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Olhar para o trabalho de Mendieta me leva a recuperar, ainda, uma discussão sobre a representação do corpo na pintura relacionada à ideia de duplo. Há, nessa série da artista, uma pesquisa de forma, da construção do corpo pelo contorno ou planos, os corpos cheios e vazios, impressos e presentes. A artista explora uma variedade de possibilidades formais de representação que me interessa explorar nas relações entre as figuras: figuras construídas por volumes, em gradações de cores e direção de pinceladas; as sombras/silhuetas, em áreas de cores extensas (possivelmente estampadas); corpos cheios e vazios, volumétricos e planos, presentes e ausentes.

Essa ‘diversificação’ no modo de representação das figuras como uma forma de criar diferentes relações passa a ser investigada também na pintura das plantas, e ocorre através do uso e combinação de diferentes elementos de linguagem. Na pintura, observo essas relações em diversos artistas e, mais recentemente, em Lasar Segall (1891-1957) e Pablo Picasso (1881-1973), recuperando anotações realizadas durante a visita a exposições na Pinacoteca do Estado de São Paulo e CCBB de São Paulo, em maio de 2015.11

Uma imagem de Lasar Segall, “Duas amigas”, de 1913, me interessa pelo modo como a cor cria diálogos entre as duas figuras representadas. O rosto das duas mulheres, um em tons de roxo e rosa, o outro em tons de amarelo e ocre estabelecem uma relação de contraste entre si, de diferenciação; porém, as roupas, em tons de laranja e azul, respectivamente, parecem aproximar as duas figuras, em uma espécie de X que se forma na imagem: o casaco laranja/marrom de uma figura se aproxima do rosto ocre da outra, enquanto o casaco azul ‘da outra’ remete ao rosto roxo da primeira. Essa ‘dinâmica’ das cores informa, além do equilíbrio da composição, sobre possíveis relações entre as figuras, possibilitando inferir e imaginar sentidos e significados para essa relação.

11 “Uma história do Modernismo na Pinacoteca de São Paulo”, Pinacoteca do Estado de São Paulo, de outubro de 2015 a setembro de 2016; “Picasso e a Modernidade Espanhola”, Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo, de março a junho de 2015. Referências:

Sentidos; Linguagem (elementos)

Natália Brescancini Sem título, 2015 Caderno/livro de artista Desenho, colagem, aquarela e carimbo sobre papel (primeiras páginas) 14 x 18 cm (aberto)

Em vários momentos, no meu processo de criação, na elaboração das pinturas com mais de uma figura, as cores dos corpos são pensadas também em função das relações que poderão sugerir entre as figuras, e delas com o espaço. Contraste, harmonia, semelhança... na escolha da cor e dos diferentes matizes que compõem as misturas, sentidos e relações são construídos. Como aqui, em que o azul remete ao roxo que o contém, e o marrom/laranja ao amarelo da outra figura, também por contê- lo. As relações são, ainda, mais complexas: sobreposição e justaposição, quantidades de cores, brilho de matizes, tonalidades, tons, vibração; a escolha das cores ocorre entre sensações internas, sensações na relação com as cores, simbologia da cor e o reconhecimento de características dos diferentes matizes e/ou misturas, em uma busca pela construção e sugestão de sentidos e significados para a imagem. Essas relações já são exploradas entre os corpos, mas a observação da pintura de Lasar Segall me leva a pensar em possibilidades de fragmentação do corpo por meio da cor, complexificando as relações entre as figuras.

Outra imagem, uma gravura de Picasso presente na exposição do CCBB, me faz pensar na possibilidade de explorar essa dualidade também através da linha: uma figura construída com uma linha fluída e contínua, sintética; outra pela fragmentação e repetição das linhas, sendo que esta diferenciação se refere ao que seria, na representação, uma estátua e uma mulher nua, uma modelo. Uma gravura de Marcelo Grassmann (1925- 2013), com a qual me deparo diariamente12, me encanta por um motivo semelhante: duas figuras cuidadosamente construídas, em tons, qualidades de linhas, volumes e ‘preenchimentos’ distintos e contrastantes à distância, mas com tantas nuances e semelhanças na proximidade, construindo uma relação dual e complexa, cheia de possibilidades técnicas, de linguagem e sentido.

Meu trabalho em pintura elege a cor e as manchas como elementos centrais na construção da imagem (alguns elementos são mais ‘próprios’ de uma linguagem do que de outra), mas começo a pensar na possibilidade de trabalhar também com as linhas, com contornos e detalhamentos, o que poderia gerar uma oposição interessante, além de retomar a discussão sobre as ‘camadas de duplos’, sobre a sobreposição de diferentes formas e mecanismos de representação. Em pequenas aquarelas de 2005 busquei trabalhar com formas, cores e figuras lineares, em uma investigação ainda bastante imatura; essa pesquisa poderá ser retomada 12 Tive a oportunidade de adquiri-la, pelo generoso intermédio da minha orientadora, amiga de Grassmann. Referências: Linguagem (elementos) Referências: Linguagem (elementos)

Natália Brescancini Detalhe: Sem título, 2013 Óleo s/ tela Natália Brescancini Sem título, 2015 Caderno/livro de artista (últimas páginas)

nas pinturas atuais, questionando inclusive os limites entre o desenho e a pintura. Em um pequeno caderno inicio, em 2015, uma investigação de relações entre estampas e o corpo. Ali, o desenho, colagem, aquarela e carimbo ampliam as possibilidades de representação do corpo, em relação com o espaço, com as plantas e entre as figuras.

Essas relações não foram ainda profundamente exploradas na representação do corpo, mas já permeiam as plantas. Em duas pinturas, realizadas em 2013 (p.43/26 digital) e 2016 (p.81/45 digital), a representação das plantas é explorada através de silhuetas (áreas de cor), contornos (linhas) e machas (formas e cores), em uma diversidade de representações que, através de diferentes elementos ‘priorizados’ na sua construção, contribuem para a criação das relações entre a figura e o fundo, bem como entre os dois principais matizes que compõem a imagem. O trabalho com as plantas oscila entre a padronagem e a representação de plantas mais orgânicas, vivas. As estampas são a primeira forma de investigação, a princípio dentro das silhuetas e sombras que compõem o trabalho.