• Nenhum resultado encontrado

A jurisprudência do STF após a audiência pública

Capítulo 4 – A função política do Judiciário e a possibilidade de diálogos

4.3 O direito à saúde no âmbito do STF entre o ativismo judicial e a possibilidade de

4.3.4 A jurisprudência do STF após a audiência pública

a) Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 175 do Ceará. Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado no dia 18/09/2009.

Trata-se de pedido de suspensão de tutela antecipada nº 175 em ação ajuizada pela União e do pedido de suspensão de tutela antecipada nº 178 ajuizado pelo Município de Fortaleza contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª região que determinou à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o fornecimento do medicamento ZAVESCA (miglustat) a uma jovem portadora de doença neurodegenerativa grave (NIEMANN-PICK TIPO C). Inicialmente, o pedido foi ajuizado pelo Ministério Público Federal (MPF), mas foi indeferido porque o juiz da 7ª vara da seção judiciária do Estado do Ceará entendeu que o Ministério Público não tinha legitimidade para propositura da ação, pelo fato de a autora não ser menor, não podendo o MPF substituir a Defensoria Pública. O Ministério Público Federal recorreu dessa

299 Para justificar esse entendimento, o Min. Gilmar Mendes faz referência à decisão proferida pela Corte

em julgamento anterior: “No RE 195.192-3/RS, a 2ª Turma deste Supremo Tribunal consignou o entendimento segundo o qual a responsabilidade pelas ações e serviços de saúde é da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse sentido, o acórdão restou assim ementado: ‘Saúde – aquisição e fornecimento de medicamentos – doença rara. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.’ (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro Marco Aurélio, DJ 22.02.2000).”

108 decisão e a primeira turma reconheceu a sua legitimidade para a propositura da demanda, antecipando os efeitos da tutela, determinando à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o fornecimento do medicamento ZAVESCA, que lhe pos- sibilitaria tanto o aumento de sobrevida, quanto uma melhor qualidade de vida, uma vez que sua família não tinha recursos para custear o tratamento.

Inconformada, a União recorreu da decisão que concedeu a antecipação de tutela e o caso chegou ao STF. A União trouxe as alegações de: a) ilegitimidade do Ministério Público para a propositura da ação; b) ilegitimidade passiva da União; c) ocorrência de grave lesão à ordem pública, uma vez que o medicamento não possuía registro na Anvisa; d) grave lesão à economia pública, face ao custo elevado do medicamento. O Município de Fortaleza trouxe as mesmas alegações em seu pedido de Suspensão de Tutela Antecipada.

O parecer do MPF afirmava que a demora na prestação do medicamento poderia gerar prejuízo à paciente que já se encontrava fazendo uso do referido fármaco. Na decisão, o Ministro Gilmar Mendes tratou inicialmente da possibilidade de suspensão da medida judicial. Em seguida, fez menção aos direitos sociais, ao analisar o artigo 196 da Constituição Federal, que trata do direito à saúde; lembrou a necessidade de que os medicamentos pleiteados constem de registro na Anvisa. Finalmente, afirmou que não conseguia vislumbrar perigo de lesão à ordem, à economia, à segurança pública e decidiu pela improcedência do pedido de suspensão de tutela antecipada.

b) Pedido de Suspensão da Liminar nº 548 do Rio Grande do Norte. Relator Ministro Carlos Ayres Britto, julgado no dia 03/08/2012.

Nesta ação, o Estado do Rio Grande do Norte apresentou pedido de suspensão dos efeitos de decisão proferida em sede liminar, deferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 2011.010360-9 e de acórdão prolatado na Apelação Cível nº 2009.012070-1.

O ente estatal aduz em seu pedido que o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública a fim de “compeli-lo, através de sua Secretaria de Saúde, ao fornecimento gratuito e por prazo indeterminado de medicamentos excepcionais de alto custo, em prol dos portadores de doenças raras atuais e futuros”. Tanto os usuários já cadastrados ou que venham a se cadastrar teriam direito, de forma contínua, ao referido

109 medicamento, destinado ao tratamento de doenças previstas nos Protocolos Clínicos do Ministério da Saúde.

Com decisão contrária ao pedido estatal, tanto no primeiro quanto no segundo grau de jurisdição, foi interposto recurso extraordinário, que foi sobrestado até que o STF decidisse a matéria, sob o rito da repercussão geral.

Neste intervalo de tempo, foi requerido pelo Ministério Público Estadual o cumprimento provisório da sentença e o sequestro de verbas públicas suficientes para o cumprimento da decisão, o que foi concedido em caráter liminar pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Em seu pedido, o requerente aponta a ocorrência de grave lesão à ordem, saúde e economia públicas; alega que deve ser observada a solidariedade dos entes estatais no cumprimento dessa decisão, devendo o custo dessa obrigação ser compartilhado entre os demais entes da federação. Aduz também que a ordem de sequestro de verbas públicas teria caráter genérico, por não se circunscrever aos medicamentos da competência do Estado.

Em sua decisão, o Ministro Carlos Ayres Britto afirma que “o pedido de suspensão de segurança é medida excepcional prestante à salvaguarda da ordem, da saúde, da segurança e da economia públicas contra perigo de lesão”, e afirma também “estar-se diante de matéria constitucional, uma vez que as decisões impugnadas tratam dos direitos fundamentais à vida e à saúde (caput do art. 5º, arts. 6º e 196). Competente, assim, este Supremo Tribunal Federal para a análise do pedido de suspensão”.

No mérito, o Ministro Carlos Ayres Britto indefere o pedido do ente estatal e faz referência às alegações trazidas pelo Ministério Público Federal, quando reconhece que a responsabilidade estatal é solidária e que o sequestro de verbas públicas está limitado, unicamente, à parcela devida para o cumprimento da obrigação do Estado. Ademais, alega também que os medicamentos pleiteados são os constantes do Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, cuja aquisição é de responsabilidade do requerente. Reconhece tratar-se de pessoas comprovadamente doentes e hipossuficientes e que a interrupção do tratamento pode ocasionar danos graves e irreparáveis à saúde e à vida de uma coletividade, reconhecendo a existência do perigo de dano inverso.

c) Pedido de Suspensão da Liminar nº 710 do Estado de Santa Catarina. Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado no dia 05/09/2013.

110 Foi apresentado, pela União, pedido para suspensão de liminar em decisão que determinou ao ente estatal o fornecimento do fármaco “Trastuzumabe” (Herceptin) a todas as pacientes acometidas de câncer de mama que apresentem tumores com superexpressão do receptor HER2, no Estado de Santa Catarina.

A União alega que a decisão impugnada coloca em risco a segurança social, por modificar os protocolos de tratamento do SUS em matéria oncológica, pois somente os Centros de Alta Complexidade em Oncologia – CACON detêm o privilégio de entrega de medicamentos para o tratamento dessa doença. Alega ainda ineficiência do fármaco para o tratamento, bem como a ofensa ao princípio da igualdade, pois somente as mulheres residentes no Estado de Santa Catarina teriam acesso ao referido medicamento, que não foi escolhido na formulação da política de saúde pública às massas.

Em sua decisão, o Ministro Joaquim Barbosa indefere o pedido de suspensão da liminar ao afirmar que o direito constitucional à saúde não pode se reduzir à oferta simbólica300, que a decisão quanto ao tratamento a ser seguido não cabe ao Estado e sim ao paciente e à equipe médica. Entende não haver risco à saúde pública no fornecimento do medicamento e que a União não demonstrou que o custeio do medicamento poderia inviabilizar outras ações, tão ou mais eficientes na área de saúde.