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1.2 Histórico da Literatura Infantil

1.2.1 A Literatura Infantil no Brasil

No Brasil não foi diferente a trajetória da literatura infantil. Esta também manteve o caráter pedagógico, principalmente com adaptações de textos portugueses. Até quase no século XX,conforme Lajolo e Zilberman (1999, p. 23) “apenas uma ou outra história para criança foi publicada”. Tem-se registro, em 1818, da coletânea de José Saturnino da Costa Pereira com a obra Leitura para meninos (histórias morais) e, em 1848 sai a segunda edição da obra As Aventuras do Barão de Münchhausen (anteriormente editada em 1808). No fim do século XIX, a literatura infantil brasileira sofre influência positiva da própria situação econômica do Brasil. Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, ambos marcados pelo desenvolvimento do ouro e da administração

colonial, respectivamente, viabiliza-se o aumento (se é que se pode dizer) da circulação de livros.O caráter pedagógico da literatura brasileira também vem ligado à situação econômica do país, como se pode ver em Sandroni:

Com relação ao desenvolvimento da literatura destinada a crianças e jovens no Brasil, o primeiro decênio do século XX caracteriza-se por uma reação nacionalista ao domínio, até então absoluto, de Portugal. À importação pura e simples de livros editados na metrópole sucederam-se a tradução das obras de mais sucesso na Europa e a criação de livros destinados à escola num português já abrasileirado que visava a aproximar a linguagem escrita da falada.(SANDRONI, 1986, p. 32)

Da última década do século XIX até a segunda década do século XX, tem-se no Brasil a expansão das cidades, o aumento da população urbana e percebe-se já um fortalecimento de classes sociais intermediárias (antes apenas a aristocracia rural e a burguesia). Este fortalecimento refletir-se-á na cultura e na escola conforme Lajolo & Zilberman:

(...) na medida em que o consumo de livros espelha o padrão de escolarização e cultura com que esses novos segmentos sociais desejam apresentar-se frente a outros grupos, com os quais buscam ou a identificação (no caso da alta burguesia) ou a diferença (os núcleos humildes de onde provieram).

(LAJOLO & ZILBERMAN, 1999, p. 27)

Com desejo de apresentação dos novos grupos sociais que se formaram, começava a surgir mercado consumidor para os livros, este, aberto pela disposição de jornalistas, escritores e professores e destinado principalmente ao corpo discente das escolas, impulsionado pelos editores que descobriram nesse mercado um novo “filão” lucrativo.

Outro aspecto importante a destacar-se é o de que até então, em sua grande maioria, a literatura infantil provinha de traduções feitas por escritores brasileiros de obras clássicas européias, algumas muito importantes e belas. No entanto, o que caracterizava negativamente era o fato de que circulavam muitas vezes em português e nem sempre correspondiam ao vocabulário “brasileiro”, dessa forma, o sentido era prejudicado. Para Lajolo & Zilberman (1999, p. 31) “ esta distância entre a realidade lingüística dos textos disponíveis e a dos leitores é unanimemente apontada por todos que, no entre-séculos, discutiam a necessidade da criação de uma literatura infantil brasileira”.

Como dito acima, os livros em sua maioria eram traduções de literatura européia; o Brasil também adotou o modelo vigente nessa literatura: o de que a escola e o texto infantil vinham a ser aliados imprescindíveis na formação dos cidadãos. Em muitos a grande lição era “a de que o trabalho, o amor à pátria e a dedicação à família, aos mais velhos, aos mestres e à escola são os penhores da felicidade” (Lajolo & Zilberman, 1999, p. 33).

A literatura infantil brasileira vai marcando seu terreno na construção da criança. Antes, as mães contavam histórias e, agora, os livros fazem isso.

Tem-se como principal nome ligado à gênese da literatura infantil brasileira o escritor Monteiro Lobato. É a partir dele que surge a literatura realmente “brasileira”. Este escritor proporciona além do aspecto “instrutivo” da literatura, principalmente o aspecto de nacionalismo nas suas obras dedicadas às crianças e jovens. O ambiente do sítio do Picapau Amarelo, criado pelo autor, era habitado por fabulosos personagens como Visconde, Emília, Quindim e Rabicó, criados pela magia do encantamento. Também não se pode desconsiderar a importância do Jeca Tatu, um personagem

marcante na vida literária e editorial nacional. A importância de Monteiro Lobato como precursor da literatura é assim afirmada por Cunha:

Com Monteiro Lobato é que se tem início a verdadeira literatura infantil brasileira. Com uma obra diversificada quanto a gêneros e orientações, cria esse autor uma literatura centralizada em alguns personagens que percorrem e unificam seu universo ficcional.

(CUNHA, 1989, p.24)

Monteiro Lobato também traduziu fábulas, lendas, contos de fada, além de obras didáticas. Segundo o professor e mestre em Literatura brasileira, Manoel Cardoso, Lobato é imprescindível para o estudo da literatura infanto-juvenil brasileira:

O importante em Lobato é a consciência de mundo (universo), pois é através do conhecimento do que se escreve para a criança, desde os primórdios, com Esopo e Fedro, passando pela mitologia grega, com seus heróis, até chegar ao minimundo de um sítio, que cresce, se agiganta, através do inter-relacionamento com o vasto mundo que o procedeu. (CARDOSO, 1991, p.45)

Na verdade, Lobato recriou as fábulas dando a elas características da fauna nacional e trouxe, através das histórias de D. Benta, o direito da criança (como faziam os personagens do Sítio do Picapau) de opinar, recurso esse que para Cardoso (1991, p. 23) “substitui ao surrado moral da fábula, trazendo contribuição didática de que cada um é capaz”.

Monteiro Lobato retratou com fidelidade a sociedade brasileira da época, manifestando preocupação com as questões sociais.

O difícil em Lobato é encontrar o que é mais cativante para as crianças e para os adultos em sua obra. Têm-se os personagens tão bem criados e humanizados, a sabedoria do Visconde de Sabugosa e sua submissão à boneca Emília, por quem nutria uma paixão que talvez justificasse esta submissão. Tem-se a própria Emília, a boneca

de pano autoritária, que tudo questiona, dona de si e, quem sabe, encarregada das primeiras lições feministas? Pode-se pensar que a atração estava justamente na curiosidade que as crianças do Sítio do Picapau tinham e que se confundia com coragem ou ausência de medo.

Há muitos aspectos especiais nas estórias de Lobato. Não há como esquecer da linguagem. Não havia em sua obra preocupação em escrever usando uma linguagem simplificada para facilitar o entendimento da criança. Há palavras difíceis, construções elaboradas sem prejuízo algum do sentido, o que, em comparação com muitas obras lidas hoje, representa respeito ao conhecimento da criança e não desmerecimento.

A escritora Fanny Abramovich (1983) recolheu muitos depoimentos sobre a influência de Lobato, o que ele significou na infância, na vida de jornalistas, professores, escritores, amigos; Caio Graco fez uma observação merecedora de destaque:

Lobato era um militante convicto que queria modificar o mundo! Através de gente velha, já estava ficando cansado, porque era inútil... Era preciso escrever para crianças, pois só elas poderiam mudar este mundo, tão precisado de transformações... E uma coisa é claríssima na obra de Monteiro Lobato: ele sabia o que estava fazendo, sabia quais eram as suas intenções.

(ABRAMOVICH, 1983, p. 34)

Hoje, a literatura infantil no Brasil vai muito bem. E muito disso, deve-se a Lobato, a escola e aos seus professores. Lobato rompeu de certa forma com a visão clássica de educação moralista adotada como já dito anteriormente dos preceitos europeus. A qual visava muito mais à obediência e jugo aos pais e à religião do que a desenvolver criatividade, imaginação, dar prazer ou fazer a criança gostar de ler. Para Cardoso (1991, p. 13) “essa visão maniqueísta, calcada nos interesses do sistema, foi

rompida apenas por Lobato ao criar Emília, que por ser uma bruxinha de pano, pode ser ela mesma (grifo do autor): irreverente, mordaz, curiosa (...)”.

Para comprovar a real importância que Lobato tem para a literatura brasileira, (lembrando que não se pode encerrar Lobato em nenhum momento) em especial à infantil, recorremos à Abramovich:

Esse autor de 24 livros infantis (editados em 17 volumes), milhares de exemplares por ano, que nunca soube ao certo quantas traduções fez, para espanto geral, quase não consta das antologias literárias. Deste que foi (e é) o nosso maior autor nacional infantil, só se escuta uma lástima generalizada: Que pena que morreu... Já imaginou o que ele estaria gozando agora? Já pensou pra onde se dirigia a sua irreverência, a sua crítica aguda, o seu humor desenfreado, neste momento de realismo fantástico que vivemos? (ABRAMOVICH, 1983, p. 38)

As palavras da autora corroboram para enfatizar o que se afirmou quanto a inegável contribuição que Lobato teve para com o universo literário infantil brasileiro.