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A Legislação Brasileira e a Educação Infantil

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PRESSUPOSTOS LEGAIS: AVANÇOS E

1.2. A Legislação Brasileira e a Educação Infantil

Do ponto de vista legal, vale a pena enfatizar que o Estado Brasileiro assumiu inúmeros compromissos com as crianças por meio de importantes compromissos, leis e diretrizes.

A Constituição Federal, promulgada em 1988, por exemplo, determina, no artigo 208, Inciso IV, que é dever do Estado a “educação infantil, em creche e pré- escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade” (EMENDA CONSTITUCIONAL nº 53, de 2006); e no artigo 7°, Inciso XXV, que é direito da família “a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas” (EMENDA CONSTITUCIONAL nº 53, de 2006).

Vale, ainda, apresentar o art. 227, que assegura à criança uma série de direitos:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (EMENDA CONSTITUCIONAL nº 65, 2010).

Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é promulgado, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), importante instrumento legal que vem corroborar com os direitos já conquistados e avança no sentido da proteção integral e dos direitos sociais de crianças e adolescentes. O art. 16, item IV, declara o direito da criança de brincar, praticar esportes, divertir-se.

Em 1996, entra em cena a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96), que integra creches e pré-escolas no mesmo segmento – educação infantil – e mantém para ambas funções idênticas quanto ao cuidar e educar. Desta forma, a nova Lei significou um grande passo na superação da dicotomia existente entre os papeis desempenhados pelas duas instituições, visto que a creche trazia consigo como principal compromisso o cuidado/proteção da criança, enquanto a pré-escola representava o educar no sentido de preparar a criança para o processo de escolarização.

Sendo assim, situada ao lado da pré-escola, a creche passa a compor a primeira etapa da educação básica que, conforme disposições do Artigo 29, “têm como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. (BRASIL, 1996).

Do ponto de vista legal e, até mesmo, social, pode-se dizer que a referida integração foi um marco fundamental na história da educação infantil. Todavia, vale lembrar que a passagem da creche para o sistema de ensino não foi feita de forma

tranquila, pois, como bem situa Campos (1999), considerando a trajetória de cada segmento, havia tensão em ambas as secretarias. Conforme a autora,

Na área educacional, há uma resistência grande em acolher a creche como parte integrante da educação pré-escolar e uma rejeição às atividades de cuidado, consideradas “assistencialistas”; na área do serviço social, defende-se a competência acumulada sobre a gestão de equipamentos comunitários e sobre o atendimento de populações marginalizadas. (CAMPOS, 1999, p. 124).

Acredita-se que mudanças não sejam isentas de crises, mas que as dificuldades por elas geradas sejam acomodadas e superadas com as experiências, as vivências e o tempo.

Ainda no campo das conquistas, vale destacar alguns compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro com as crianças. É signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança (DECRETO 99.710/1990). Em 2000, os governos e entidades civis participantes do Fórum Mundial sobre Educação, em Dakar, comprometeram- se, entre outras coisas, a “estender e melhorar a proteção e a educação da primeira infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas” (FÓRUM MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO, 2000). Em 2003, foi aprovado, no CONANDA, o Plano de Ação Presidente Amigo da Criança (PPAC), com várias metas e, mais recentemente, em 2010, foi aprovado o Plano Nacional pela Primeira Infância (PNPI)

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Mais especificamente ao que se refere às práticas docentes destaca-se que, em 1998, é publicado e distribuído por todo país o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), organizado em três volumes: Introdução, Formação Pessoal e Social, e Conhecimento de Mundo - um documento, sem dúvida, importante para um segmento que estava totalmente descoberto e carente de subsídios teóricos e práticos. Entretanto, algo que deveria ser uma referência foi utilizado quase que como cartilha em boa parte do país. As secretarias municipais de educação, em larga escala, adotaram o mencionado Referencial como guia prático; contudo, sem formar profissionais e sem considerar as particularidades de cada região e realidade.

No ano seguinte, o CNE publicou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), reformulada em 2009 por meio da Resolução CNE/CEB 5/09. As DCNEI, que possuem caráter mandatório, determinam, em seu artigo 4º:

As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Por outro lado, o artigo 9º evidencia que os eixos norteadores das práticas pedagógicas devem ser as interações e as brincadeiras, garantindo-lhes as mais diversas experiências, as quais estão descritas nos 12 itens que compõem o artigo, tais como interação com as professoras, com as outras crianças, com os brinquedos e materiais, com o ambiente etc.

Salienta-se, também, a relevância dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006) que, no concernente à Política Nacional, estabelece, como uma de suas diretrizes, a “indissociabilidade entre cuidado e educação no atendimento às crianças” (BRASIL, 2006, v.2, p. 28). Assim sendo,

Os professores e os demais profissionais que atuam nessas instituições devem valorizar igualmente atividades de alimentação, leitura de histórias, troca de fraldas, desenho, música, banho, jogos coletivos, brincadeiras, sono, descanso, entre outras tantas propostas realizadas cotidianamente com as crianças. (BRASIL, 2006, v.2, p. 28).

Este é um ponto chave a ser considerado na pesquisa empírica, uma vez que pode ser observada uma hierarquia de valores nas atividades desenvolvidas nas creches, sendo que aquelas relacionadas ao corpo são consideradas menos importantes que as cognitivas.

[...] As crianças precisam ser apoiadas em suas iniciativas espontâneas e incentivadas a:

. Brincar;

. Movimentar-se em espaços amplos e ao ar livre; . Expressar sentimentos e pensamentos;

. Desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de expressão. (BRASIL, 2006, v.1, p. 19).

Quanto ao tema profissionalização, o mesmo documento expressa que

Os profissionais que atuam diretamente com as crianças nas instituições de Educação Infantil são professoras e professores de educação infantil. A habilitação exigida para atuar na educação infantil é em nível superior, pedagogia [...], admitindo-se, como formação mínima, a modalidade normal, em nível médio. (BRASIL, 2006, v.2, p. 38).

Esta é outra questão importante a ser observada e discutida na análise da pesquisa de campo, tendo em vista que, no município em tela, as profissionais que atuam diretamente com as crianças não têm a habilitação mínima exigida no documento supracitado.

Por fim, é fundamental destacar a mais recente publicação do MEC – Brinquedos e brincadeiras nas creches: manual de orientação pedagógica – no que se refere à formação em serviço das profissionais de creches.

Trata-se de um documento técnico com a finalidade de orientar professoras, educadoras e gestores na seleção, organização e uso de brinquedos, materiais e brincadeiras para creches, apontando formas de organizar espaço, tipos de atividades, conteúdos, diversidade de materiais que no conjunto constroem valores para uma educação infantil de qualidade. (BRASIL, 2012, p. 5).

Além de ser um importante material de estudo, a referida publicação é, ao mesmo tempo, subsídio para a elaboração dos planos de trabalho com os pequenininhos da creche. O documento indica a brincadeira como fio condutor do trabalho na instituição, ou seja, todas as atividades devem ser permeadas por

brincadeiras, por compreender que, dessa forma, o desenvolvimento da criança ocorre de forma mais agradável, prazerosa, estimulante, desafiadora, oportunizando à criança mais alegria, segurança e autonomia.

Vale salientar que esses avanços refletem a conjuntura nacional e as lutas nela travadas. Por exemplo, as conquistas obtidas na Constituição Federal, no que tange ao atendimento em creche como direito da criança e da família, é fruto da luta das mulheres (mães, feministas, trabalhadoras, sindicalistas, militantes) que reivindicavam um espaço de qualidade para deixar seus filhos enquanto trabalhavam, estudavam, militavam, ou seja, a creche passou a ser reivindicada como um direito de todas as mulheres e crianças, e não mais como uma instituição de guarda, um paliativo.

Nessa mesma linha de considerações, pode-se citar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), oriundo de discussões travadas nos movimentos pré- constituintes, no Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA), na Pastoral e em outras organizações que atuam na Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente, assim como na LDB, marcada por intensos debates ocorridos tanto no parlamento quanto nos sindicatos das categorias que representam o magistério.

É importante salientar que as Diretrizes Curriculares Nacionais, os Referenciais Curriculares, o Plano Nacional de Educação e, mais recentemente, a Conferência Nacional de Educação (CONAE) concretizaram-se por força de pressão de intelectuais, estudiosos, ONGs e sindicatos que, em seus encontros e congressos, passaram a reivindicar compromissos públicos do Estado Brasileiro.

Diante do exposto, constata-se que, do ponto de vista legal, o Brasil avançou muito nas últimas décadas no que se refere aos direitos da criança e, mais especificamente, aos direitos à educação da criança pequena. Entretanto, olhando a prática, percebe-se que, após 18 anos da nova LDB Nº 9.394/96, as creches, de modo geral, compõem o sistema de ensino, mas inúmeros problemas continuam sem solução, tais como: demanda reprimida; ausência de planos de trabalho; não

regulamentação do funcionamento; cuidar e educar dicotomizados; escolarização precoce; currículos conteudistas; e professores leigos.

Sobre essa falta de solução, Cerizara a justifica em função de sua vinculação direta com o universo feminino que é tradicionalmente desvalorizado em relação ao masculino, tido como racional. Segundo a autora, a ambiguidade permeia o papel da profissional da creche, visto que o seu local de trabalho transita entre o espaço público e o privado. Assim, ela ora exerce a função de professora, ora a de maternagem (CERIZARA, 2002, p. 25).

Destarte, não obstante os avanços conquistados na legislação e, também, no atendimento às crianças, que são extremamente relevantes e importantes e revelam o empenho e a luta de muitos em prol da causa, é importante situar que, entre o legal e o real, não são raras as contradições e, portanto, ainda há muito que se caminhar para que, de fato, a creche seja compreendida como uma instituição educativa e de direito das crianças e de suas famílias.