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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA: UM PARALELO ENTRE O DIREITO DO MAR E O

2.1 A SEÇÃO 1: A ESTRUTURA BÁSICA DA PARTE XV

2.1.2 A liberdade de escolha dos meios de resolução de litígios

Na sociedade internacional, o Estado está livre para recorrer a qualquer meio de sua escolha para resolução de litígios, a não ser que esta liberdade esteja vinculada por algum tratado específico. Apesar da disposição destes meios no parágrafo 1°, do artigo 33, da Carta da ONU, reproduzir o aumento do envolvimento de terceiros na resolução do conflito, esta sequência não simboliza a progressão destes meios no sentido de que os Estados esgotem um procedimento antes de tentar o seguinte. Pelo contrário, eles podem escolher de livre arbítrio o

100 Wolfgang Graf VITZTHUM. Handbuch des Seerechts. Munique: Verlag C. H. Beck. 2006, p. 468. 101KLEIN. Dispute Settlement…, op. cit., p. 32.

102Bernard H. OXMAN. Courts and Tribunals: The ICJ, ITLOS, and Arbitral Tribunals. The Oxford Handbook

of the Law of the Sea. Oxford: Oxford University Press, 2015, pp. 394-415, p. 396.

mecanismo de resolução de litígios que considerem mais adequado à disputa em questão, da mesma forma que podem dispor de diferentes meios em diferentes estágios da disputa104.

Tal ângulo é consolidado pelo artigo 280 da CNUDM, o qual fortalece essa perspectiva ao estabelecer que não há prejuízo, por parte de nenhuma das disposições da Parte XV, ao direito dos Estados de selecionar de livre arbítrio qualquer meio pacífico de resolução de litígios, ou seja, os Estados não perdem a prerrogativa de gerenciar a forma que suas disputas serão resolvidas105.

O artigo 280, assim, traz o princípio da livre escolha dos meios, o qual assevera que não há qualquer previsão na CNUDM que possa impedir os Estados de resolverem suas disputas acerca da interpretação ou da aplicação desta mediante mecanismos da sua escolha106, isto é, é possível inferir que os meios preferidos pelas partes, desde que pacíficos, prevalecem sobre o sistema de resolução de conflitos integrado na CNUDM107.

Desta forma, tal princípio, o qual projeta o respeito aos princípios da soberania e da igualdade jurídica dos Estados, proporciona às partes a faculdade de selecionar o mecanismo pacífico que considerem adequado para resolução dos seus conflitos sem risco de imposição de um determinado meio sem o seu consentimento. Ademais, inexiste hierarquia ou preferência expressa por qualquer um deles por parte da CNUDM ou da Carta108.

Para que o sistema de resolução de controvérsias pudesse triunfar, os participantes da Terceira Conferência das Nações Unidas de Direito do Mar chegaram à conclusão de que era essencial garantir o direito à liberdade de escolha dos Estados perante este sistema. Tal direito, espelhado no parágrafo 1º, do artigo 33, da Carta das Nações Unidas, tem como objetivo consolidar a confiança entre os Estados e fomentar a cooperação e a participação destes nas soluções de controvérsias internacionais. O estabelecimento de formas engessadas de resolução de litígios obstaria a utilização de mecanismos inovadores, os quais são muitas vezes necessários para se encontrar um ponto convergente e eventual solução nas mais diversas e heterogêneas situações oriundas das relações entre os Estados que se desenvolvem e evoluem ao longo dos anos no ambiente internacional. Nesse sentido, a elaboração do artigo 280, que trouxe o princípio da liberdade dos meios, é primordial para que a Parte XV cumpra o papel para a qual foi criada de maneira mais eficiente109.

104CHURCHILL. The Law…, 2. ed., op. cit., p. 449. 105KLEIN. Dispute Settlement…, op. cit., p. 32. 106ROTHWELL. The International…, op. cit., p. 17213. 107TANAKA. The International..., op. cit., p. 420. 108 CHANG. Derecho del..., op. cit., p. 236. 109 VITZTHUM. Handbuch des…, op. cit., p. 467.

Apesar do princípio da soberania ser elementar na subsistência dos Estados, ele pode configurar um entrave no Direito Internacional. Esse cenário se manifesta em alguns casos referentes à eleição dos meios de resolução de controvérsias, uma vez que o princípio da livre escolha de meios pode ser considerado como uma manifestação do princípio da soberania dos Estados. O princípio da resolução pacífica de controvérsias, que imputa uma obrigação a qual deve ser cumprida de boa-fé, transfere aos Estados a eleição do mecanismo pacífico de forma que depende da sua vontade o meio ao qual vai se submeter. Nesse sentido, a impossibilidade de se impor um meio aos Estados, sem o seu prévio consentimento, além da inexistência de prazo, tanto para a escolha do mecanismo quanto para se alcançar uma solução para as controvérsias, podem resultar em litígios internacionais de longa duração, como é o caso da disputa pelas Ilhas Malvinas110, e eventual uso ilícito da força pelos Estados111.

Nesse sentido, em 1992, o Secretário-Geral da ONU da época, Boutros Boutros-Ghali, apresentou ao Conselho de Segurança (CSNU) a proposta An Agenda for Peace: preventive diplomacy, peacemaking and peacekeeping. Um dos principais pontos deste programa, o peacemaking, tinha como objetivo agir no sentido de levar partes hostis a chegarem a um acordo através dos meios pacíficos previstos no Capítulo VI da Carta das Nações Unidas. Para Boutros- Ghali, a culpa para a não resolução de conflitos residia na falta de vontade política das partes envolvidas em buscar uma solução para a disputa através dos mecanismos da Carta112. Desta forma, tal programa tentou trazer limites gerais e razoáveis à faculdade de livre eleição dos meios pelos Estados, os quais facilitariam o objetivo de peacemaking, isto é, alcançar soluções definitivas para as controvérsias internacionais mediante a utilização de mecanismos pacíficos. Apesar dos esforços da ONU, o princípio original de livre escolha de meios permanece em

110 As Ilhas Malvinas são um arquipélago localizado no Oceano Atlântico que é objeto de disputa de soberania entre o Reino Unido e a Argentina. Conhecida por Falkland Islands pelos britânicos, tal região está sob a administração do Reino Unido desde 1832, quando ocupou a ilha. Em 1982, tropas militares argentinas, a mando do ditador argentino Leopoldo Galtiere, invadiram a ilha. Em menos de três meses de batalha contra os britânicos pelo seu controle, os argentinos se renderam e colocaram um fim ao conflito. Todavia, a disputa pela soberania do arquipélago continua até hoje e ganhou força em 2016 em razão de relatório da Comissão de Limites da Plataforma Continental, órgão pertencente a ONU, que reconheceu o pedido da Argentina referente à extensão da sua plataforma continental. Segundo as novas fronteiras, tanto as Ilhas Malvinas quanto as Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, que também são administradas pela coroa britânica, estão localizadas em águas argentinas. O Reino Unido desconsiderou tal decisão e a disputa permanece sem resolução (Carlos RODRIGUEZ. Legitimacy and Political Authority: The Sovereignty Dispute Over the Falkland Islands/ Islas Malvinas. 2016. Disponível em: http://www.e-ir.info/2016/11/11/the-sovereignty-dispute-over-the-falkland-islands/. Acesso em: 16 dez. 2017).

111 CHANG. Derecho del..., op. cit., p. 237.

112 Boutros BOUTROS-GHALI. An Agenda for Peace: Preventive diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Disponível em: http://www.un-documents.net/a47-277.htm. Acesso em: 17 dez. 2017.

vigor, de forma que atualmente é inviável submeter um determinado mecanismo pacífico a qualquer Estado sem o seu livre, prévio e voluntário consentimento113.

Assim, em vista de todo o exposto até o momento, é possível inferir que os artigos 279 e 280 trazem dois princípios basilares do sistema de resolução de controvérsias apresentado na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982. O artigo 279 estatui um dever de resolução pacífica de qualquer conflito que envolva o Direito do Mar, de forma que obriga tão somente a sua resolução pacífica, não determinando a forma específica em que esta deve ser alcançada. Por sua vez, o artigo 280 garante a liberdade de escolha dos mecanismos aos Estados, uma vez que, desde que pacífico, o meio pelo qual se resolveu o litígio é indiferente114. Em observância a este princípio, a CNUDM trouxe dispositivos que tentam conciliar a sua relação com formas de resolução de conflitos além do seu texto, presentes em outros tratados, acordos e convenções internacionais.