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CAPÍTULO 1. QUE CONTEÚDO JURÍDICO É ATRIBUÍDO À IDEIA DE

1.3. ADC 19 e ADI 4424

1.3.2. A Lei 11.340/2006 e sua função afirmativa

Ao colocar a questão da igualdade como central na discussão acerca da constitucionalidade da representação nos casos submetidos à regência da “Lei Maria da Penha”, o Min. Marco Aurélio assume como pressuposto a necessidade de tratamento desigual dos gêneros e o dever brasileiro assumido na ordem internacional de resguardar a

“construção de um ambiente onde haja real igualdade entre os gêneros” 45.

43 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10 (6 minutos e seguintes).

44 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10 ( 11:30 minutos e seguintes).

45 “No caso presente, não bastasse a situação de notória desigualdade considerada a mulher, aspecto suficiente a legitimar o necessário tratamento desigual, tem-se como base para assim se proceder a dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III -, o direito fundamental de igualdade – artigo 5º, inciso I – e a previsão pedagógica segundo a qual a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais – artigo 5º, inciso XLI./ A legislação ordinária protetiva está em fina sintonia com a Convenção sobre a Eliminação

Ele aponta para a consagração de uma “consciência constitucional sobre a diferença” pós-88 destinada à “especificação dos sujeitos de direito” e à legitimação de discriminações positivas tendentes a mitigar a relação entre estabelecidos e outsiders46.

A Lei 11.340/2006 surge nesse cenário com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, por meio da introdução de mecanismos conducentes à

“igual consideração e respeito” para desenvolvimento da identidade do gênero feminino47 e realização do dever estatal de proteção (art. 226, § 8º, da CF)48. Para a Ministra Rosa Weber49, a Lei Maria da Penha inaugurou, dessa forma, uma nova fase no iter de implementação das ações afirmativas, de acordo com o comando constitucional inserto no art. 5º, I, da CF50.

Para o Min. Ricardo Lewandowski, a Lei Maria da Penha, mais do que simples diploma normativo, representa um conjunto de verdadeiras ações afirmativas que visam atenuar gravíssimas distorções históricas atinentes ao gênero51. Também o Min. Ayres Britto52 concebe a Lei 11.340/2206 como ação afirmativa53 que, com o advento do constitucionalismo fraternal, encara a fraternidade como categoria jurídica responsável pela eliminação de toda e qualquer forma de preconceito (conceito imposto à realidade) e pela promoção da respeitosa convivência dos contrários, pressuposto de uma sociedade pluralista.

Nesse sentido, afirma que a Lei Maria da Penha “se revela um mecanismo de concreção dessa tutela especial conferida pela Constituição ao segmento das mulheres e deve ser interpretada generosamente [...] para planificar, robustecer, vitalizar, os comandos constitucionais” 54.

de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, no que revela a exigência de os Estados adotarem medidas especiais destinadas a acelerar o processo de construção de um ambiente onde haja real igualdade entre os gêneros. Há também de se ressaltar a harmonia dos preceitos com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do Pará -, no que mostra ser a violência contra a mulher uma ofensa a direitos humanos e a consequência de relações de poder historicamente desiguais entre os sexos”. (MELLO, M.A., 2012a, p. 11)

46 “Não se pode olvidar, na atualidade, uma consciência constitucional sobre a diferença e sobre a especificação dos sujeitos de direito, o que traz legitimação às discriminações positivas voltadas a atender as peculiaridades de grupos menos favorecidos e a compensar desigualdades de fato, decorrentes da cristalização cultural do preconceito. Alfim, é vedado aplicar a norma de forma a revestir a ‘surra doméstica’ de aparências de legalidade ou de tolerância – ‘A Lei Maria da Penha’, Eliana Calmon, Revista Justiça & Cidadania, 10 ed., junho de 2009”.

(MELLO, M.A., 2012a, p. 13)

47 “Representa a Lei Maria da Penha elevada expressão da busca das mulheres brasileiras por igual consideração e respeito. Protege a dignidade da mulher, nos múltiplos aspectos, não somente como um atributo inato, mas como fruto da construção realmente livre da própria personalidade. Contribui com passos largos no contínuo caminhar destinado a assegurar condições mínimas para o amplo desenvolvimento da identidade do gênero feminino”. (MELLO, M.A., 2012a, p. 14)

48 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

49 O gabinete da Min. Rosa Weber não disponibilizou o voto escrito proferido no julgamento da ADC 19 e da ADI 4424. Por essa razão, as informações a que se faz referência foram obtidas diretamente da rede mundial de computadores, por meio do canal da TV Justiça no youtube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10 (20 minutos e seguintes).

50 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

51 “Esta lei [...], longe de ser anti-isonômica, ela procurar superar a visão que se tinha [...] de uma igualdade meramente formal, dando concreção a uma igualdade material. Aliás, é uma visão que vem desde Aristóteles”. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10h (39 minutos).

52 O voto proferido pelo Min. Ayres Britto tem como referência o pronunciamento obtido através do canal da TV Justiça no youtube.

Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-NfNDu1-MqY> Acesso em 1º.10.2013, 22:41 (0 minutos e seguintes)

53“Eu tenho equacionado esse tipo de proteção às mulheres [...] na perspectiva das ações afirmativas”. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=-NfNDu1-MqY> Acesso em 1º.10.2013, 22:41 (1 minuto)

54 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-NfNDu1-MqY> Acesso em 1º.10.2013, 22:41 (4 minutos)

Ainda sobre a função exercida pela Lei 11.340/2006, o Min. Cezar Peluso55 consigna que o referido texto normativo possui inúmeros dispositivos que aplicam o princípio da igualdade considerando a situação manifesta de vulnerabilidade da mulher56.

Bem por isso, é que o Min. Marco Aurélio assevera que o alcance linear e constitucional do disposto no art. 41 da Lei 11.340/200657 está de conformidade com a máxima da igualdade de Rui Barbosa, segundo a qual: “A regra da igualdade, não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam. Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”58.

Para a Min. Cármen Lúcia, a função do constitucionalismo contemporâneo estaria, justamente, em afirmar a diferença para a garantia de direitos efetivos e em ressaltar que o processo de igualação não conduz a uma igualdade entre os sujeitos, mas sim à sua especificação. Por isso, a importância fundante, do ponto de vista social e político, da Lei Maria da Penha, que assegura a igualdade na diferença, no que diz respeito à questão específica do gênero, a fim de que, superada a indiferença às diferenças, o diferente não se torne igual, porque, fundamentalmente, ele não o é59. Em suas palavras:

“Não de dignidade da mulher, mas para romper as indignidades que de todas as formas são tantas vezes cometidas que esta lei [...] tem uma importância fundamental para uma sociedade que tem a maioria hoje [...] composta por mulheres, mas de respeito integral ao que põe a constituição brasileira especificamente no seu artigo 5º. A igualdade é [...], desde sempre, tratar com desigualdade aqueles que se desigualam e que no nosso caso, não é que nós nos desigualamos, fomos desigualadas por condições sociais e estruturas de poder que nos massacraram séculos a fio. Eu me ponho inteiramente de acordo pela procedência da ação. É como voto” 60.

Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes61 assenta que o princípio da igualdade, embora contenha uma clara proibição de discriminação, impõe ao legislador um dever de

55 O voto proferido pelo Min. Cezar Peluso tem como referência o pronunciamento obtido através do canal da TV Justiça no youtube.

Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=k0aTcWXCRM0>. Acesso em: 1º.10.2013, 23:44h (11 minutos e seguintes)

56 “A Lei chamada Maria da Penha representou, na verdade uma estratégia normativa [...] para, antes de ofender, aplicar, na prática, o princípio da igualdade, sobretudo numa situação em que a vulnerabilidade da mulher é manifesta e que, por isso mesmo, pediria como pediu a intervenção do ordenamento jurídico a seu favor.” Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=k0aTcWXCRM0>. Acesso em:

1º.10.2013, 23:44h (11 minutos)

57 Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995.

58 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10h (6 minutos e seguintes).

59 “Isto tudo vai contra o que é o constitucionalismo contemporâneo, que no processo de igualação, funciona no sentido de superar a indiferença às diferenças. Não é possível continuar fazendo políticas, e ditas políticas públicas, como se não se tivesse de especificar a condição do sujeito [...] O direito se encaminha para especificar o sujeito e as condições do sujeito”. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10h (37 minutos).

60 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=t55l14qFRhU>. Acesso em: 1º.10.2013, 20:10h (37 minutos).

61 O gabinete do Min. Gilmar Mendes disponibilizou o voto escrito proferido no julgamento da ADC 19 e da ADI 4424.

prestação positiva62 – de proteção – em prol daqueles que configurem não estabelecidos numa relação insiders/outsiders, por ocasião de diferenças marcantes em suas posições sociais, ou em suas perspectivas políticas de afirmação.