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A linguagem escrita no processo de desenvolvimento humano e a mediação

1. A EDUCAÇÃO NA VIDA E NA ESCOLA

1.5 A linguagem escrita no processo de desenvolvimento humano e a mediação

1.5 A linguagem escrita no processo de desenvolvimento humano e a mediação pedagógica

Ao considerar a relação dos sujeitos com a escrita, Luria (2014, p. 143) ressalta:

A história da escrita na criança tem início muito antes da primeira vez em que um professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras. O momento em que uma criança começa a escrever seus primeiros exercícios escolares em seu caderno de anotações não é, na realidade, o primeiro estágio de desenvolvimento da escrita. [...]; podemos até dizer que, quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destreza [...].

Sob este ponto de vista, entende-se que as crianças, em uma sociedade letrada, têm contato, desde muito cedo, com o mundo da língua escrita por meio dos

materiais escritos que estão à sua volta, bem como mediante as práticas dos adultos que estão em contato com elas. Dependendo de sua condição social, via de regra, elas tomam contato com práticas que envolvem a escrita e constroem conhecimentos atinentes a ela antes do seu ingresso na escola, no convívio familiar, em diferentes situações sociais. Portanto, como vemos, seu aprendizado é um processo construído social e culturalmente situações interacionais e de modo gradativo. Este ocorre no âmbito do cotidiano de forma não planejada, diferentemente do contexto escolar, em que a educação formal atua de forma deliberada e continuada.

De acordo com o pensamento vigotskiano, a aquisição da escrita representa o segundo salto qualitativo no nível de desenvolvimento intelectual do sujeito. Pondera que “a linguagem escrita é constituída por um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada, os quais, por sua vez, são signos das relações e entidades reais” (VIGOTSKI, 1991e, p. 120). Aponta ainda que a escrita é produto de um complexo processo de deslocamento simbólico, que se inicia no gesto como veículo de significação, significação esta que se direciona, em seguida, para as marcas do gesto que ficam no papel. Sendo a fala a atividade de significação por excelência, segundo ele, o garrancho se transforma em significante e é criado, primeiro, como desenho, depois, como escrita. O processo de transição da fala oral para a palavra escrita é difícil para a criança, por implicar, deliberadamente, que domine a sua estrutura complexa.

Para Luria (2014), o processo de apropriação da linguagem escrita ocorre à medida que a criança começa a “desenhar” as palavras, as quais, por sua vez, estão relacionadas à representação de objetos existentes em seu meio sociocultural. Oliveira (1993, p. 68), por sua vez, elucida:

A principal condição necessária para que a criança seja capaz de compreender adequadamente o funcionamento da língua escrita é que ela descubra que a língua escrita é um sistema de signos que não tem significado em si. Os significados representam outra realidade; isto é, o que se escreve tem uma função instrumental, funciona como um suporte para a memória e a transmissão de ideias e conceitos.

No desenvolvimento da escrita, destaca Luria, a criança apresenta algumas fases. Primeiro, ao observar o adulto escrevendo, tenta imitar os formatos externos

da escrita com rabiscos, sem estabelecer nenhuma relação funcional com a escrita. “Esse estágio é caracterizado por rabiscos não-diferenciados; a criança registra qualquer ideia com exatamente os mesmos rabiscos” (LURIA, 2014, p. 181). Nota-se que, nesse primeiro momento, ela ainda não tem consciência do significado funcional da escrita, já que os rabiscos num papel são tentativas de simbolizar a linguagem falada. Paulatinamente, analisa o autor, a criança começa a diferenciar os gráficos puramente imitativos, da escrita simbólica. Assim, o processo de escrita, que começa antes mesmo de a criança frequentar a escola, marcado por rabiscos, vai cedendo lugar para uma aproximação da escrita, no primeiro plano, com o uso do desenho para expressar as ideias e conteúdos e, posteriormente, com o uso das letras alfabéticas. Portanto, o símbolo adquire um significado funcional de tal modo que, permite à criança, graficamente, refletir o conteúdo que deve anotar. Segundo este autor:

Neste estágio, a criança começa a aprender a ler: conhece letras isoladas, sabe como estas letras registram algum conteúdo e, finalmente, apreende suas formas externas e também a fazer marcas particulares [...], estamos convencidos de que uma compreensão dos mecanismos da escrita ocorre muito depois do domínio exterior da escrita e que, nos primeiros estágios de aquisição desse domínio, a relação da criança com a escrita é puramente externa. Ela compreende que pode usar signos para escrever qualquer coisa, mas não entende ainda como fazê-lo (LURIA, 2014, p. 181).

Nesta perspectiva, suas tentativas são interpretadas como um estágio preliminar no desenvolvimento da escrita, cujo processo de aprendizagem não se desenvolve numa trajetória linear e previsível, com um crescimento e um aperfeiçoamento contínuo. A aquisição da escrita é, dessa forma, um processo que percorre um longo período.

Em se tratando do contexto escolar, Vigotski, apud Fontana e Cruz (1997, p. 184):

Considera fundamental a participação do outro no processo em que a escrita vai se tornando parte da criança, destacando e diferenciando o papel do professor [...], o ingresso na escola representa para a criança um novo tipo de relação com a escrita que além de ser intensificada passa a ser sistematizada. Todas as crianças são colocadas diante da tarefa de interpretar convencionalmente a escrita.

De acordo com a concepção histórico-cultural, a escola é o lugar privilegiado para que a humanização dos indivíduos, por meio da socialização do saber historicamente produzido pela humanidade, seja possibilitada. Para tanto, adverte Vigotski (1998, p. 116-117): “o aprendizado orientado para níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança. [...] O ‘bom aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.

A entrada da criança no universo do conhecimento científico ou sistematizado por meio da leitura e da escrita proporcionada pela escola encaminha seu desenvolvimento e a coloca, de modo contemporâneo, no mundo em que vive e de modo a participar mais efetivamente e num crescente. Isso requer desencadear processos que promovam a elaboração conceitual, visto que, de acordo com Fontana (2011, p. 130),

A elaboração conceitual é considerada como um modo culturalmente desenvolvido de os indivíduos refletirem cognitivamente suas experiências, resultante de um processo de análise (abstração) e de síntese (generalização) dos dados sensoriais, que é mediado pela palavra e nela materializado.

Estudos voltados para o processo de aprendizado na perspectiva histórico- cultural têm apontado para a relevância da atividade mediada por signos e pelo papel do outro.

Entende-se por mediação, nesta perspectiva teórica, conforme Oliveira (1993, p. 26), “o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”. Com efeito, existem duas formas de mediação que marcam a atividade intelectual do sujeito: a mediação por instrumentos e a mediação por signos. Nesta última, ao se destacar a sua dimensão semiótica, é possível compreender o processo pelo qual são criadas as formas de atividades mentais verdadeiramente humanas.

A mediação semiótica é um ponto fundamental da teoria de Vigotski, por explicar a íntima conexão entre a natureza social das funções psicológicas de ordem superior e os processos de construção da consciência e da subjetividade. Aqui, o papel do outro ganha relevância, uma vez que, no processo de ensino, é o professor

que apresenta e interpreta, com o apoio dos conhecimentos pedagógicos, de que é o portador no mundo dos conceitos científicos ou sistematizados para o aluno.

Sob a luz do quadro de referências aqui delineado, propomo-nos a analisar o processo que envolveu o ensinar e o aprender da leitura e da escrita por meio das atividades propostas pela professora da turma. Antes, porém, apresentaremos o percurso metodológico de nosso estudo.

2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Nesta seção, apresentaremos as referências metodológicas que tomamos e o caminho perseguido ao longo da pesquisa, culminando com o processo de coleta de dados e sua organização para fins de análise.