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A Literatura Infantil como um caminho possível

A leitura é reconhecida por estudiosos, dentre eles Orlandi (2001), como um processo que envolve interesse, percepção, sensibilidade, construção e reelaboração de ideias, a partir da experiência de vida de cada um, sendo imprescindível para o processo de aprendizagem na escola. Por sua vez, o uso da Literatura Infantil pode se tornar um valioso instrumento para a imersão no mundo da leitura, influenciando de maneira positiva, motivando a aquisição de conhecimentos diversos. Dentro dessa perspectiva, propomos a reflexão sobre a contribuição da Literatura Infantil para o aprendizado de Ciências na educação básica.

Aprender a ler e desenvolver o hábito da leitura são percursos distintos e complementares durante a vida escolar do aluno. Isso significa dizer que, a partir do aprendizado ou decodificação do código escrito-lido, ocorrido nos anos iniciais do Ensino Fundamental, um novo mundo se descortina e deve ser estimulado, ou seja, o gosto pela leitura.

Segundo Castro (2009), existem dois fatores que contribuem para que na criança desperte o gosto pela leitura: a curiosidade e o exemplo. Enquanto modelo, a leitura deveria estar presente nos lares, assim como a televisão e outros meios de comunicação. Todavia, a autora comenta que, num levantamento realizado pela UNESCO, em 2005, sobre a importância que a leitura exerce na sociedade brasileira, foi constatado que somente 14% têm o hábito de ler, demonstrando que a grande maioria da população não é leitora. Essa deficiência, por sua vez, transfere para a escola a total responsabilidade de ensinar e desenvolver o prazer pela leitura, ou seja, a escola absorveu para si o compromisso solitário de inserção e formação do leitor.

Não podemos desconsiderar que a escola é, sem dúvida, um espaço privilegiado de formação do indivíduo, capaz de desenvolver diferentes formas de estímulo à leitura.

Entretanto, ao analisar a situação em que se encontra a leitura, Saraiva (2001) defende que a escola não tem sido eficaz na formação do leitor, pois esse assume o papel somente de decodificador, ou eventual intérprete, limitando sua atuação às exigências que a escola impõe, sem desenvolvimento de atitudes crítico-reflexivas.

Para Kleiman (1995), a leitura é capaz de auxiliar ou de contribuir para a solução de problemas ligados, inclusive, ao pouco aproveitamento escolar, já que o fracasso na formação de leitores está diretamente ligado ao fracasso geral do aluno no ensino básico.

Faz-se necessário ressaltar que existe, no cenário educacional, nos últimos tempos, um grande debate em torno da importância da leitura na escola, suscitando diversas iniciativas no intuito de reverter tal realidade. Uma prova disso são as inúmeras publicações que o mercado editorial tem oferecido, bem como a promoção de diversos eventos sobre leitura; em meio a tantos debates, a questão sobre o lugar que a literatura para crianças ocupa na escola se tornou imperiosa (MAIA, 2007).

Uma vez que a leitura, principalmente para o leitor iniciante, pode ser capaz de suscitar a curiosidade ou o desejo de ser apreendida, os livros de Literatura Infantil são considerados instrumentos valiosos e podem contribuir significativamente para esse despertar.

Kleiman (1993) comenta que, dentre as diversas fontes de leituras, o livro de Literatura Infantil contribui para o desenvolvimento do hábito de leitura, sendo capaz de propiciar a ampliação da visão de mundo de forma dialógica e aguçar os conhecimentos prévios, num movimento interativo entre leitor e texto escrito. A Literatura Infantil permite que a criança vivencie situações novas, estimula a imaginação e a criatividade, amplia o vocabulário, favorece o acesso à língua escrita e possibilita o desenvolvimento das capacidades cognitivas dos alunos (AMARILHA, 1997).

Estudos realizados sobre as relações existentes entre a escolarização e a Literatura Infantil (SOARES, 1999 apud EVANGELISTA, 2001) apontam duas perspectivas dialéticas:

uma com o objetivo de utilização da Literatura Infantil como auxiliar em atividades de ensino-aprendizagem e encarada como literatura escolarizada; outra destinada à criança para ser consumida como prazer, desejo, no intuito de literalizar a escolarização infantil.

A visão de literatura na escola precisa, contudo, ser bem apropriada, pois, como ressalta Soares (2008, p. 24-25):

[...] a literatura é sempre e inevitavelmente escolarizada, quando dela se apropria a escola; o que se pode é distinguir entre uma escolarização adequada da literatura - aquela que conduza mais eficazmente às práticas de leitura que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores que correspondem ao ideal de leitor que se quer formar – e uma escolarização inadequada, errônea, prejudicial da literatura – aquela que antes afasta que aproxima de práticas sociais de leitura, aquela que desenvolve resistência ou aversão à leitura.

O uso adequado da literatura na escola pode se tornar um espaço maior do que qualquer outro, uma vez que “estimula o exercício da mente; a percepção do real em suas múltiplas significações; a consciência do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis e o estudo e conhecimento da língua” (COELHO, 2006, p. 16).

A literatura deve ser considerada como “verdadeiro microcosmo da vida real transfigurado em arte” (Ibid., p. 15), mesmo em um mundo cada vez mais informatizado, pois

“[...] principalmente a literatura infantil tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação: a de servir como agente de formação, seja no espontâneo convívio leitor/livro, seja no diálogo leitor/texto estimulado pela escola” (Ibid., p. 16).

Ao compreendermos a Literatura Infantil como um importante meio de interação e diálogo com o mundo letrado, pretendemos transpor esse reconhecimento para o ensino de Ciências, de forma a contribuir para a introdução e o aprendizado de conhecimentos científicos.

Essa inserção, por sua vez, segundo Coelho (2006), possibilitaria, através de seu caráter eminentemente lúdico, novas formas de manipulação de fatos e conceitos, de modo que sua plasticidade pedagógica fosse útil a qualquer prática docente, em especial ao ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, sem a visão de instrumentalização que possa ser considerada em relação aos objetivos da leitura.

A conexão entre Literatura Infantil e ensino de Ciências pode ser considerada como possibilidade de intermediar o senso comum e o conhecimento científico (GOULART;

COLINVAUX; SALOMÃO, 2003), de modo que os novos conhecimentos sejam apropriados de forma lúdica e dotados de significações, oriundas do conhecimento de mundo do aluno.

Um dos maiores consensos entre os pesquisadores do ensino de Ciências é que, ao reconhecer a importância da bagagem de informações ou conhecimentos prévios do aluno, o professor poderá propiciar atividades de ensino-aprendizagem capazes de articular conhecimentos preexistentes aos que se deseja ensinar (BIZZO, 2009).

A apresentação dos conhecimentos científicos para os alunos dos anos iniciais, por mais objetivos que possam ser expostos, podem suscitar impressões variadas, oriundas de seus conhecimentos prévios, tais como insegurança, medo, curiosidade, dentre outros. Já a apropriação da literatura conduz a um caminho de maior subjetividade, de ludicidade, e poderá, em interlocução com o ensino de Ciências, contribuir significativamente para o enriquecimento desse aprendizado. Assim, a Literatura Infantil pode auxiliar o ensino de Ciências “por meio da possibilidade de abertura do imaginário e do modo de apresentação de assuntos existentes e a afetiva, por seu caráter inerentemente lúdico, permitindo várias novas formas de manipulação dos fatos e seus conceitos acoplados” (COELHO, 2006, p. 67).

Corroborando com essa informação, encontramos, nas palavras de Bettelheim (1980, p. 78), a importância que a Literatura Infantil é capaz de exercer, ao afirmar que: “uma criança defrontada com problemas e situações cotidianas que lhe causam perplexidade é estimulada, no seu aprendizado, a compreender o ‘como’ e o ‘ por quê’ de tais situações, e a buscar soluções”. Dessa forma, podemos encontrar na leitura de obras literárias oportunidades de prazer, de lazer e de significado, capazes de reconhecer valores estéticos e artísticos que se dão por meio da palavra.

Dentro dessa perspectiva, o papel do professor de Ciências é de fundamental importância, uma vez que precisa reconhecer que a Literatura Infantil pode, de forma prazerosa, auxiliar o aluno na reflexão sobre os próprios conhecimentos, compartilhar informações com seus colegas através da leitura e ser convidado a ampliar seus conhecimentos, na tentativa de procurar novas explicações.

Por sua vez, os critérios de seleção ou a qualidade do livro a ser apresentado devem ser considerados como de relevância, logo após a proposição do conteúdo a ser ministrado.

Silva (1993, p. 5), que se dedica a estudos sobre a leitura e a Literatura Infantil na escola, nos alerta, dizendo que “se o contexto do texto lido não proporcionar uma

compreensão mais profunda do contexto em que o sujeito leitor se situa ou busca se situar, então a leitura perde sua validade”.

Sabemos que não há uma tabela mágica para a escolha do livro de Literatura Infantil a ser utilizado. Os critérios a serem adotados dependerão das experiências, ideologias, critérios pessoais e proposições pedagógicas. Todavia, elementos extrínsecos, como a escolha do assunto e a adequação à idade, e intrínsecos, como a objetividade e a legitimidade das informações, merecem nossa atenção (GÓES, 1991).

O professor de Ciências, ao fazer a escolha do livro de Literatura Infantil como ferramenta pedagógica, precisa estar atento aos conhecimentos científicos que deseja capturar, como estão sendo apresentados e se são reconhecidamente autênticos. Dessa forma, é preciso ter clareza e segurança do conhecimento que se deseja ministrar, pois caso não haja autenticidade nas informações, faz-se necessário, como se refere Brayner (2005), programar maneiras de confrontar esses conteúdos, contorná-los ou superá-los, junto com os alunos.

Em contraponto às ideias de Brayner, defendemos uma postura ainda mais decisiva, pois caso a qualidade do texto não atenta à proposta a que se destina, ou seja, à inserção de conhecimentos científicos reconhecidamente autênticos, o professor deverá recorrer a outras obras, de preferência a partir de um acervo diversificado de títulos, que lhe possibilitem escolher aquela que mais atenda às expectativas exigidas.

Assumimos, assim, a premissa de que o uso da Literatura Infantil em aulas de Ciências da Natureza poderá contribuir significativamente para a inserção de novos conhecimentos, tendo em vista seu valor pedagógico não só para o aluno, como para todo professor que se propuser a utilizá-la. Mas, para que o gosto pela leitura de obras literárias faça parte de uma postura interdisciplinar, faz-se necessário que todo professor seja, antes de tudo, um leitor ativo, pois, como afirma Linsingen (2008, p. 7), “o hábito da leitura deve fazer parte também do educador. Não somente a leitura de livros, artigos e outros textos voltados à sua prática, atividade também muito recomendada, como também dos livros, artigos e outros textos voltados aos estudantes”.

Consideramos que é por meio da compreensão e exercício do hábito de ler, por parte do professor, que poderemos reverter uma situação contraditória existente em nosso país, ou seja, salas de aula repletas de educadores que, apesar de não lerem, tentam ensinar por meio da leitura (ANDRADE, 2004).

Entendemos, assim, que o ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental carece de propostas alternativas capazes de enriquecer o trabalho docente e que a articulação entre Literatura Infantil e ensino de Ciências pode vir a contribuir com o aprendizado de conhecimentos científicos nos anos iniciais, a partir de propostas bem definidas, realizadas pelo professor.

No entanto, ao reconhecermos que a formação inicial para os anos iniciais não tem instrumentalizado, de forma adequada, o futuro professor a lidar com questões diversas, dentre elas, as que envolvem o ensino de Ciências da Natureza, propomos investigar o discurso das professoras, por meio de um processo de formação continuada, sobre alternativas de articulação do ensino de Ciências ao uso da Literatura Infantil, visando à perspectiva de reconstrução da prática docente.

5 METODOLOGIA

O trabalho de pesquisa foi pautado em uma abordagem qualitativa, tendo como propósito “reconhecer a realidade social em que um grupo se insere e o que os distingue não pelo agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes” (MINAYO, 2008, p. 21).

A abordagem qualitativa procura se aprofundar num mundo dos significados ou, como aponta Minayo (Ibid.), num universo não visível que, por sua vez, precisa ser revelado através das interpretações que o pesquisador é capaz de realizar.

Tendo como perspectiva a abordagem qualitativa, esta pesquisa caracteriza-se como um “estudo de caso”, com o objetivo de conhecer em profundidade o objeto de estudo ou, segundo Gonçalves (2005), de descobrir o que há de essencial e característico na situação em estudo. Yin (1990) reconhece que, nos estudo de casos, o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos e podem ser usadas múltiplas evidências em uma situação.

De acordo com Bressan (2000), a opção pelo estudo de caso deve ocorrer em situações em que os comportamentos relevantes não podem ser manipulados, sendo o pesquisador, segundo Yin (1990, p. 19) capaz de “lidar com uma completa variedade de evidências - documentos, gravações, anotações, entrevistas e observações".

André (2005) destaca alguns princípios gerais que são associados ao estudo de caso, tais como: a busca pelas descobertas; a interpretação em contexto; a possibilidade de generalização naturalista (que se desenvolve no âmbito do indivíduo e em função de seu conhecimento experimental); a retratação da realidade de formas múltiplas e a elaboração de dados numa linguagem e numa forma mais acessíveis, ilustrada por figuras de linguagem, citações, exemplos e descrições.

A partir dessa compreensão, a opção por utilizar o “estudo de caso” como forma de investigação foi de fundamental importância para esta pesquisa, pois, ao dar ênfase à singularidade, procuramos retratar, através do discurso do professor, “a realidade educacional em suas múltiplas dimensões e complexidades próprias” (ANDRÉ, 1984, p. 53).

Compreendemos que o professor reconhecer espaços que lhe possibilitem, através do discurso, expor sua bagagem de conhecimentos teórico-práticos, consequentemente o contexto escolar no qual se insere estará sendo retratado e analisado em suas diversas

dimensões.