• Nenhum resultado encontrado

população, tornaram-se um importante aspecto a ser considerado na dinâmica

2 MEIO AMBIENTE, DIRETOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO

2.1 A INTRÍNSECA RELAÇÃO ENTRE MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE

As questões ambientais e sociais estão intrínseca e legitimamente vinculadas aos direitos humanos. Discutir esses temas de forma articulada nos proporciona novas e, talvez, melhores forma de pensar e ampliar a compreensão a respeito da importância da participação social, de forma efetiva e ampla, nas temáticas vinculadas ao saneamento, à saúde pública, ao meio ambiente e ao desenvolvimento comunitário.

A luta da humanidade contra as adversidades do meio ambiente remonta às mais antigas civilizações, tanto intervindo no sentido de modelar o meio físico, como fazendo uso dos limitados recursos, na busca incessante de acumulação de riquezas e bem-estar destinados a poucos. Não obstante, assistimos aos discursos em prol do meio ambiente, atrelados a apologias ao crescimento e ao desenvolvimento econômico ou à modernização, gerando, por conseguinte, desequilíbrios socioambientais graves e, por vezes, irremediáveis, em especial sobre os países mais pobres e suas populações.

Segundo Cavalcanti (2009), os custos sociais são amplamente distribuídos na sociedade, porém apenas as virtudes de tais ações sociais são enaltecidas e isso pode ser observado nas peças publicitárias oficiais, como um benefício promovido pelo desenvolvimento econômico. Entretanto, de acordo com Gilberto Dupas (2008), o crescimento econômico subordinado completamente à sustentabilidade social e ambiental coloca enormes obstáculos para a sua superação, pela dificuldade que há em estabelecer um ponto de equilíbrio entre a atividade econômica, o bem-estar humano e a sustentabilidade.

Tais desequilíbrios deixam, em seu rastro, uma herança de desigualdade, exclusão e injustiça, evidenciando, assim, o abismo díspar entre crescimento econômico e condições sociais que tendem, segundo Jannuzzi (2012, p. 15), quando se refere aos indicadores sociais no Brasil, “a produzir efeitos diretos e imediatos sobre o nível de indigência e pobreza”.

O Brasil ainda é um país marcado por profunda desigualdade social. Desigualdade essa que a sociedade ainda insiste em não reconhecer e que os dados informados ‘politicamente’ tendem sempre a demonstrar que estamos perto de ‘zerá-la’, como podemos observar quase que cotidianamente nas mais diversas formas de veiculação

midiática. Assim, como não poderíamos deixar de nos reportar à incessante insistência dos partidos políticos dominantes, em especial nos horários públicos de propaganda política, tidos como ‘gratuitos’, em negar tais disparidades nos últimos anos, independentemente da coloração ideológica.

De acordo com Furtado (2002), as desigualdades sociais sobrepõem-se às regionais no tocante aos níveis de desenvolvimento, fragilizando, ainda mais, nossa situação perante o mundo globalizado em que vivemos dominados por empresas transnacionais que tiram partido dessas desigualdades, fruto da má distribuição de renda e do sacrifício de muitos para a locupletação de poucos.

Os processos de desenvolvimento e de globalização inevitavelmente aceleram o avanço da concentração de poder nas mãos de poucos, fazendo que os governos das grandes cidades do planeta assumam as tarefas insubstituíveis de promover o desenvolvimento econômico aliado à justiça social (GASPAR, AKERMAN & GARIBE, 2006) e à justiça ambiental.

A concentração de rendas resulta, via de regra, em concentração de espaços e recursos ambientais nas mãos daqueles que detêm maior poder, inclusive e, especialmente, sobre as decisões políticas e, nesse caso, “como chamar de progresso e desenvolvimento esse processo de empobrecimento dos que já são pobres” (ACSELRAD, MELLO & BEZERRA, 2009, p. 77). As populações mais pobres estão, por princípio, mais desprotegidas, tornando-se, portanto, mais vulneráveis à concentração das mazelas e sujeitas à subtração de “uma espécie de ‘mais valia ambiental’ pela qual os capitais se acumulam pela apropriação dos benefícios do meio ambiente” (ACSELRAD, MELLO & BEZERRA, 2009, p. 77), impondo aos mais pobres o consumo forçado de seus indesejáveis efluentes.

Ressaltamos, assim, a importância de se estabelecer novos referenciais para os modelos de desenvolvimento que empreendam uma verdadeira luta contra a “estagnação dos níveis de miséria e o agravamento na concentração de renda de muitos países da periferia mundial” (DUPAS, 2008, p. 21) que ao longo dos anos ficaram à mercê do livre arbítrio dos mercados e pautada na lógica global da economia que, paradoxalmente, apesar de ampliada geograficamente, é concentradamente dominada por poucos.

Corroborando com esse posicionamento, concordamos com Cavalcanti (2009, p. 30), ao considerar ser necessário o estabelecimento de um referencial que norteie a relação homem-natureza, respeitando as limitações impostas pelos recursos disponíveis no meio ambiente. O

autor ressalta a existência de “uma crescente insustentabilidade global, um aumento das desigualdades sociais, com desemprego e uma série de mazelas, ao lado de inegáveis formas predatórias bárbaras de uso da natureza”. Essa danosa relação de causa e consequência, se não revertida a tempo, submeterá as populações a mais e maiores sacrifícios sociais e ambientais pela própria sobrevivência.

Moura (2009) advoga que é urgente a busca de uma nova compreensão da atividade humana no processo econômico, como expressão da relação entre homem e meio ambiente biofísico, à base da qual se possa elaborar, com a necessária precisão, princípios e orientações para a consecução da sustentabilidade e de uma convivência harmoniosa entre humanos e natureza. Para isso, destacamos a necessidade de se analisar de forma crítica e reflexiva as propostas de políticas ambientais, em especial, as que não levem em conta as culturas locais, nem tampouco as negociações e tensões que visam atender às populações, com ações formuladas compartilhadamente, na busca de soluções que harmonizem o desenvolvimento comum e equilibrado entre sociedade, meio ambiente e economia.

Devido à falta de definição de conceitos mais consistentes sobre desenvolvimento econômico moderno que contemplem as esferas social, ambiental e econômica, confunde-se tal visão apenas com os conceitos de crescimento econômico. Retomar o sentido da noção do desenvolvimento “como evolução, progresso, e que conduziu à ideia de desenvolvimento sustentável” (CAVALCANTI, 2009) significa, no entanto, buscar alternativas ao conceito de crescimento econômico simplesmente.

Nesse sentido, Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p.147) defendem que somente por meio de estratégias argumentativas e formas de lutas inovadoras é que os atores sociais, cujas práticas aqui analisamos ao abordar políticas públicas de saneamento e desenvolvimento comunitário, têm procurado, no Brasil e no mundo, fazer do ambiente um espaço de construção e justiça e não apenas de realização da razão utilitária do mercado.

Concordamos com Cavalcanti (2009), ao afirmar que o Brasil precisa vencer o atraso e transpor as barreiras da burocracia e a estagnação das políticas públicas que envolvem a gestão dos problemas ambientais. Nessa perspectiva, Morin (2000, p. 118) afirma que a humanidade não mais constitui uma “noção apenas biológica”, e sim deve ser “plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável na biosfera”. Ousamos acrescentar: em especial, quando se tratar das questões socioambientais.

Embora Dupas (2008, p. 8) afirme que nas últimas décadas a crise ecológica estava sendo anunciada de maneira crescente e que “a degradação é decorrente das técnicas de produção contemporâneas e da direção dos vetores tecnológicos que sustentam a lógica do capital”, admite que, mesmo assim, a agenda necessária para evitá-la não foi capaz de ser consolidada. Ainda, segundo esse autor, é necessário saber se a “sociedade terá vontade e capacidade de agir” e, se a tragédia além de anunciada está programada, ou se ainda é possível revertê-la. Complementando, afirma o autor que

o crescimento econômico induz à ampliação dos impactos ambientais e dos conflitos ecológicos distributivos. O padrão tecnológico e social incorporado à lógica global de produção leva a uma vinculação inevitável entre crescimento econômico, expansão descontrolada dos fluxos energéticos e de materiais e acúmulo de resíduos tóxicos. Isso obriga a uma visão sistêmica das relações entre economia e meio ambiente, incluindo conflitos ecológicos distributivos. (DUPAS, 2008, p. 8).

A dimensão das questões relativas ao meio ambiente, nos últimos anos, tem sido ampliada de forma crescente na sociedade, nos meios políticos do poder público e no discurso acadêmico. Percebe-se, claramente, a importância desse debate sócio-político-científico diante dos conflitos vividos de forma globalizada frente às grandes questões como os desastres e catástrofes ambientais. Segundo Dupas (2008), a sociedade contemporânea encontrará caminhos intermediários e soluções de compromisso que sejam capazes de enfrentar o imenso desafio de retomar o controle da direção dos vetores tecnológicos e administrar os efeitos perversos de nosso sistema de produção sobre a saúde, o conforto, a segurança e o bem-estar de seus membros.

O Brasil, embora modernizado ao longo das últimas décadas, está longe de ser uma nação desenvolvida, se tomarmos como referencial o pensamento de Furtado (2002, p. 21) quando afirma que só há desenvolvimento real, quando a sociedade em sua totalidade for beneficiada. Em outra obra, esse autor afirma que o verdadeiro desenvolvimento “somente se efetiva quando a acumulação conduz à criação de valores que se difundem na coletividade” (FURTADO, 1998, p. 47). Conclui-se, assim, que o crescimento econômico não conduz por si só ao desenvolvimento e menos, ainda, ao desenvolvimento social.

O fato de termos economias em nível global, entregues às suas próprias forças, pode levar ao uso desmedido e ao esgotamento dos recursos naturais, induzindo a periferia do sistema a uma reprodução insustentável de padrões de consumo e desperdício dos países do centro. Isso promoveria um “passivo ambiental crescente e sempre mais infelicidade humana” (CAVALCANTI, 2009, p. 33-34), pois, como acrescenta esse mesmo autor, a “ocorrência de danos ambientais irreversíveis, como sucede com frequência em todo o mundo, significa que se consegue crescimento econômico a expensas de benefícios potenciais para as futuras gerações” (CAVALCANTI, 2009, p. 37).

Nossa sociedade necessita cada vez mais depender menos do uso de materiais esgotáveis, considerá-los como tais, e trilhar na direção de um paradigma mais igualitário de riqueza, sejam por questões éticas e humanitárias, ou até mesmo em função da própria estabilidade na sociedade. Nesse sentido, a luta pela construção de um mundo melhor e de uma sociedade mais consciente enseja uma reflexão sobre o papel do homem e da mulher como agentes transformadores e detentores de direitos que precisam ser individual e socialmente apropriados para a legitimação de seu poder de transformação no ambiente em que vivem. A falta ou pouca consciência, por parte de muitos, enfraquece a luta para o exercício pleno dos direitos numa sociedade democrática.

Percebemos, no entanto, que os movimentos sociais, tema eminentemente contemporâneo, haja vista as grandes manifestações sociais públicas reivindicatórias do povo brasileiro nos dias atuais, têm colaborado para que, aos poucos, esse quadro seja modificado e haja o respeito aos recursos naturais disponíveis, através da conscientização do consumo racional e da diminuição da geração de resíduos. Moura (2009, p. 7) prega que há “necessidade de inclusão de uma cultura democrática para a sustentabilidade e gestão ambiental nos seus aspectos científicos, técnicos e políticos”. O direito a um meio ambiente sadio e o dever de assim mantê-lo deve constituir-se em um dos objetos transversais das políticas públicas.

Certamente, a partir dos movimentos da sociedade civil organizada, é possível que as comunidades mais vulneráveis consigam ser ouvidas e fazer valer seus direitos para assegurar e proteger sua saúde e bem-estar para uma melhor qualidade de vida, vida digna e saudável biológica, emocional e socialmente, diminuindo as desigualdades existentes entre aqueles que poluem e aqueles que sofrem suas consequências.

Dessa maneira, entendemos que a “desenfreada ganância lucrativa com a destruição dos recursos naturais e a falta de articulação

com vários elementos na busca de novos conhecimentos e novas realidades pouco permitem a sua renovação e recuperação em tempo hábil” (SOUZA, 2007, p. 38). Nesse sentido, ressaltamos a tese de Sachs (1986 apud SOUZA, 2007, p 39), quando afirma que o “ecodesenvolvimento deve ser abordado dentro do enfoque sistêmico”, pois como afirmam Bojö et al (2007) as condições ambientais produzem efeitos importantes sobre a saúde, o trabalho e a segurança dos pobres. Ressaltamos ainda os efeitos produzidos sobre a qualidade de vida e até mesmo da sobrevivência dessas pessoas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade ambiental ou social ou, ainda, de ambas.

Muitas vezes, em nome do desenvolvimento econômico, alguns países admitem sediar plantas industriais produtivas, cujos danos ambientais não seriam admitidos em outros países defensores de maior rigor ambiental. Com isso, as populações em seu entorno e, mesmo aqueles que não têm acesso aos benefícios da geração de empregos ou consumo dos bens ali produzidos, estão expostos aos riscos nefastos dos processos de industrialização predatória.

Brigitte Leoni, Tim Radford e Mark Schulman (2012, p. 22) afirmam que, mais que qualquer outro grupo socioeconômico, os pobres são os mais afetados pelos desastres ambientais e ressaltam que essa “é uma realidade tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento”. Complementando, constatam que

Todos os países são vulneráveis às ameaças naturais, mas a maioria das 3,3 milhões de mortes causadas por desastres nos últimos 40 anos ocorreram em nações pobres. São eles também que sofrem por um período maior as consequências dos desastres, na medida em que não possuem seguros ou meios de recuperação rápida, e em que frequentemente perdem suas casas, trabalhos e meios de subsistência, piorando ainda mais as condições de vulnerabilidade a próximo desastre (LEONI, RADFORD & SCHULMAN, 2012, p. 22).

Observamos que quanto maior a concentração das populações excluídas social e economicamente, em assentamentos subnormais16

16

O conceito de aglomerado subnormal, segundo o IBGE (2011, 25), “possui certo grau de generalização, de forma a abarcar a diversidade de assentamentos

urbanos, conhecidos como favelas ou comunidades pobres, maior o número de pessoas vulneráveis aos desastres ambientais. Para se ter uma ideia da dimensão da quantidade de pessoas que, a princípio, estariam mais suscetíveis aos desastres ambientais, Leoni, Radford e Schulman (2012, p. 22) afirmam que “três bilhões dos habitantes do mundo vivem em condições de pobreza com menos de US$2,00 por dia; e 1,3 bilhão com menos de US$1,00 por dia”.

De acordo com a UN-Habitat, essa situação tende a se agravar, pois se estima que em 2030 aproximadamente 3 milhões de pessoas viverão em favelas nos centros urbanos (LEONI, RADFORD & SCHULMAN, 2012). Essa fatia da população constitui um dos grupos que se encontram mais suscetíveis à fome, a doenças agravadas pela falta de acesso à infraestrutura básica para o fornecimento de água e saneamento, pela falta de escolas ou pela educação deficitária, e também pela falta de transporte e de outros serviços públicos. Todas essas deficiências contribuem para a diminuição das oportunidades de qualificação, de trabalho e renda, e para a segurança da população, em especial, das camadas mais jovens que estão, via de regra, mais expostas aos riscos sociais.

Nesse sentido, afirmam Henri Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p. 12) que “é possível constatar que sobre os mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder recai, desproporcionalmente, a maior parte dos riscos ambientais” e ainda acrescenta:

A concentração dos benefícios do desenvolvimento nas mãos de poucos, bem como a destinação desproporcional dos riscos ambientais para os mais pobres e para os grupos étnicos mais despossuídos, permanece ausente da pauta de discussão dos governos e das grandes corporações (ACSELRAD, MELLO & BEZERRA, 2009, p.15).

De acordo com Dagnino & Carpi Junior (2007, p. 60), riscos ambientais são aqueles resultantes “da associação entre os riscos naturais e os riscos decorrentes de processos naturais agravados pela atividade humana e pela ocupação do território”. São considerados riscos ambientais pelo fato de serem potencialmente causadores de

Documentos relacionados