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5 RÁDIO ESCOLAR E AS INTERVENÇÕES COM A EJA

5.1 CARACTERÍSTICAS DO RÁDIO

5.1.1 A linguagem: falada e (re)escrita

A coloquialidade da linguagem foi outra maneira de aproximar os educandos do objetivo de trabalhar com o veículo. No entanto, o uso não formal da língua não significa permissão para erros na concordância, por exemplo. Afinal, estávamos em um processo de aprendizagem, dentro de uma sala de aula. Por outro lado, não se pode exigir que pessoas daquele contexto sócio-cultural esquecessem seu “falar” e forçosamente enxertássemos uma língua que ainda não estava ao seu alcance. Certamente teriam sérias dificuldades, além de corrermos o grave risco de causar o desinteresse pelas aulas. Pelo contrário, o universo vocabular também é um campo de observação.

Percebemos no final do trabalho que uma emissora de rádio, seja escolar ou não, prioritariamente deve ensinar a língua padrão. Isso não significa ignorar as formas de falar da localidade onde ela funcionará. Por outro lado, não se justifica o incentivo às discordâncias com as regras da língua vernácula. O respeito às práticas culturais de cada lugar e suas derivações como a forma de se expressar, o sotaque, por exemplo, são identidades de uma comunidade. Essa é uma característica de extrema importância para se compreender e respeitar a forma de comunicação dos grupos. Afinal, as pessoas se encontram em processo de aprendizagem.

Para os educadores, é necessário ficar claro que todos devem saber a forma correta da língua oficial de seu país. Não é aconselhável dizer para os educandos que a maneira que eles falam é errada, mas é importante ensiná-los corretamente a língua padrão.

Como enfatizou Mario de Andrade (2005, p. 117),

[...] a cultura do rádio, baseada no voo infixável (sic) da palavra falada, moldada por elementos próprios, como o da minutagem, que tem de ser curta não por interesses econômicos apenas, mas psicológicos, de fadiga, de audição desprovida dos elementos plásticos da oratória, etc... a cultura do rádio jamais será uma cultura... culta (ANDRADE, 2005, p.117).

Dessa maneira, adotamos o hábito de leituras sistemáticas referentes aos temas trabalhados e a realização de ensaios antes das gravações, fazendo as correções necessárias. O ensaio era o momento em que havia a socialização do conteúdo, feita pelos participantes, para que pudéssemos ter a certeza ou não da maturidade do grupo diante dos assuntos selecionados previamente. Isto nos daria a segurança para a exibição dos programas. Após a apresentação, em um momento apropriado, tínhamos a auto-avaliação e todos (re)começavam a (re)elaborar suas concepções com as observações dos equívocos cometidos na apresentação, desde erros de concordância até a postura do educando durante o programa, tendo como objetos de análise a fotografia e as imagens em movimento da filmadora, obtidas durante o processo.

Outra observação a seguir é que não podemos apresentar a rádio escolar como um modelo padrão e capaz de ser implantado em qualquer lugar conforme o mostrado por nós, neste trabalho. Diversas variáveis deverão ser levadas em

consideração para a sua implantação efetiva e eficaz. Não é possível instalar uma rádio em uma escola do Morumbi, bairro de classe alta de São Paulo, ou em uma aldeia indígena do interior do Estado do Amazonas, utilizando os mesmos princípios da Rádio Escolar Djalma Maranhão, em Felipe Camarão, periferia de Natal.

Uma das variáveis mais importantes a ser observada e indispensável, pois esquecê-la é colocar em risco todo o processo, é o contexto no qual está inserida a escola. Deve-se considerar se há coerência entre as práticas do estabelecimento com as da rádio escolar. Entre os elementos dessa variável têm-se as práticas culturais (e toda sua complexidade) dos envolvidos no processo.

Não é coerente nem justo querer impor um modelo cultural externo, desconsiderando as práticas habituais das pessoas participantes do projeto. Elementos como a fala e as expressões, seja na língua formal ou não, no uso de expressões não-verbais como os gestos, objeto complementar na explicação e na forma de se expressar de um grupo, por exemplo, não podem ser menosprezados. As incoerências sim. Estas devem ser observadas e estudadas até que ponto pode ou não ser excluídas pelo grupo, bem como o incremento de novos elementos que poderão ser introduzidos de maneira que não desrespeite a cultura do grupo. Sem esquecer, é claro, da discussão entre seus membros sobre essa problemática, podendo inclusive fazer comparações entre as culturas presentes em outros lugares e grupos sociais como os daquelas pessoas, identificando semelhanças e diferenças, observando cautelosamente para não estabelecer superioridade de uma cultura ou grupo sobre o (a) outro (a).

Por isso, a preocupação com o contexto espacial, geográfico, se torna prioritário. É nele que se encontra toda a complexidade das convivências e das experiências das pessoas inseridas no projeto. Podemos citas as relações micro e macrossociais, que vão implicar em vários fatores, entre eles a identidade e reconhecimento dos indivíduos como sujeitos na sua individualidade e como sujeitos sociais, integrados coletivamente. Essas características tanto poderão ser descobertas durante a pesquisa como antes, de forma preliminar, e serão elas que apontarão muitos caminhos para a implantação da rádio escolar em acordo com as práticas sociais e culturais do grupo, sem esquecer também da influência política pedagógica da escola.

As temáticas a serem abordadas no processo devem irrestritamente emergir do núcleo desse contexto, tanto como partida quanto finalidade. Podem ser

pensadas como melhoria no ensino-aprendizagem de educandos e educadores, como para transformar uma realidade mais complexa e política, por exemplo, seja individual ou coletivamente.

A tomada de consciência política tanto é possível individualmente como pelo grupo, que se organiza como tal e reivindica uma ação nova para a realidade que vivenciam. Sem conhecer as realidades das pessoas envolvidas nem as suas particularidades (o contexto), será impossível atingir completamente as metas desejadas e alcançar os resultados apropriados.

A forma de atuação da rádio escolar como procedimento de apoio educacional e pedagógico com a EJA também será diferente da que se utiliza com outros públicos e com o ensino fundamental e médio. Conforme a faixa etária ou escolar, é pertinente observar que cada grupo de alunos vai se comportar de uma maneira. Portanto, a idade também é um fator preponderante na constituição dessa alternativa.

O aluno da EJA, em muitos casos, encontra-se em idade mais avançada, que traz em si um conjunto de informações e conhecimentos que exige uma postura diferenciada tanto na adoção do método utilizado para a sua formação, quanto na condução dos conteúdos. Sua experiência de vida permite maior amplitude de apreensão e compreensão de problemáticas mais complexas. Em outra faixa etária pode não haver a mesma reflexão. Por outro lado, no que se refere ao domínio de tecnologia, alguns jovens e crianças talvez apresentem mais familiaridade do que alguns adultos.

Em determinados lugares e momentos as pessoas se utilizam de recursos da linguagem através de palavras e expressões conotativas para se comunicarem com outras. A recorrência a esse expediente é bastante rotineira, visto que elas são usadas para substituir as palavras e expressões que, por pudor ou qualquer outro motivo, não se fazia possível seu uso. Nos grupos de pessoas com pouca escolaridade e na cultura popular é comum essa substituição de significados. Os motivos são vários, mas destacamos a pouca familiaridade com as palavras, visto seu pouco conhecimento com a leitura e a escrita, que muitas vezes gera outra palavra.

Como observado, a mesma expressão com a semântica não perdeu seu significado original, apenas mudaram-se as palavras-chave do “mundo” culto para o mundo vivido por um grupo social determinado. Já outra expressão bastante

pronunciada em alguns Estados nordestinos é “puxa e encolhe”, que significa situação de indecisão, sem uma posição definitiva. Na linguagem popular, com a junção das duas palavras, deu origem a “puxincói”, graças à fonética de ambas, que no ato da pronúncia se junta à primeira palavra, como a partícula de ligação “e”, com a segunda palavra eliminando o “lh” e substituindo o “e” pelo “i”.

O preâmbulo apresentado acima tem como objetivo mostrar a riqueza semântica e a criatividade das classes populares em adaptar, a seu universo, palavras e expressões advindas da língua padrão. De certa forma, demonstra a capacidade de adaptação, de recomposição contextual, em uma espécie de tradução para si, o que é conhecido em outro, resultando em um processo de negociação dialética entre estranheza e familiarização.

Isso nos permite observar a convivência entre dois campos vocabulares distintos, mas que estão em constante e vívida interação. Por este e outros motivos, acreditamos ser importante respeitar o “falar” dos nossos colaboradores e suas formas de expressão. Dessa maneira, como já mostrado neste trabalho, aceitamos o desafio de relatar e preservar essa característica presente naquelas pessoas.

Observamos que da mesma forma que na língua padrão (falada e escrita) exige um processo de decodificação para pessoas de determinadas classes sócio- cultural-econômica-educacional, também há a necessidade dessas mesmas pessoas passarem pelo processo de decodificação da linguagem utilizado nas classes subalternas, em uma espécie de “língua” horizontalizada, “marginal”. Vemos com isso que a língua do rádio não pode ser universal, mas específica em cada localidade, respeitando suas expressões, as práticas culturais, especialmente a oral. O princípio da universalidade elimina e impossibilita a naturalidade e o respeito à originalidade do cotidiano daquelas pessoas e comunidades envolvidas em todo o processo do rádio.

Paralelo a esse fato há de se considerar que a rádio escolar objetiva tornar acessível aos seus interlocutores o conhecimento da língua padrão, pois é por intermédio dela que nos orientamos socialmente, historicamente e culturalmente, intermediados pela comunicação. Como já foi mostrado acima, a apropriação de determinadas expressões “traduzidas” para o cotidiano de algumas pessoas é resultado da falta de domínio da língua padrão. O rádio, portanto, tem como referência esse idioma. O que propomos é a ponderação entre a coloquialidade e as regras da língua vernácula, e não a exclusão desta.

A discussão dissertada abaixo teve origem em uma das aulas sobre a saúde reprodutiva, quando falávamos sobre os métodos anticoncepcionais durante as atividades da rádio escolar, particularmente nas explicações sobre o uso da linguagem do e no rádio com os educandos. Ocasião na qual eles apontaram suas impressões sobre o veículo.

Diante do relato pessoal de uma educanda sobre um dos métodos, a tabela de abstinência, vivenciamos um dos momentos mais peculiares de nossa pesquisa, no tocante à linguagem particular do meio. Embora a linguagem que nos referíamos naquele momento tivesse como objetivo familiarizar os participantes com o universo radiofônico, ela nos conduziu para compreendê-la como outra possibilidade de entendimento da linguagem de uso popular, cuja decodificação se faz necessária. A conversa tida em sala de aula segue na íntegra, obedecendo a fidelidade das expressões do sujeito que fala. Vejamos o depoimento da educanda e algumas intervenções da coordenadora da turma:

Educanda: Eu tenho dois filhos de tabela (risos na sala) Professora: Por que não deu certo?

Educanda: num deu, né? Ah, porque cê sabe, né? O marido queria. Meu primeiro filho, professora, eu sofri muito pra ter ele, aí eu disse na maternidade que eu não queria ter um filho nunca mais. [...] Eu Passei três dias dentro da maternidade sofrendo pra ter meu filho e ele não nasceu normal. [...] Cortou muito pra poder tirar, puxou ele com ferro, né? [...] machucou muito. Aí eu disse, como tinha sofrido muito, que nunca mais ia ter filho... Aí ela (médica) disse: comece a fazer tabela. Eu disse: dra., então me ensine como é, que eu não sei ler, escrever. A senhora vai me explicar tudo direitinho, no papel, pra meu marido me ensinar no dia, na hora “tudin”, direitinho. Ela ensinou.

Professora: e como foi que ela lhe ensinou

Educanda: Só que eu esqueci agora. Parece que era oito dias antes da menstruação chegar, né?

Professora: mas por que, o que que tem haver esses oito dias? Educanda: a gente num podia fazer, né? (risos)

Professora: fazer o quê? Educanda: fazer relação, né?

A frase que deu origem à discussão, “eu tenho dois filhos de tabela”, pode ser entendida de duas formas: linguagem popular de significado, cujo entendimento precisa ser codificado e de duplo sentido. A expressão se refere ao resultado de duas gravidezes contraídas usando como método contraceptivo a tabela de controle da menstruação. Segundo relato, o seu marido havia dito que não devia tomar a pílula anticoncepcional, porque a substância do remédio tinha como matéria-prima

base osso de sapo. A educanda relatou ainda que desde criança tem pavor do anfíbio.

Na expressão “o marido queria”, observa-se o confronto de opinião, de interesse, submissão entre ambos, um embate simbólico de forças entre o marido e a esposa em uma relação de desiguais. Mesmo contrária à maternidade, a mulher, culturalmente, naquele contexto, submissa aos desejos do companheiro, é posta em situação limite de pleno sacrifício físico e psicológico, para atender diversas “obrigações” matrimoniais, sociais e culturais da procriação. Por exemplo, a cobrança quase “natural” da sociedade machista sobre a fêmea, além da necessidade de suprir a vontade do companheiro de também contemplar sua expectativa de se firmar socialmente como procriador, e apresentar-se perante seus pares como viril, macho, garantindo a “perpetuação” de sua prole. Neste caso, não cabe atribuir juízo de valor, apenas se constata a indicialidade do que sutilmente acontece nas micro relações, reflexo também nas e das macro relações.

No contexto seguinte, continua ela, Meu primeiro filho [...] eu sofri muito

pra ter ele [...] eu disse [...] não queria ter um filho nunca mais. [...] passei três dias dentro da maternidade sofrendo [...] e ele não nasceu normal. [...] Cortou muito pra poder tirar, puxou ele com ferro, né? [...] machucou muito. A expressão representa o

sofrimento de uma mulher que não estaria preparada para outra situação como aquela. Por isso, a recusa de repetir a experiência de ser mãe.51

Como agravante, mesmo passando por todo o martírio, a mulher ainda teve de enfrentar o trauma deixado por um parto complicado e como consequência o drama de trazer à vida um filho que exige cuidados especiais, provocando frustração e decepção, visto que todas desejam ter filhos saudáveis e bonitos, vê-los crescendo alegres e com saúde. A situação que foi obrigada a viver corroborava para a rejeição da maternidade. Porém, para o homem e marido, a compreensão daquela situação era percebida contrariamente, como exposto mais adiante.

A educanda retoma a explicação:

Aí ela (médica) disse: ou você faz a tabela pra não engravidar tão cedo ou você toma o comprimido. Eu disse tá certo. Ela anotou tudo direitinho no papel, levei para o meu marido vê, né? Aí ele disse: tá certo, vamos cuidar disso. [...] Eu me prontifiquei, a médica disse que eu posso ou não. Pra

51 Ainda há uma crença no sertão nordestino de que quanto mais filhos um homem tiver, mais viril

será ele, ganhando o respeito de todos, pela sua masculinidade, vitalidade. Por outro lado, a quantidade de filhos também estava relacionada com a mão de obra no processo produtivo e, consequentemente,na renda familiar, especialmente no campo.

mim, nunca mais ia querer (ter relações sexuais). [...] Tem gente que me chama de louca. Que eu não ia confiar mais, assim eu acho que na hora que eu fosse ter eu já engravidava, de novo. Aí ele (marido) disse, vamos tentar. Quando chegar o dia da união... Aí o que que a gente fez, né? Chegou o dia. Aí eu disse: eu quero tomar comprimido. Ele disse: não tome

comprimido porque comprimido é feito de osso de sapo. [...] Porque eu tinha muito medo de sapo, quando era criança e quando ele me conheceu. Então ele aproveitou esse... “Não tome que aqueles comprimidos “é” feito de osso

de sapo. Minha mãe tomava e minha mãe era doente porque tomava esses

comprimidos e não fazia tabela”. [...] Eu deixei52, eu passei dois meses e ele

na tentativa. Ai eu disse já pode começar... Usar a tabela, né? Minha filha faltava dois dias... E eu não podia fazer nesses dias, e ainda eu não podia fazer (relação sexual). Ele tentou, tentou... Ele disse: “homi, o que a gente tem que fazer hoje não deixa pra amanhã” (risos na sala). Aí a gente fez, quer dizer, eu engravidei. Na tabela, por causa de dois dias. Fiquei grávida mesmo, e não adiantava mais não. Professora, quando o menino completou um ano e três meses, o outro nasceu.

Aí ela (médica) disse: comece a fazer tabela. Eu disse, dra. [...]. Bem, a

paciente encontrara uma solução para o seu temido problema. No entanto, havia outro empecilho: era “não letrada” e se achava incapaz de entender as explicações. Recorre então à linguagem formal escrita, para ser ensinada pelo próprio esposo, pessoa próxima de seu convívio e principal sujeito para vivenciar aquela situação, também seria dele de quem mais precisava compreensão.

Observa-se que não ser alfabetizada causara na educanda um problema e uma dependência. No primeiro, porque as informações passadas pela médica, de acordo com a sua concepção, não seriam entendidas por ela, e é no texto escrito que vai se fundamentar para suprir a deficiência sobre o método anticonceptivo escolhido. Na segunda, pois como toda pessoa que não sabe ler nem escrever, tem necessidade de auxílio de outra, que em muitos casos lê o escrito e precisa fazer a “tradução” ou decodificação para quem escuta.

Porém, é nesse momento que o interlocutor precisa estabelecer uma relação de sinceridade, verdade e ética com o ouvinte para relatar o que realmente consta no texto. Conforme a intenção do “leitor”, que tem o domínio dos códigos formais, poderá utilizar desse “poder” para direcionar a compreensão daquele que escuta através da má informação ou sonegação desta, formando a opinião pública baseada em elementos não verdadeiros.

Com o mesmo propósito podem se manifestar os “meios de comunicação” em relação aos seus interlocutores. Por serem os agentes responsáveis pela socialização das informações ou a sua omissão, graças ao seu poder de disseminação dessas, uma parcela da sociedade fica dependente do que eles noticiam, podendo, nesse caminho, ocorrer o que chamamos neste trabalho de opressão midiática. Por outro lado, pode colaborar para discussões diversas, desde que a concretude dos fatos seja respeitada.

Segundo Foucault:

Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia. De modo que não e necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância das receitas. (FOUCAULT, 2004, p. 166).

Ou seja, a submissão concreta, principalmente no contexto exposto entre marido e mulher, nasce de uma relação entre desiguais, no campo simbólico. Alimentado pelo uso da linguagem como argumentação, cujo elemento central é a persuasão subliminar ou explícita.

Percebe-se que para elaborar sua estratégia de convencimento o esposo tinha conhecimento anterior de elementos centrais no campo psicológico de sua companheira, como por exemplo, o pavor do sapo. O medo neste caso funcionou como componente nuclear da sua composição argumentativa, baseada na linguagem, para persuadi-la e alcançar seus objetivos.

Nessa trama, ele lança mão de um estratagema com forte apelo persuasivo, o relato de uma experiência real e vivida por alguém próximo de sua convivência (“minha mãe tomava e [...] era doente porque tomava esses comprimidos [...]”). Tais recursos da linguagem podem funcionar como elemento de reforço no convencimento e adiante atingir seu (s) objetivo (s).

Por outro lado, a dependência fictícia da educanda perante o marido tem como causa vários motivos. Entre eles, o vínculo financeiro, já que no universo de ambos ela não tinha renda própria e a constituição familiar que estava inserida era a tradicional. O esposo, responsável “pelo sustento da casa”, e a mulher, a quem cabe a manutenção do lar, o cuidado com os filhos e o marido.

Os costumes impressos e expressos nos sujeitos influenciados pelo seu universo cultural imprimem neles que a procriação cabe à mulher, e ao homem a necessidade de perpetuar seus genes como prova de masculinidade e fertilidade. Somando-se a tudo isso, tem-se a formação religiosa como balizador e regulador das relações sociais, que, de certa forma, ditam as regras que devem ser seguidas e obedecidas cegamente, sem mais reflexão.

Outra característica encontrada na fala da educanda é o recurso de linguagem utilizado quando se referia ao ato sexual, substituindo-o por algumas palavras como querer, fazer e ter, por exemplo. O uso dava-se especialmente pelo pudor em falar sobre “aquele” assunto. A sexualidade e o sexo ainda são tabus bastante arraigados na mente de muitas pessoas, ainda mais em se tratando de uma senhora com mais de 50 anos de idade, considerando também a sua origem social. Como se sabe, esses assuntos são quase proibidos ou se fala apenas na intimidade, e para poucas pessoas.