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PARTE II – LIDAR COM A DOENÇA PEDIÁTRICA

2. A LITERACIA, A SOCIEDADE E A CULTURA

2.2. A leitura como estratégia de coping

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto de mecanismos e estratégias intrínsecas a cada pessoa, na adaptação e enfrentamento de circunstâncias e experiências adversas ao seu bem-estar.

O coping poderá ser encarado de acordo com o conhecimento e comportamento de cada pessoa, de forma a encontrar equilíbrio físico e emocional para vivenciar uma fase menos positiva da vida de cada um. “Para que o processo de coping tenha resultados positivos de adaptação e bom controlo da situação, é necessário que a pessoa identifique as estratégias de coping mais efetivas para a circunstância” (Peixoto, M. [at all], 2009, p. 89). A forma como cada pessoa lida com uma experiência e o seu otimismo, promove uma melhor adaptação à situação, com um importante papel na gestão do stress e da frustração.

A procura de estratégias de coping por cada pessoa, quando experiencia uma situação de crise, seja ela de que âmbito for, é elevada. No caso desta experiência de crise estar relacionada com um processo de doença, ainda mais na vertente crónica, as famílias da pessoa doente assumem essa fase como uma experiência negativa, com sentimentos e reações, como por exemplo, ansiedade, tristeza, medo e raiva.

A vulnerabilidade e a resiliência aos fatores potenciadores de stress para a família à luz de Peixoto, M. [at all], (2009), traduzem a capacidade que esta tem para se adaptar ao novo processo de vida, dependendo de fatores psicossociais. As estratégias de coping destas famílias, vão também, depender da personalidade de cada familiar, do seu comportamento, conhecimento e habilidades e das suas experiências e vivências anteriores. A própria sobrecarga de cuidados, bem como, os problemas físicos, emocionais, sociais, e mesmo financeiros, aliada à incerteza do futuro, propiciam a que esta fase seja percebida como uma ameaça ou prejuízo, para as suas capacidades de resposta e superação.

Para Peixoto, M. [at all], (2009, p. 90), “as famílias com mais probabilidade de adaptação são aquelas que apresentam um número reduzido de causas de stresse em simultâneo, que têm grande capacidade de funcionamento e comunicação, facilidade de adequação,

encaram as situações numa perspetiva positivista, entendendo que se vão orientar capazmente pois conseguem desenvolver eficazes estratégias de coping”.

Uma das estratégias ou terapias, encaradas como coadjuvantes no tratamento de pessoas que experienciam um processo de doença, seja a própria pessoa doente, como os elementos seus cuidadores, é a biblioterapia.

A biblioterapia “existe desde a Antiguidade. O seu uso no início, realizava-se através da leitura de histórias que entretinham qualquer tipo de pessoa, procurando ocupar o tempo ocioso. Até que um dia, esse uso foi identificado como instrumento terapêutico, passando a ser empregado em diversos lugares até aos dias atuais. A partir do século XX, as práticas biblioterapeutas começaram a ser desenvolvidas, inicialmente nos EUA, a partir dos profissionais das bibliotecas hospitalares, começando a despertar o interesse e a curiosidade dos profissionais da área” (Almeida, G., 2011, p. 2).

Com a massificação da comunicação, diversas áreas, incluindo a da leitura, o próprio conceito de leitura foi orientado em diversas direções. Atualmente, esta terapia tem sido utilizada em hospitais, lares, escolas e prisões, por exemplo, no tratamento de problemas psicológicos ou em doentes crónicos. Como metodologia terapêutica, o investimento investigacional e académico ao nível dos efeitos da biblioterapia, tem sido crescente.

Esta terapia tem já comprovado, os seguintes objetivos: “permitir ao indivíduo que considere soluções alternativas para o seu problema; auxiliar o leitor a fazer um paralelismo entre as suas emoções e as emoções dos outros; proporcionar informações necessárias para a solução dos problemas e para a gestão emocional; encorajar o leitor a encarar a sua existência de forma realista e permitindo assim a mudança de comportamentos; estimular a libertação de sentimentos; criar a oportunidade de sentir experiências sem que o leitor tenha de as vivenciar na realidade; aceder à informação sob diferentes pontos de vista; clarificar alguns problemas que possam ser difíceis para o leitor; desenvolver atitudes sociais desejáveis e, por fim, adquirir novos conhecimentos pessoais e profissionais” (Andrade, 2018, p. 24).

Uma tese de doutoramento, publicada em 2009, afirma que “a leitura, segundo a abordagem cognitivo-comportamental, permite verificar com eficácia a terapia através do livro por patologias atribuídas. Após a análise quantitativa (…) a biblioterapia seguida em consulta psicológica ou em medicina geral é um coadjuvante para o melhoramento de perturbações e do comportamento” (Andrade, 2018, p. 24). Nesta perspetiva, o hábito literário poderá ser integrado num regime terapêutico, auxiliando a pessoa na aquisição de ferramentas de coping necessárias para vivenciar um processo de doença.

No caso da vida das famílias, esta está repleta de momentos mais e menos favoráveis e felizes. Em qualquer fase, a família sustenta-se na base de um equilíbrio em constante interação com o meio. De todas as situações que possam afetar a sua estabilidade e o seu bem-estar, o surgir de uma doença crónica, ainda mais numa criança, acarreta uma série de alterações no seu seio e dinâmica com repercussões que, só com estratégias de coping, adaptativas e positivas de superação, individuais e coletivas, é possível ser ultrapassado.

Como já referido no presente trabalho, a tendência para o aumento das doenças crónicas, também na vertente pediátrica, constitui um fator potenciador para a destabilização de qualquer harmonia familiar, acarretando alterações a vários níveis, tanto no seio familiar como em qualquer um dos seus elementos. Um coping eficaz irá reduzir os momentos de conflito e de stress e é aqui que é essencial o contributo do enfermeiro que deverá assumir um papel ativo e interativo com todos os elementos da família cuidadora, de modo a facilitar o processo de adaptação e vivência. “O profissional de saúde, em conjunto com a família, deve reconhecer os problemas e delinear um plano de intervenções que dê resposta às necessidades de todo o grupo familiar” (Peixoto, M. [at all], 2009, p. 90).

A disciplina de Enfermagem, já no século XX, tinha “(…) por base os conceitos de saúde e pessoa incluindo nesta a família e a comunidade, ambiente e o cuidar. A disciplina de Enfermagem interessa-se pela pessoa integrada na família, em constante interacção com o meio, ao longo de todo o seu ciclo de vida. Assim é de extrema relevância que os profissionais de enfermagem reflictam acerca das famílias que cuidam, percebendo como estas lidam com a situação em concreto, para que com a família possam delinear estratégias de coping, tendo como objectivo o equilíbrio” (Peixoto, M. [at all], 2009, p 88).

É importante compreender, que o coping constitui um conjunto de ferramentas e estratégias, adquiridas por cada pessoa, de forma a superar desafios com a máxima resiliência. Para o contexto familiar, Friedman, em 1998, revela, segundo um estudo, “as estratégias de coping internas usadas pela família são: a confiança no grupo familiar, incluindo delegação; o uso de tácticas para gerir o humor e o stress; o aumento da partilha em comum: mantendo a coesão; o controlo do significado do factor de stress/ exigência: contenção cognitiva e avaliação passiva; a resolução conjunta de problemas feita em família; a flexibilidade do papel; a normalização; a limitação do tempo livre e das actividades recreativas; e a aceitação de acontecimentos causadores de stress como um facto da vida; As estratégias de coping externas segundo o mesmo autor são:

a procura de informação e ajuda profissional; a manutenção de ligações activas com grupos comunitários e organizações; a procura e uso de apoios espirituais; e a partilha de preocupações e experiências com parentes, amigos e vizinhos” (Fonseca, 2002, p. 59).

De forma a concluir este paradigma de intervenção familiar, é importante referir, que a família integrada no âmbito das intervenções terapêuticas constitui um eixo dinâmico de constantes transformações e adaptações ao estado de saúde de qualquer seu elemento. Continuam a ser para os profissionais de saúde unidades que carecem de cuidados, de forma a serem dotadas de ferramentas para manterem o equilíbrio.

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