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4 AS INCURSÕES POLÍTICAS

4.2 A LEI 13.123/15 SOB O OLHAR CRÍTICO DO PROTOCOLO DE

A Lei 13.123, de 2015 ao dar maior amplitude à expressão “patrimônio genético” no artigo 2º, inciso I, como sendo a “informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres vivos”, passa a ter uma conotação distinta da prevista na CDB.

A Convenção entende os recursos genéticos como uma parte dos recursos biológicos (que é uma das componentes da biodiversidade) definidos como “material genético de valor real ou potencial”. O material genético, por outro lado, é tido como “material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades funcionais de hereditariedade”.395

394 INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. O Protocolo de Nagoya e a divisão equitativa dos

recursos genéticos mundiais. Entrevista especial com Bráulio Dias. Disponível em:

<http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/534587-o-protocolo-de-nagoya-e-a-divisao-equitativa-dos- recursos-geneticos-mundiais-entrevista-especial-com-braulio-dias>. Acesso em: 18 mar 2016.

395 SILVA, Leandro Moura da. Marco regulatório da biodiversidade: o nascimento de um modelo

internacional ou de um perigoso precedente? Disponível em: <

https://jus.com.br/artigos/40139/marco-regulatorio-da-biodiversidade-o-nascimento-de-um-modelo- internacional-ou-de-um-perigoso-precedente>. Acesso em: 20 jan 2016.

Em verdade, trata-se de matéria muito complexa, pois na União Europeia existem inúmeras diretivas (mais de 10) tentando disciplinar o “material reprodutivo” (que abrange as sementes e material de multiplicação vegetal). Já o “patrimônio genético” da nova Lei, engloba todo bem do povo em condição in situ ainda que

conservado ex situ e as populações espontâneas, sendo muito mais amplo.396

Contudo, importa destacar que o Protocolo estabelece um padrão mínimo, e a legislação nacional de cada país dará os ditames específicos, ou seja, os requisitos e procedimentos de ABS podem variar, pois dependerá do objetivo e abordagem de cada Parte, bem como dos sistemas jurídicos e políticos do respectivo país.397

A Lei 13.123, de 2015 criou a figura jurídica das “populações espontâneas”, definida como “população de espécies introduzidas no território nacional, ainda que domesticadas, capazes de se autoperpetuarem naturalmente nos ecossistemas e habitats brasileiros”398, conforme artigo 2º, inciso XXVIII. Ao referir “introduzidas”,

reporta-se às espécies não originárias do país. Logo, uma espécie animal, vegetal ou microbiana, mesmo exótica e não nativa, que tenha a capacidade de se autoperpetuar em território nacional passa, automaticamente, a fazer parte do patrimônio genético brasileiro, ainda que domesticada por outros povos ou introduzida ilegalmente (por contrabando, por exemplo).399

Tal questão deve ser lida em consonância ao tema já destacado do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Agricultura e Alimentação (TIRFAA) no âmbito da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O Brasil, visando se proteger, acrescentou o parágrafo único no artigo 46 da Lei 13.123, de 2015 que assevera que “a repartição de benefícios prevista no Protocolo de Nagoia não se aplica à exploração econômica, para fins de atividade

396 SILVA, Leandro Moura da. Marco regulatório da biodiversidade: o nascimento de um modelo

internacional ou de um perigoso precedente? Disponível em: <

https://jus.com.br/artigos/40139/marco-regulatorio-da-biodiversidade-o-nascimento-de-um-modelo- internacional-ou-de-um-perigoso-precedente>. Acesso em: 20 jan 2016.

397 UNION FOR ETHICAL BIOTRADE. Perguntas frequentes sobre o Protocolo de Nagoya em

relação a ABS. Disponível em: <http://ethicalbiotrade.org/dl/benefit- sharing/UEBT_ABS_FAQ_POR_2014.pdf>Acesso em: 18 mar 2016.

398 BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Lei da

Biodiversidade. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13123.htm>. Acesso em: 30 mai 2015.

399 SILVA, Leandro Moura da. Marco regulatório da biodiversidade: o nascimento de um modelo

internacional ou de um perigoso precedente? Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/40139/marco- regulatorio-da-biodiversidade-o-nascimento-de-um-modelo-internacional-ou-de-um-perigoso-

agrícola, de material reprodutivo de espécies introduzidas no País pela ação humana até a entrada em vigor desse Tratado”.400

Com tal dispositivo, o Brasil se permite nacionalizar a quase totalidade das espécies exóticas presentes no país e excluir do regime jurídico de repartição de benefícios contido no Protocolo de Nagoia aquelas espécies de interesse agrícola provenientes de outros países, como parte da concessão aos empresários do agronegócio que manifestavam preocupação quanto à possibilidade de terem que pagar royalties pela exploração de variedades não originárias do país (e fora do âmbito do TIRFAA), como, por exemplo, a soja (de origem asiática).401

Dessa forma, o Brasil lança os recursos genéticos de espécies agrícolas não abrangidos pelo TIRFAA no terreno da incerteza jurídica, no nível internacional, sobretudo no tocante ao sistema de justa e equitativa repartição de benefícios.

Certamente o Protocolo fez o Brasil aprimorar sua legislação, de modo que os requisitos da legislação nacional sobre ABS estão em conformidade com as disposições do Protocolo. A lógica do sistema está lastrada em princípios de comando e controle desde 2001, tendo havido uma evolução significativa no setor, pois a experiência de praticamente quinze anos foi capaz de reorientar seu regime doméstico de ABS de comando e controle para incentivar a cooperação na pesquisa, no Brasil e com parceiros internacionais, principalmente com o advento da Lei 13.123, de 2015.402

A legislação internacional requereu a implementação de um sistema de gestão de patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais associados. Também alertou o país para que analisasse seu sistema de patentes de acordo com as necessidades atuais, sem deixar de incentivar a pesquisa desenvolvimento e inovação (PD&I).403 Contudo, vale destacar que não há decreto que regulamente a

Lei 13.123, de 2015. Na citada legislação, o Estado reconhece o direito de povos e

400 SILVA, Leandro Moura da. Marco regulatório da biodiversidade: o nascimento de um modelo

internacional ou de um perigoso precedente? Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/40139/marco- regulatorio-da-biodiversidade-o-nascimento-de-um-modelo-internacional-ou-de-um-perigoso-

precedente>. Acesso em: 20 jan 2016.

401 Ibidem.

402 DA SILVA, Manoela. Legislação de acesso ao patrimônio genético: a atual, a nova e o impacto

sobre as atividades das coleções biológicas. Disponível em:

https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/manuela_da_silva2.pdf. Acesso em:10 mar 2016.

403 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo de Protocolo de Nagoia: Internalização no âmbito do CGEN

e o papel da saúde. Disponível em:

comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares, de participar da tomada de decisões, no âmbito nacional, quanto a temas voltados à conservação e ao uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do País.404

Porém, verifica-se que diversos direitos dessas minorias dependem da regulamentação do novo marco legal, assim como inúmeras lacunas são identificadas na Lei, como por exemplo: questões quanto ao conhecimento tradicional de origem não identificável, consentimento prévio informado, acesso e uso do conhecimento tradicional em fontes secundárias, cadastro, etc. Como referida legislação atinge inúmeros setores da sociedade brasileira, por vezes com interesses antagônicos, a mesma continua em análise e vem sendo debatida.405

Do mesmo modo, o fato do Brasil ter assinado e não ratificado o Protocolo, mesmo estando nosso país na vanguarda das legislações sobre biodiversidade, fica excluído dos debates e deliberações internacionais, remanescendo como mero observador, como já destacado. As discussões sobre temas correlatos como a citada apresentação da Federação Mundial de Coleções de Cultura (WFCC) na COP-MOP 1 sobre sistema de rastreabilidade e monitoramento para a utilização dos recursos genéticos microbianos, têm ocorrido, mas o Brasil se encontra fora desse diálogo, sendo prejudicial.406

4.3 A proteção jurídica da biodiversidade brasileira: uma necessidade a ser