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A literatura e o seu papel na sociedade actual

PARTE II – REVISÃO DE LITERATURA

2. Comportamento do consumidor em relação a livros

2.6. A literatura e o seu papel na sociedade actual

Todd (2008) considera que ler é um processo pelo qual as pessoas se imergem temporariamente nas vidas das personagens imaginárias. Conquanto a leitura seja um processo solitário, as pessoas falam habitualmente sobre livros e a proliferação dos grupos de leitura tornou a leitura numa actividade social. A literatura ficcional significa uma jornada para outro mundo onde os leitores experienciam respostas emocionais perante os livros. Miall & Kuiken (2002) distinguiram quatro tipos de sensações que os leitores podem ter em resposta a textos literários. Por um lado, os leitores podem ter sentimentos de avaliação relacionados com o gozo da leitura de livros, por outro, podem desfrutar de sentimentos estéticos que surgem em resposta a mecanismos literários. Similarmente, os leitores podem gozar de sentimentos narrativos que envolvem sentimentos de empatia e de simpatia com as personagens dos livros. Do mesmo modo, usufruir de sentimentos de auto transformação que podem ocorrer como resultado do entendimento do leitor sobre o texto e da sua percepção sobre si próprios. No entanto, para estes autores, a maioria dos leitores irão apenas fruir de sentimentos narrativos face ao texto literário e somente alguns irão vivenciar sentimentos de auto transformação. Segundo Hernadi (2002), a literatura tem servido desde sempre, para duas funções complementares, por um lado, para expandir os horizontes cognitivos, emotivos e volitivos da humanidade e por outro, para integrar as nossas crenças, sentimentos e desejos.

Warren (1986) defende que lemos ficção dado a esta criar uma imagem da vida, estimular e gratificar o nosso interesse na vida. Mas acima de todos os interesses, procuramos uma história, que não é uma mera imagem da vida, mas a vida em movimento, a vida de personagens perante experiências particulares, cujo desfecho consideramos proveitoso para a nossa

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existência. Usualmente, a experiência apresentada na história é enfrentar um determinado problema ou conflito. Para este autor, quando lemos, não procuramos “escapar” à vida, mas procuramos uma vida mais satisfatória do que a nossa versão enfadonha da mesma. O facto de procurarmos ou criarmos situações problemáticas de maior ou menor intensidade, dá-nos uma sensação de energia elevada, de vida. Deste modo, a ficção dá-nos esta consciência grandiosa da vida, com toda a carga emocional que isto acarreta – lágrimas, simpatia, ódio, amor, ironia – onde no final alguma espécie de resolução é dada aos leitores. A ficção acaba por ser um dia de sonho, uma encenação imaginativa, onde encontramos não só o prazer de reconhecer o mundo assim como o conhecemos e revivemos o nosso passado; assim como o prazer de entrar em mundos que não se conhece e experimentamos sensações que almejamos profundamente, mas que devido às limitações da vida, ao medo das consequências ou à severidade dos nossos princípios nos são proibidos. A ficção pode facultar-nos satisfação sem as consequências dolorosas, dado a não haver preço para o mundo mágico da encenação imaginativa. No nosso sonho imaginário, cada qual permanece o mesmo, mas mais forte, mais afortunado, mais belo que na vida real. A tomada de papéis pode levar-nos ao conhecimento de nós próprios, transporta-nos em última instância à criação do nosso “eu”. O conflito da história evoca um conflito em nós próprios, um juízo de valores, evoca uma sensação esperançada de uma resolução significativa e, com esta, um sentido de liberdade impressionante.

No entanto, para Adams & Heath (2007), os leitores actuais procuram um sentimento de empatia nos livros. Os leitores de literatura tendem a escolher livros com notáveis semelhanças. Temos, neste sentido, livros que se ocupam da “diferença”, onde se cultiva a empatia ao levar os leitores à terrível solidão dos incompreendidos, dos rejeitados e mal-formados. O livro jornalístico, por seu lado, leva os leitores a criar empatia com as personagens sofredoras e sentirem-se elevados, talvez por causa da intensidade dos apuros por que passam as personagens, e daqui provém a catarse do leitor. A culpa é outro dos factores a ter em conta pelos autores literários e leitores, para estes autores, é quase impossível ler um romance sem se deparar com esta emoção.

Adams & Heath (2007) consideram que os leitores procuram respostas para os segredos que os atormentam, mas esquecem-se que não há respostas fáceis para os complexos problemas da humanidade. Muitos dos livros escritos actualmente não são para explorar questões, como ocorria com os textos intemporais, mas para levarem os leitores a procurá-los apenas para

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encontrar respostas directas e confirmações. As leituras actuais, na maior parte das vezes, simplificam em vez de enriquecerem, validam em vez de questionarem, ordenam em vez de sugerirem, respondem em vez de perguntar. É um ciclo vicioso. A literatura actual é um sinal da nossa crescente balcanização cultural. A televisão, a rádio, as universidades e as escolas são cada vez mais monocromáticas.

No que concerne ao género, em estudos efectuados tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos, os resultados demonstraram que as mulheres são as que lêem mais livros de ficção e representam a maioria dos membros dos grupos de leitura (Todd, 2008). Para tal contribui, segundo Long (1986), o facto de as mulheres conseguirem expor de melhor forma a sua opinião através da discussão das suas razões pessoais ao efectuar certa interpretação de um livro, assim como utilizarem um livro para seu auto-conhecimento e revelação do seu “eu” a outros participantes do grupo.