitas delas porque já realizavam frequentemente CC, outras porque não desejavam colher amostras durante três dias conse- cutivos, em que os utentes com vontade de o fazer, muitos deles não podiam realizar o rastreio, pois não possuíam as “características” necessárias para o mesmo.

Após entendimento com o laboratório, o valor acordado para o número mínimo de indivíduos para o rastreio ser realizado, seria de 10, isto é, um total de 30 amostras. Ao todo, conseguimos 14 in- divíduos para análise, sendo que 4 deles seriam contactados apenas caso algum dos outros se mostras- se indisponível. Os participantes do rastreio que foram selecionados foram contactados, por via telefó- nico, tendo estes garantido a sua ida à farmácia um dia antes do início do rastreio para levantarem os recipientes de análise. No dia anterior ao rastreio, voltamos a contactá-los e a disponibilidade dos mesmos manteve-se. Chegado o dia do rastreio, apenas 3 dos 10 participantes passaram pela farmácia para recolher o material, sendo que os 4 que estavam de reserva, foram contactados mas não compare- ceram. Deste modo, o rastreio teve de ser cancelado, dado que não possuíamos um número de amos-

tras suficientes, que justificasse a análise, não sendo possível apresentar resultados do mesmo.

Em jeito de conclusão final, considero que este rastreio provavelmente não foi a melhor esco- lha, apesar de toda a preparação metódica realizada, pois o problema deu-se a nível logístico, pois a população não deseja deslocar-se diversas vezes à farmácia. Hoje em dia, também como existem ou- tros métodos de diagnóstico mais eficazes, apesar de mais dolorosos, estes são mais específicos, daí a preferência. Não consegui realizar a intervenção farmacêutica (Anexo 18) pretendida, quer em caso de análise positiva ou negativa, o que me permitiria desenvolver uma ligação diferente com os participan- tes do rastreio.