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14 2.1.1 Pobreza ↔ Degradação Ambiental?

2.3 A intervenção sobre os recursos naturais em África

Há uma tendência de responsabilizar os pobres pela degradação ambiental na África Subsahariana. Esta é a noção adoptada por várias organizações internacionais, não governamentais, institucionais e de defesa do ambiente, que têm emparelhado uma luta pela defesa do ambiente com uma luta contra a pobreza, embora ambas mostrem parcos resultados ou uma orientação esclarecida que vá além de medidas de curto prazo e alcance. O escrutínio científico e métodos no espírito da Pegada Ecológica poderão contribuir para desmistificar esta noção, que parece claramente insuficiente. À escala global, a fracção mais afluente da população usa uma quantidade desproporcionada dos recursos mundiais, quer falemos de água, peixe, florestas ou energia. Mesmo a nível local, na África Subsahariana são os agricultores mais ricos que, utilizando tecnologias agrícolas intensivas, produzem uma maior degradação ambiental (Moseley, 2004). Além disso, é sobre as largas camadas pobres da população que caem os mais directos efeitos da degradação ambiental (Bryant e Bailey, 1997; Najam et al. 2007). A

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degradação ambiental no sul do Mali é exemplo inequívoco: o governo recebe cerca de metade do seu orçamento da exportação de algodão produzido no país. Os efeitos da degradação do solo derivam principalmente desta cultura. O governo está, claro, relutante em aceitar a correlação prejudicial com uma fonte imediata de receita como é o algodão. O Banco Mundial apoia o disseminar da cultura do algodão pelo território, usando ironicamente a suposta relação entre pobreza e degradação ambiental para promovê-la, a fim de apoiar as reformas estruturais impostas como contrapartida pelo apoio que presta ao país (Moseley, 2001).

Embora na era pós-Rio (Cimeira da Terra, 1992) se tenha começado a discutir seriamente a relação entre pobreza e degradação ambiental fora do quadro colonial de pensamento ocidental, ainda hoje as suas relações são, como o autor procurou demonstrar, extremamente complexas, com variedades regionais e com especificidade para recursos diferentes, pelo que a natureza precisa da sua relação apenas se pode tentar estabelecer com modelos provisórios.

Se os países em desenvolvimento foram, antes da primeira grande conferência de ambiente global em Estocolmo (1972), grandes contestatários das políticas ambientais, no período até à Cimeira da Terra foram participantes relutantes para, após a mesma, aparecerem mais participativos, embora hesitantemente (Najam, 2005). Tal é compreensível, tanto historicamente como pela observação das experiências que estes mesmos países tiveram da sua participação na globalização e na governança global do ambiente nas últimas décadas.

Existem muitos problemas prementes na situação ambiental em África, derivados das condições geográficas, climáticas, estruturais, conjunturais, populacionais, económicas e políticas. Urge abordar e procurar melhorar as condições ambientais nos países subsaharianos exactamente pelas condições de extrema pobreza de largas fatias das sociedades desses países, tanto a nível urbano como rural, cuja proximidade com o ambiente as expõe muito mais aos efeitos da degradação ambiental do que na generalidade dos países ricos. A análise dos problemas ambientais desses países e o estudo de modelos explicativos para os mesmos pode ser uma ferramenta útil para discernir quais os mais sérios problemas e poder intervir adequadamente sobre estes. O ruído de fundo é constante, mas é por vezes possível separar a informação relevante da irrelevante.

Paradoxalmente, o “infortúnio” dos países desta região a nível de desenvolvimento segundo os padrões ocidentais poderá ser-lhes muito útil, permitindo escolher outros rumos de desenvolvimento. É mesmo possível que não lhes seja permitido aceder ao caminho já percorrido pelos países desenvolvidos, fruto da conjuntura económica actual e da crescente indisponibilidade do recurso sobre o qual se manteve no último século a civilização ocidental: o petróleo (EIA, 2009). O baixo desenvolvimento industrial da África Subsahariana permitiu que haja, na generalidade destes países, baixo nível de poluição atmosférica ou por resíduos. Grosso modo, pode afirmar-se que, numa balança em que se pesem as condições edafo-climáticas da região e a acção do Homem como principais causadores da degradação ambiental na África Subsahariana, talvez haja ainda uma preponderância para as primeiras. Contrariando as teorias que apontam a promoção da eco-eficiência como caminho económico a seguir, Haberl et al. (2009) apontam uma mudança de regime “socio-metabólico”, que compreende o fluxo de materiais e energia necessários à manutenção de todas as actividades humana, como solução necessária para os problemas de sustentabilidade global. Segundo estes autores, a sociedade ocidental terá passado ao longo da História pelos regimes de Caça-Recolecção, Sociedade Agrária e Sociedade Industrial. O mundo em desenvolvimento, em particular os países da África Subsahariana, encontra-se ainda numa fase inicial da transformação Sociedade Agrária em Sociedade Industrial e poderão escapar à degradação ambiental inerente a uma Sociedade Industrial,

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procurando passar a uma fase histórica seguinte sem ter novamente de servir unicamente de apoio às transições de outros, como ocorreu no passado.

Os problemas prementes da problemática ambiental dos países desenvolvidos não são os mesmos que aqueles da África Subsahariana embora, muito por força de acordos e instituições internacionais, estes acabem por ser muito enfatizados também em África (e.g. medição de emissões de dióxido de carbono) quando, na verdade, existirão outros muito mais urgentes na perspectiva do bem-estar humano regional. Nos principais objectivos do Milénio das Nações Unidas, descritos no quadro do anexo I, dá-se um enfoque especial às emissões de dióxido de carbono, que não são um problema particularmente grave na África Subsahariana, mas que derivam das prioridades ambientais exteriores à Região (excepto na África do Sul, segundo o WEC (2007)).

A intervenção sobre o ambiente e recursos naturais em África é fortemente decidida pelas organizações da globalização, interiores e exteriores, baseando-se em três grandes linhas de acção padrão:

1) Tentativa dos planeadores de racionalizar os recursos através de estratégias de delimitação espacial como áreas protegidas, zonas tampão e corredores de vida selvagem (com problemas daí decorrentes como desalojamentos, migrações forçadas, etc., muitas vezes acompanhados pela rejeição pelas populações (Sodikoff, 2007));

2) Transformação dos recursos naturais em “commodities” (como o turismo de natureza e de caça grossa);

3) Utilização do poder político para facilitar intervenções desde o desenvolvimento sistemático de planos de acção ambiental nacionais até às cada vez mais praticadas iniciativas de gestão de recursos naturais baseada na comunidade (Community-Based Natural Resources Management, CBNRM).

Infelizmente, muitas das medidas são utilizadas extensiva e abusivamente para retirar o controlo de regiões, populações e recursos das mãos dos locais, excluindo-os das decisões essenciais (Schroeder, 1999), uma forma de neocolonialismo com consequências sociais, políticas e económicas no mínimo dúbias (Marcussen, 2003). É este o modelo de desenvolvimento económico neoliberal actualmente em vigor na África Subsahariana como no mundo, também apelidado de neoliberalismo pragmático (Eyoh e Sandbrook, 2001): favorece a urbanização excessiva (Bond, 2002), o aumento da produtividade agrícola acompanhado de êxodo rural com expansão das zonas agrícolas invadindo as florestas, o crescimento do fosso entre ricos e pobres através de um enriquecimento de pequenas minorias à custa de vastas populações, a necessidade de produção ininterrupta, frequentemente vocacionada para a exportação e o desaparecimento da prestação de serviços dos estados aos povos (Saul e Leys, 1999), acompanhado pela privatização dos recursos e alienação das terras comunais (Singoei e Adam, 2007). É implementado em nome de um “desenvolvimento” de África que, no entanto, nunca chega.