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1.3 Mídia Televisão

1.3.1 A Linguagem do Telejornal

O ponto de partida para compreender a linguagem do telejornal, em especial do telejornalismo brasileiro, é entender que ele não surgiu totalmente definido e completo, de uma só vez, e sim foi sendo construído ao longo do tempo. Aronchi de Sousa (2004) entende por telejornal como sendo o noticiário televisivo apresentado por uma ou mais pessoas que leem os textos para a câmera e apresentam as reportagens externas realizadas pelos jornalistas, ao vivo ou gravadas. Para o autor, o telejornalismo buscou outros formatos, além do telejornal padrão, por isso se mantém em evidência em todas as grades de programação. São programas de debate e entrevista, mediados por jornalistas, e também os documentários e reportagens especiais.

Todos esses formatos tornam o gênero importante numa estratégia para modificar a imagem da emissora, tal qual acontece nos Estados Unidos, onde as emissoras, de um modo geral, concentram sua capacidade produtiva no jornalismo, que é o setor que atribui identidade e credibilidade ao veículo (ARONCHI DE SOUSA, 2004, p. 152).

Camargo (2005, p. 8), por sua vez, descreve o telejornal mais detalhadamente, em especial o modelo tradicional, que é aquele identificado no Jornal Nacional.

O modelo mais tradicional de telejornal reduz-se a um cenário que mostra, quase sempre ao fundo, a marca da empresa televisiva que produz o jornal. Neste cenário, além do plano de fundo, há geralmente uma bancada ou mesa onde, por trás dela, os apresentadores se posicionam frontalmente para a locução do jornal. Normalmente esta apresentação oral é amparada pelas reportagens, entrevistas, filmes e imagens que ilustram ou complementam o que o apresentador fala.

Mas há autores que compreendem o telejornal de forma mais ampla, como uma construção social que tem relação direta com a cultura. A concepção de que o telejornalismo tem como função institucional tornar a informação disponível publicamente e de que o que faz através das organizações jornalísticas é uma construção: é da ordem da cultura e não da natureza do jornalismo ter se desenvolvido deste modo em sociedades específicas. Jean Chalaby (apud GOMES, 2006), acredita que o jornalismo, como instituição social, é uma

invenção angloamericana do século XIX. Ele não se configura somente a partir das possibilidades tecnológicas oferecidas pelos séculos anteriores, mas na conjunção das possibilidades tecnológicas com determinadas condições históricas e sociais.

Os gêneros são formas reconhecidas socialmente a partir das quais se classifica um produto midiático. Em geral, os programas individualmente pertencem a um gênero particular, como a ficção seriada (telenovelas, mini-séries) ou o programa jornalístico, na TV, e é a partir desse gênero que ele é socialmente reconhecido. Para Machado (2000, p. 68), o gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, “um certo modo de organizar idéias, meios e recursos expressivos, suficientemente estratificados numa cultura de modo a garantir a comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às comunidades futuras.” Os programas telejornalísticos são considerados como uma variação específica dentro da programação televisiva, enquanto gênero jornalístico televisivo, obedecendo a formatos e regras próprias do campo jornalístico em negociação com o campo televisivo.

Os telejornais, programas de entrevistas, documentários televisivos, as várias formas de jornalismo temático (esportivos, rurais, musicais, econômicos) são variações dentro do gênero: podemos chamá-los subgêneros. E demandam ser abordados em categorias que impliquem considerá-los, ao mesmo tempo, como um produto de jornalismo televisivo – o que implica uma abordagem que leve em conta a linguagem televisiva e os elementos próprios do campo jornalístico – e como um produto comunicacional – o que implica uma abordagem da interação como os telespectadores (GOMES, 2006, p. 8).

Para Kilpp (2003), o gênero telejornalístico faz parte do gênero documental na televisão, aqueles que teriam a “verdade” ou a “realidade” como matéria prima, como fonte e como meio, e como fim:

Do gênero documental fazem parte os programas, quadros de programas e os gêneros ou tipo de programas nos quais se dá visibilidade à “realidade”: nos textos, nas imagens e nos imaginários veiculados, “verdadeiramente” as pessoas são “reais”, os fatos são “reais”, as histórias são “reais”, ainda que a simples veiculação implique uma mediação sui generis. O jornalismo, em geral, seja dentro de que programa for, pertence a este gênero. Mas também estão aqui os programas de auditório e, por hipótese, todos os programas ou quadros em que a televisão comunica “verdadeiramente” os outros campos (KILPP, 2003, p. 99).

Não existe um consenso sobre o que teria maior importância no telejornalismo: o texto ou a imagem. A proposta mais aceita é considerar ambos como parte da linguagem telejornalística: “O sentido das coisas nos telejornais não é dado exclusivamente pelo discurso falado, mas decorre também do andamento das imagens. A associação entre elas (dada por

fatores aparentemente casuais como a mera proximidade) é uma das possibilidades de sentido” (BUCCI, 1997, p. 52).

Rezende (2000) acredita que os programas telejornalísticos do Brasil atingem um público semi-alfabetizado e que tem acesso às notícias quase como um rito de passagem televisual. Para o autor, o telejornalismo oferece a possibilidade de democratizar as informações em uma cultura em que a oralidade mantém seu predomínio sobre a escrita. “No caso brasileiro, a TV não é apenas um veículo do sistema nacional de comunicação. Ela desfruta de um prestígio tão considerável que assume a condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande parte da população” (REZENDE, 2000, p. 23). Entre as razões apontadas pelo autor para a formação desse panorama estão a desigualdade na distribuição de renda, a centralização das emissoras nas mãos de poucos proprietários, o governo ditatorial dos anos 60 e 70, e a baixa instrução educacional do brasileiro – com a presença numerosa de analfabetos funcionais e a falta do hábito da leitura (REZENDE, 2000). O autor diz ainda que “a linguagem televisiva resulta da combinação de três códigos: o icônico, representado pela imagem, o visual; o lingüístico referente à língua que se fala e escreve e o sonoro, relativo à música e aos efeitos sonoros” (REZENDE, 2000, p. 38).

A busca pela simplificação e pela compreensão do conteúdo dos programas telejornalísticos fica evidente nos manuais de telejornalismo. A brevidade adotada pelo gênero se apresenta como uma característica própria de sua linguagem, afetada principalmente em função do imediatismo do tempo, da objetividade necessária e da exigência de que o conteúdo seja compreendido pelo receptor no momento em que é transmitido (BARBEIRO & LIMA, 2002). Além disso, a heterogeneidade dos receptores influencia diretamente na escolha do tipo de linguagem a ser adotado pelo telejornal, que tenta buscar um caminho “do meio”, uma base linguística e televisual comum, senão à todos, pelo menos à maioria das pessoas.

A adesão à linguagem parece reforçar a exigência de simplicidade do telejornalismo, atributo que seria capaz de garantir o entendimento da mensagem televisiva e ainda atrair a audiência. É o que destaca Squirra (1993, p. 14), a partir de informação publicada na Folha de S.Paulo: “Em 1988, 90% dos telespectadores sintonizavam o Jornal Nacional da rede Globo porque achavam ‘fácil entendê-lo’”. A origem do modelo estético do jornalismo da Rede Globo seria os exemplos jornalísticos norte-americanos. “Buscaram-se nas emissoras americanas, que ainda hoje inspiram a televisão tupiniquim, os receituários estéticos. Na verdade, os americanos colocam a imagem, a estética, a serviço do conteúdo. Aqui aconteceu o contrário. Exacerbou-se na forma” (CASOY apud SQUIRRA, 1993, p. 124).

Vale aqui ressaltar que essa linguagem do telejornal, assim como do audiovisual em geral, não é necessariamente estável, rígida e imutável. Pelo contrário, sempre há algo que pode ser rompido, inovado e atualizado, tornando-a dinâmica e criativa. Podemos observar isso cotidianamente com as modificações nos noticiários locais e nacionais, com inserção de quadros, aceleração de vinhetas e edições, mudança de cores, utilização de novas palavras e posturas, e porque não dizer, mudança também de figurinos, que seguem o mesmo ritmo acelerado, cultural e retroalimentado dos telejornais. O surgimento das novas tecnologias é outro motivo que faz com que a linguagem audiovisual esteja constantemente se atualizando, fazendo surgir novas técnicas de filmagem, maquiagem e iluminação, como vem acontecendo recentemente com o advento da TV digital. Essas tecnologias também surgem da cultura e são retroalimentadas por elas, um processo que tem origem social e que volta para essa mesma origem (LEVY, 1999).

2 JORNAL NACIONAL

“Os meios de comunicação são rodas de fiar com que os seres humanos fabricam teias de significação para si mesmos”. Clifford Geertz

O objetivo deste capítulo é levantar pontos importantes da história do Jornal Nacional. Não pretendemos recontá-la na íntegra da forma que já está posta nos livros. Propomos, sim, uma leitura imagética, pontual e crítica de momentos marcantes para que, com eles, possamos formar bases para as análises que serão colocadas nos próximos capítulos. O foco dessa história televisual é na imagem, em especial no corpo e no figurino e o contexto em que estão localizados, tema central dessa dissertação.

Ao longo do tempo, os telejornais da Rede Globo buscaram imprimir uma imagem de qualidade junto ao público, fazendo isso através de investimentos em equipamentos e numa preocupação constante com a clareza linguística e a narrativa da informação. A fim de dar ordem e facilitar a edição dos conteúdos do complexo mundo em que vivemos, a Rede Globo, mais especificamente, o Jornal Nacional, transformou a linguagem telejornalística para tornar os assuntos mais claros para o telespectador, muitas vezes forçando a simplificação dos fatos. Quando o Jornal Nacional surgiu, em 1969, havia uma preocupação da Rede Globo em se firmar no ainda jovem e incipiente cenário das emissoras de TV no Brasil e, assim, iniciar uma trajetória de legitimação pública. O JN, principal veículo jornalístico da emissora, surgiu para concorrer com o já consagrado Repórter Esso, telejornal criado e popularizado pelo rádio e transposto para a TV através da TV Tupi. O Repórter Esso era, na década de 60, o principal telejornal do país, transmitido para várias capitais18.

Ao longo do tempo, a Rede Globo foi construindo o chamado “Padrão Globo de Qualidade”, que acabou se tornando referência para o telejornalismo no Brasil. Fizeram investimentos em recursos gráficos, mapas, trilhas sonoras, selos, cores, e outros artifícios técnicos que pudessem fazer os mais diversos assuntos serem compreendidos pelo público telespectador. O esforço por manter a clareza da transmissão das notícias também se manifesta na busca por transparecer uma boa apuração. Uma das premissas do jornalismo que a emissora procura evidenciar por meio de seus apresentadores e repórteres é a apuração da notícia. “Expressões como ‘nossa equipe procurou...’, ‘... deu uma entrevista exclusiva para a equipe do jornal...’, ‘imagens exclusivas do acidente, você vê aqui’ mostram o compromisso

18 Para mais informações sobre a história do Repórter Esso consultar o livro: KLOCKNER, Luciano. Repórter

da emissora com a boa apuração, o que lhe garante maior credibilidade” (SILVA, 2006, p. 12). Ao longo deste capítulo serão levantados pontos sobre o Jornal Nacional, de forma não linear, mas que foram julgados importantes para uma melhor compreensão do tema estudado, dando ênfase aos elementos televisuais e suas relações de significação.