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3.4 O Código Penal Brasileiro de 1940

3.4.1 A (ir)responsabilidade penal

A responsabilidade penal encontra-se no art. 22 do Código Penal (CP). Seu conteúdo equivale ao do art. 27, §§ 3o e 4o do Código Penal de 1890 e do art. 27, §§

3o e 4o da Consolidação das Leis Penais (Decreto n. 22.216, de 14 de dezembro de

1932), que trouxe apenas uma alteração no texto do § 4o do art. 27, em relação ao

texto do Código Penal de 1890. A expressão “completa privação de sentidos” é substituída por “completa perturbação de sentidos”, pois para alguns críticos da expressão anterior, quem se encontra completamente privado dos seus sentidos e inteligência só pode estar morto (GARCIA, 1951, v. 1, t.1, p. 328).

O CP de 1940 considera irresponsável, logo isento de pena, aquele que “[...] por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

Para Nelson Hungria (1955, v. 1, p. 328), apesar de o termo “doença mental” não ser uma unanimidade na psiquiatria, tem, por parte dela uma boa acolhida, pois

engloba todas as psicoses. Sob o rótulo do “desenvolvimento mental retardado” encontram-se as oligofrenias: idiotia, imbecilidade e debilidade mental.

A irresponsabilidade do agente pode, assim, decorrer de um quadro de alcoolismo crônico grave, toxicomania grave e das já mencionadas psicoses (esquizofrenia, psicose epiléptica, senil, transtorno bipolar, dentre outros) e oligofrenias (idiotia, imbecilidade e debilidade mental) (PALOMBO, 2003, p. 2000).

Se o indivíduo tiver algum discernimento acerca da ilicitude do seu ato, mas em razão de perturbação da sua saúde mental ou se esse discernimento não for suficiente para impedir a prática do ilícito, o juiz pode reduzir o tempo de cumprimento da pena em um a dois terços. É a denominada responsabilidade criminal diminuída, termo inadequado, pois, em que pese responsabilidade e imputabilidade serem duas noções que se correlacionam, a primeira - responsabilidade - relaciona-se com o sujeito que pratica a ação e a segunda - imputabilidade - tende para a ação praticada e para a pena a ser atribuída ao sujeito que praticou o ato (GARCIA, 1951, v. 1, t.1, p. 326).

Dentre os quadros psicopatológicos que podem ensejar diminuição da pena, encontram-se, consoante Hungria (1955, v.1, p. 333):

[...] os casos benignos ou fugidios de certas doenças mentais, as formas menos graves de debilidade mental, os estados incipientes, estacionários ou residuais de certas psicoses, os estados interparoxísticos dos epilépticos e histéricos, certos intervalos lúcidos ou períodos de remissão, certos estados psíquicos decorrentes de especiais estados fisiológicos (gravidez, puerpério, climatério), etc., e sobretudo o vasto grupo das chamadas personalidades psicopáticas (psicopatias em sentido estrito). (grifos do autor).

Muita discordância traz a temática da (in)imputação do psicopata em sentido estrito, também denominado louco moral (atualmente denominado portador de transtorno de personalidade dissocial, anti-social, amoral, psicopática ou sociopática – CID F60.2). Autores como Nelson Hungria (1951, v.1, t. 2, p. 350) e Basileu Garcia (1951, v. 1, t.1, p. 331) são unânimes em considerar os portadores de personalidade anti-social perigosos e defenderem a sua segregação do convívio social. Contudo, o primeiro, não antes de ressaltar que o problema é de difícil solução, apresenta-se favorável à posição adotada pelo CP: cumprimento cumulativo de pena e de medida de segurança. O segundo, por seu turno, interpreta que o portador de personalidade anti-social não está amparado pelo disposto no caput do art. 22 e, tampouco pelo parágrafo único do mesmo artigo, podendo, então, ser responsabilizado penalmente.

No grupo dos semi-imputáveis encontram-se os indivíduos com diagnóstico de “neurose grave, alcoolismo crônico moderado, toxicomania moderada, condutopatia (transtornos de comportamento) e debilidade mental” [moderada]. (PALOMBO, 2003, p. 200).

Aos semi-imputáveis o CP, no seu art. 22, parágrafo único, prevê a aplicação tanto da pena, diminuída em 1/3 a 2/3, como da medida de segurança detentiva. É o sistema penal denominado duplo binário.28

O critério adotado para a (não) responsabilização ou responsabilização parcial do agente é o biopsicológico ou misto. Deve-se verificar se e em que medida - total ou parcialmente - a doença mental ou desenvolvimento mental retardado contribui para que a pessoa, no momento do ato ilícito, não compreenda as conseqüências do seu ato ou da sua omissão ou a faça agir de modo diverso.

A demonstração do nexo de causalidade entre transtorno mental ou oligofrenia (desenvolvimento mental retardado) e o ato ou omissão contrário à norma é crucial para a (não) aplicação da pena ou para a determinação do seu quantum, na medida em que, contrariamente ao que o senso comum e até mesmo alguns teóricos acreditam e afirmam, não existe uma correlação necessária entre a doença mental e a conduta criminosa (HUNGRIA, 1955, v.1, p. 321-2).

A identificação do nexo de causalidade entre o ato praticado e a presença de um transtorno ou retardamento mental é de competência do perito psiquiatra a quem cabe, ainda, averiguar em que proporção o problema mental afetou a vontade ou a inteligência do agente, no momento do crime.

Vontade (faculdade volitiva) e discernimento ético-jurídico (faculdade intelectiva) são os dois requisitos psicológicos da responsabilidade criminal, que se funda na responsabilidade moral do agente do ato ilícito. O primeiro consiste no auto-controle, no domínio do próprio impulso, do próprio comportamento e o segundo é a compreensão de que o ato ou a omissão é incorreta. A autonomia da vontade, contudo, é entendida, na legislação penal em exame, como uma questão de ordem prática e não de cunho filosófico, de acordo com Francisco Campos (apud PIERANGELI, 2001, p. 406-7).

Darcy de Mendonça Uchôa e Luiz Pinto de Toledo (1944, p. 45) manifestando-se sobre o papel do “moderno perito forense” afirmam que tanto a

28 Duplo binário é o “[...] sistema que admite aplicar, cumulativa e sucessivamente, a pena e a medida

explicação moral, calcada numa suposta degeneração hereditária nos moldes lombrosianos, como a doutrina do livre-arbítrio são insuficientes para explicar a prática de certos delitos, o que leva à utilização de “conceitos de ordem social, para fundamentar o problema da responsabilidade,” consoante Ferri, o que também não satisfaz.

A decisão final acerca da (ir)responsabilização do agente, entretanto, cabe ao juiz criminal que pode, usando seu livre convencimento, acolher ou não o disposto no laudo pericial.

A realização da perícia, em caso de suspeita de transtorno mental é obrigatória, mas não o seu acolhimento pelo juízo (arts. 149 a 151 do Código de Processo Penal), que funciona como uma espécie de controle externo ao que Foerster denomina “[...] perigo funcional dos alienistas, sempre inclinados, em virtude da própria especialização, a lobrigar o patológico em qualquer reação mais forte ou aguda do psiquismo ou a exagerar a influência do morbus realmente existente.” (HUNGRIA, 1955, v.1, p. 325, grifos do autor).

Uma vez decidindo pela irresponsabilidade do agente, o juiz pode aplicar a correspondente medida de segurança.