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No início do século XX, Henry Poincaré proferiu uma palestra para a Sociedade de Psicologia de Paris intitulada Criação Matemática (Poincaré, 1910). Os aspectos iniciais abordados por Poincaré falaram a respeito da compreensão da Matemática por uma pessoa, ele colocou que “se a Matemática está se fundamenta apenas em nas regras lógicas que toda mente clara aceita, como existem pessoas que são refratárias à Matemática”. Ele ligou a criação Matemática a uma sensação, que ele denomina de intuição de ordem Matemática, e esta seria a chave para se conseguir inventar em Matemática. Poincaré descreveu o que considerava como uma invenção Matemática, a partir de suas reflexões sobre os seus próprios exercícios de atividade Matemática. No entanto, sua palestra foi finalizada com uma colocação na qual explicitava que o tema de estudos sobre invenção Matemática deveria ainda ser mais bem estudado.

Talvez esse tenha sido o desafio que levou o matemático Jacques Hadamard a se inspirar nas ideias e reflexões argumentativas apresentadas na palestra de Poincaré para também enveredar nos estudos sobre invenção Matemática e, assim, apresentar as suas reflexões em 1946.

A perspectiva para invenção na Matemática, oferecida por Hadamard, seguindo os passos descritos por Poincaré, é constituída por uma combinação de ideias. Entretanto, isso

não consiste em fazer novas combinações com entes matemáticos já conhecidos. Qualquer um poderia fazer isso, mas as combinações assim conseguidas seriam em número limitado e na sua maioria totalmente desprovidas de interesse. Criar consiste, precisamente, não em construir as combinações inúteis e que estão em ínfima minoria. Criar é discernir, escolher ... (POINCARÉ, 1910, p.324).

O ponto levantado enfatiza que existem várias combinações de ideias e na maioria delas não é apresentado um grau de fecundidade necessário para o desencadeamento de uma invenção. Podemos combinar vários teoremas e proposições que não geram uma ideia nova. Eles podem só estar se encaixando como um ladrilhamento imperfeito ou sem sentido ou não provocando uma conexão coerente que em sua essência traga o embrião para uma invenção. Para que ocorra a invenção Matemática no sentido dado por Poincaré, o matemático deve ser capaz de eleger em um elenco, conhecido por ele, as ideias que provocarão o ajuste necessário de forma a uma nova ideia ser gerada, constituindo assim, uma invenção Matemática. Dessa forma, a sugestão dada por Poincaré, nos remete a ideia de que para haver uma invenção Matemática o matemático deve conhecer muito bem a Matemática com que trabalha.

Para que essas combinações ocorram, de modo a desencadear uma invenção, é necessário um trabalho mental contínuo do matemático, caracterizando um processo de invenção. As ideias de Poincaré, retomadas por Hadamard (2009), estabelecem que esse processo de invenção inclua quatro etapas: preparação, incubação, iluminação e exposição. Para que esse processo se inicie, o matemático deve ter tido acesso a algum trabalho (ou problema) anteriormente divulgado. No caso de Poincaré, sobre a invenção das funções fuchsianas, seu Professor Charles Hermite havia lhe recomendado a leitura dos trabalhos de Lazarus Fuchs. No caso do Último Teorema de Fermat5, a invenção da teoria decorreu diretamente do estudo do problema já posto.

A fase da preparação é o momento em que o problema é definido e há uma necessidade ou desejo por parte do matemático em resolvê-lo. O matemático explora as dimensões do problema. Nesse ponto de grande reflexão, o matemático, estudando um problema específico, o examina minuciosamente e faz experimentos mentais na busca de

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Fermat substituiu o expoente 2 na fórmula de Pitágoras x2+y2 =z2 por um número n qualquer maior do que 2, transformando essa formula em xn + yn = zne afirmou que,nesse caso, a equação não tem solução, se n for um inteiro maior do que 2 e se x, y e z forem inteiros positivos.

uma melhor compreensão do problema e estabelece critérios para verificar a consistência do mesmo, isto é, o matemático verifica se o problema é plausível de solução.

Agora, na fase da incubação, o matemático se afasta do problema e se volta a atividades que pouco diz a respeito do seu problema, isso é necessário para fornecer tempo para a mente digerir o material que foi reunido na fase de preparação. Posteriormente, a mente trabalha em um movimento do pensamento em que o ele elabora muitas combinações de ideias e, dentre essas, é preciso selecionar as que são úteis. Dessa forma,

quando o pesquisador parte de um falso princípio, como acontece muitas vezes, ele resvala insensivelmente para uma trilha e pode ter dificuldades para sair dela. [...] A incubação consistiria em livrar-se dessas falsas vias e dessas hipóteses confusas. (POINCARÉ, 1910, p. 329)

Como a preparação, a incubação pode durar minutos, horas, semanas ou até anos. Ao final desta etapa, a mente do pesquisador fica livre e habilitada, cheia de potencial, para encarar o problema posto. As ideias incubadas são mais claramente compreendidas do que eram no início do processo.

Quando as ideias em estado incubado assumem uma forma definitiva inicia-se a fase da iluminação. Após uma “meditação” exaustiva sobre o problema, o matemático alcança uma visão clara do problema, seguida de imediata certeza da conexão das ideias, que são os produtos novos, sem equivalentes anteriores. Diferentemente das duas etapas iniciais, essa fase pode ser breve e o matemático pode ter uma reação emocional de alegria. A etapa de exposição tem a finalidade de expor os resultados decorrentes do pensamento do matemático. No entanto, para isso são realizadas tarefas, que têm a finalidade de convencer um público das afirmações feitas pelo matemático, são elas: verificação, acabamento e resultados intermediários. A verificação é o uso de nossa razão para validação dos resultados (HADAMARD, 2009, p. 75), o matemático se pergunta: a solução funciona ou precisa de revisão? O processo de verificação pode ser trivial ou pode envolver muito trabalho. O acabamento é feito para relatar os resultados com precisão. Já nos resultados intermediários, temos a articulação das tarefas de verificação e acabamento, com o prosseguimento da pesquisa do matemático. “Depois que certo estágio da pesquisa é completado, o seguinte exige um novo impulso” (HADAMARD, 2009, p.80) que remete o matemático de volta à primeira fase de preparação para elaborar “resultados intermediários precisos” que levem a pesquisa para um próximo estágio.

Nesta etapa da exposição, algum erro pode ser encontrado, mas o trabalho, em seu conjunto todo, não precisa ser abandonado. Isso aconteceu, por exemplo, no trabalho de

Andrew Wiles, que demonstrou, em 1994, o Último Teorema de Fermat. Wiles era professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, quando anunciou, em 23 de junho de 1993, na Universidade de Cambridge, que havia demonstrado o teorema. O anúncio inicial foi seguido de um período de intensa atividade. O manuscrito foi enviado a vários investigadores para ser avaliado. Após sete meses de suspense o mundo matemático em dezembro de 1993, ficou sabendo que vários erros haviam sido encontrados. Muitos dos problemas foram resolvidos facilmente, mas um deles havia provado ser realmente difícil, e Wiles concluiu que a demonstração permanecia incompleta. Quase um ano mais tarde, em outubro de 1994, pesquisadores em teoria de números receberam uma agradável surpresa: um manuscrito, grande, por Wiles, reduzindo o problema à demonstração de um resultado sobre o anel de operadores de Heche. Junto desse, outro manuscrito, por Wiles e Taylor, continha a demonstração do resultado que estava faltando: o teorema estava demonstrado.

Poincaré e Hadamard não foram os únicos matemáticos que fizeram um exercício de reflexão sobre suas atividades matemáticas de invenção, Bartel Leendert Van der Waerden, (1903-1996) um matemático dos Países Baixos também praticou esse exercício, ao escrever dois artigos. No primeiro, Beweis einer Baudetschen Vermutung6 publicado em

1927 é provada uma conjectura de Baudet. No segundo, How the proof of Baudet’s

conjecture was foud7 publicado em 1971, ele narra como ele encontrou essa prova. Para

concretizarem seus empreendimentos os três matemáticos Poincaré, Hadamard e Van der Waerden levaram em consideração para suas reflexões, apenas aspectos individuais.

Os estudos de Jacques Hadamard se limitaram a investigar como os matemáticos ou físicos pensam em suas atividades criativas e ele descreve o seu próprio pensamento matemático. Para cumprir os objetivos de nossa pesquisa procuramos um referencial que também abordasse outros aspectos, como o contexto social e cultural de uma personalidade criativa, além dos processos individuais envolvidos na atividade criativa de um matemático. Para contemplar nossa expectativa, na próxima seção, abordaremos o Modelo de Sistemas de Criatividade de Csikszentmihalyi.

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Referência desse artigo: B.L.Van Der Waerden, Beweis einer Baudetschen Vermutung, Nieuw. Arch. Wisk. 15, 1927.

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Referência desse artigo: B.L.Van Der Waerden, How the proof of Baudet’s conjecture was foud, in”Studies in Pure Mathematics” (L.Mirsky, Ed.), p. 251-260, Academic Press, 1971.