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2. AS AÇÕES COERCITIVAS IMPOSTAS AOS ESTUDANTES PELOS ÓRGÃOS

2.1 A Lei Suplicy de Lacerda ─ Lei nº 4.464, de 09 de Novembro de 1964

A mais radical das leis criadas com o intuito de se conter as ações do ME foi a Lei Suplicy de Lacerda, de 09 de novembro de 1964.

O professor Flávio Suplicy de Lacerda, o primeiro ministro da Educação dos regimes militares, consegue, para o espanto de algumas lideranças estudantis, em 27 de outubro de 1964, a aprovação do Congresso para a criação de novas entidades estudantis que deveriam substituir as entidades em vigor. Altino Dantas, presidente da UNE, de julho de 1965 a julho de 1966, refere-se a essa votação nestes termos:

Como curiosidade podemos relatar que antes da votação no Congresso Nacional, da “lei Suplicy” comissões de estudantes conversaram com quase todos os deputados, ficando com a nítida impressão de que a lei não seria aprovada, pois os parlamentares eram unânimes em prometer aos estudantes votarem contra. Ela foi aprovada por nove votos de vantagem. Começávamos a aprender como de fato funcionava uma ditadura65.

Com a nova Lei, extinguiram-se a UNE e as UEEs, entidades do ME Universitário. A UNE deu lugar ao Diretório Nacional dos Estudantes ─ DNE ─ sediado na Capital Federal e que só poderia reunir-se, ordinariamente, em período de férias escolares, na capital federal, ou, extraordinariamente, em qualquer época do ano ─ por motivos justificados pela maioria de seus membros, do Ministério de Educação e Cultura ou do

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SANTOS, Nilton (org.). História da UNE. Volume 1: depoimentos de ex-dirigentes. São Paulo: Livramento, 1980, p. 32.

Conselho Federal de Educação ─ em lugar previamente designado. As UEEs deram lugar ao Diretório Estadual de Estudantes ─ DEE ─ em cada capital de Estado, território e Distrito Federal.66 Acerca das restrições ao ME, trazidas pela lei 4.464, e de seus efeitos práticos, vejamos Poerner67:

Para acabar com a participação política dos estudantes, a Lei procurou destruir a autonomia e a representatividade do movimento, deformando as entidades estudantis, em todos os escalões, ao transformá-las em meros apêndices do Ministério da Educação, dele dependentes em verbas e orientação. Pelo documento, a UNE era substituída pelo Diretório Nacional dos Estudantes e as Uniões estaduais pelos Diretórios Estaduais (DEEs). Impedia-se, além disso, através de restrições as mais variadas, o livre curso do diálogo entre os Diretórios Acadêmicos e os alunos.

Ao atacar o direito de autonomia dos estudantes, o regime ditatorial tentava atrelar o ME aos seus rígidos mecanismos de controle. Isso fará com que a ampla maioria dos estudantes de todo Brasil, por intermédio de plebiscitos promovidos sobre essas mudanças, rechace com veemência tal atitude.

No seu artigo 14, Lei Suplicy regulamentava: “é vedada aos órgãos de representação estudantil qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”68. Era a total separação entre estudantes e política, na qual esses ficaram politicamente algemados e amordaçados. Agora, suas reivindicações deixavam de ser pontos de uma luta social para serem considerados crimes contra a pátria. De indivíduos que sonhavam com uma democracia plena, os estudantes, numa canetada, passaram a criminosos.

É muito importante destacar que a Lei 4.464 não se limitou a restringir as atividades estudantis apenas na esfera universitária. As entidades que representavam os estudantes

66 Lei nº 4.464, de 09 de novembro de 1964. Artigo 1º, § 3º, apud SANFELICE, José Luis. Movimento

Estudantil: a UNE na Resistência ao Golpe de 64. São Paulo, Cortez, 1986, p. 206.

67

Ibid, p. 242.

68

Lei nº 4.464 ─ 09 de novembro de 1964, apud SANFELICE, José Luis. Movimento Estudantil: a UNE na Resistência ao Golpe de 64. São Paulo, Cortez, 1986, p. 206.

secundaristas, na quais Gildo Macedo Lacerda começa sua militância política, também sofreram restrições. Foram extintas a União Brasileira de Estudantes (UBEs) e as entidades estaduais, que variavam o nome conforme o Estado. Vejamos como a Lei se posicionava em relação a essa questão:

Nos estabelecimentos de ensino de grau médio, somente poderão constituir-se grêmios com finalidade cívica, culturais, sociais e desportivas, cuja atividade se restringirá aos limites estabelecidos no regimento escolar, devendo ser sempre assistida por um professor.69

Sabia-se que a movimentação estudantil na esfera secundária funcionava como uma espécie de “divisão de base” para o ME universitário, uma vez que importantes líderes estudantis tinham sua origem ligadas às entidades secundaristas. Daí a preocupação da Lei com o poder de articulação desses estudantes.

Entretanto, os idealizadores dessa Lei e, sobretudo, seu ideólogo-mor não suspeitaram que tamanha repressão aos estudantes seria o principal componente aglutinador que faltava para que o ME, que passava por uma fase de reorganização, tivesse seu processo de reestruturação acelerado. Segundo Poerner70, Num plebiscito nacional patrocinado pela UNE, 92,5% dos estudantes universitários de todo País repudiaram tal Lei.

Em Uberaba ─ cidade mineira, onde, nesse momento, Gildo Macedo Lacerda é um importante líder do ME secundarista ─ o palco principal encontrado pelos estudantes que não concordavam com a lei Suplicy de Lacerda foi o III Conselho da União Estadual Estudantil de Minas Gerais (UEE/MG), que, no ano de 1965, foi sediado nessa cidade. No Relatório Anual do DCE-gestão 65/66, na página cinco, item III71, lê-se:

Seu ponto alto [do III Conselho da UEE] foi o repúdio à lei Suplicy. Os estudantes foram unânimes em proclamar a sua revolta contra tal lei. Foi com o espírito

69 Idem, p. 207. 70 Ibid, p. 273. 71

voltado pela a libertação do movimento estudantil, que a bancada de Minas se preparou e se organizou neste Conselho para a participação no Congresso da UNE.72

Em 1965, Gildo Macedo Lacerda, então estudante secundarista do Colégio Dr. José Ferreira, onde era presidente do Grêmio Estudantil Machado de Assis, juntamente com outros estudantes, mobilizou-se em torno dos protestos contra a Lei Suplicy de Lacerda, reverberando os anseios da classe estudantil de todo o País.

No entanto, o momento histórico vivido pelos brasileiros em geral ─ e pelos estudantes, em específico ─ não era de se sensibilizar por manifestações de repúdio, uma vez que a ditadura era franca e aberta. Logo, essas mesmas manifestações não seriam ouvidas. Além disso, já estava em curso um plano muito maior ─ no qual a Lei Suplicy de Lacerda era apenas parte do processo ─ tornar o sistema universitário brasileiro totalmente dependente de um outro centro geopolítico exterior. Nesse modelo de interpretação, é possível assegurar que as medidas institucionalizadas pela Lei 4.464 serviam como uma espécie de “preparação de terreno” para que os Acordos MEC-USAID pudessem florescer de maneira segura.

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O documento não deixa claro, mas tudo indica que o referido congresso tenha sido o XXVIII Congresso Nacional da UNE, realizado em julho de 1966, no convento dos franciscanos, em Belo Horizonte, onde foi eleito o mineiro José Luís Moreira Guedes, da AP, para a presidência da entidade. Vale ainda salientar que esse foi o primeiro congresso totalmente clandestino realizado pela UNE.