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CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZANDO O PERÍODO HISTÓRICO DO BRASIL (1930 1940)

1.6 A luta pela hegemonia nos anos 1920 e 1930: os comunistas

A contribuição do Partido Comunista Brasileiro (PCB) para a organização da classe trabalhadora brasileira foi fundamental nesse período que estudamos. Este partido entendia e defendia a importância da luta política, não ficando apenas no campo da ação sindical, confrontando-se com a burguesia na disputa pelo controle do Estado.

Conforme entendimento de Sodré (1984, p. 28), o surgimento do PCB foi importante e fundamental para o “[...] processo de formação da classe operária brasileira e do desenvolvimento de suas lutas. Sua fundação respondeu a uma exigência do movimento operário, que já mostrara, nas primeiras décadas do século XX, a carência de um partido operário revolucionário”. Ou seja, com o enfraquecimento e limites das propostas dos anarquistas, a fundação de um partido que representasse os operários na disputa pela conquista do poder de

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Estado e enfrentasse as questões concretas da classe, apontando para a construção de uma sociedade socialista, foi fundamental.

Para Sodré (1984, p. 29), como “um elemento de importância crescente” é a classe operária que se

[...] formava então, era constituído por imigrantes estrangeiros. Muitos milhares destes – italianos, mas também espanhóis, portugueses, poloneses etc, – que vieram para o Brasil, encaminhados às fazendas de café, não se submeteram às condições semiservis do trabalho nos latifúndios cafeeiros e dirigiram-se para as cidades, notadamente São Paulo, à procura de emprego. Em sua maioria, tratava-se de antigos artesãos arruinados ou de operários desempregados, em seus países de origem, e muitos deles haviam ali adquirido experiência da organização e de luta, no movimento reivindicativo; frequentemente, eram adeptos de idéias socialistas, embora com acentuada tendência para as concepções pequeno-burguesas do anarquismo. Não obstante, por sua combatividade, seu nível cultural mais alto, sua experiência, representaram contribuição importante no processo de formação do proletariado como classe.

Também Carrion (2010, p. 41), ao analisar o enfraquecimento do anarco-sindicalismo e o surgimento do partido comunista, entende o seguinte:

Esse processo decorreu, em primeiro lugar, da falência do anarco-sindicalismo, que dirigiu as grandes lutas do proletariado brasileiro na segunda década do século 20 – como as greves gerais de 1917 e 1919 e a insurreição anarquista de 1918 – levando-as a um beco sem saída. Nesse sentido, o Partido é herdeiro direto dessas grandes mobilizações operárias. Em segundo lugar, o surgimento do Partido Comunista do Brasil é o resultado natural do amadurecimento político das lideranças mais avançadas do movimento operário brasileiro de então que – ao tomarem conhecimento da Revolução Russa, das conquistas do poder soviético e da teoria marxista – perceberam a impotência do anarquismo, com o seu espontaneísmo, sua fluidez orgânica e seu apoliticismo.

Ao comentar sobre o processo de fundação do PCB, Astrogildo Pereira, nos informa que, “O Partido Comunista do Brasil, nasceu das lutas operárias que agitaram o país durante os anos de 1917 a 1920 e se formou sob a influência decisiva da Revolução Socialista de Outubro. O que quer dizer que nasceu e se formou já na época das guerras imperialistas e das revoluções proletárias” (op.cit.1979, p. 44).

Ao analisar o processo de fundação do PCB, Segatto (1989, p. 23) entende que esse fato político foi importante para o proletariado brasileiro, pois significava a “[...] abertura de perspectiva de superação do espontaneismo, do economicismo, da dispersão, do doutrinarismo abstrato, etc, no sentido da organização centralizada, com uma linha política definida e cientificamente fundamentada, e com vistas à transformação revolucionária da sociedade”.

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Ao também analisar a fundação desse partido, Ruy (2010, p. 29) observa:

A fundação do Partido Comunista do Brasil é um marco do movimento operário e da vida do povo brasileiro; não foi um acontecimento fortuito, mas correspondeu às necessidades históricas do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, que deu novos rumos à luta de classes. Os trabalhadores realizavam greves combativas, com manifestações de rua onde reivindicavam seus direitos. Sua criação resultou da conjugação de três fatores principais – a formação e relativo crescimento do proletariado brasileiro, o exemplo da Revolução Russa de 1917 e a influência da Internacional Comunista, fundada em 1919, e a crise do anarco-sindicalismo.

O Partido Comunista vai se fortalecendo no decorrer dos anos 1920, pela sua inserção no meio operário e também em decorrência dos limites do anarquismo, da sua “debilidade ideológica e política [...] que negava a organização política, procurando enfrentar o Estado através da ação direta, e vendo, na greve geral, a forma de destruir o capitalismo e implantar a autogestão social – foi posta a nu” (SEGATTO, 1989, p. 21).

Para Ruy (2010, p. 39), a Internacional Comunista:

[...] influenciou a criação de partidos comunistas em todos os países; no Brasil não foi diferente, tendo havido contatos entre representantes da IC e líderes proletários brasileiros. Foi por influência dela que o Grupo Comunista do Rio de Janeiro começou a publicar, em 1922, a revista Movimento Comunista, que aderiu ao programa da IC e assumiu a tarefa de organizar o Partido Comunista do Brasil.

Como já exposto, Vargas e a burguesia brasileira tinham razões suficientes para se preocuparem com os comunistas, pois a experiência revolucionária soviética levou-os poder. Consideramos que foi uma possibilidade que se concretizou a partir da luta e disputa de hegemonia, segundo entendimento também de Braga. Essa autora observa ainda que “[...] foi um projeto histórico que se chocou com os interesses do capital, fortemente mobilizados para fazer valer a sua racionalidade como horizonte da totalidade social” (BRAGA, 2005, p. 30).

Com relação à postura da igreja católica nesse período, em seus estudos, Simão esclarece:

A Igreja Católica, no entanto, visando contribuir para a preservação da ordem social e do privatismo patronal, no estabelecimento das condições de trabalho, adotou o mutualismo como forma sucedânea da greve para propiciar melhorias de vida aos trabalhadores. Os centros operários católicos, a partir de 1917, passaram também a solicitar melhorias nas condições de trabalho, mas através de acordos pacíficos com o patronato e da aprovação de leis sobre a matéria rejeitando a técnica dos conflitos coletivos de trabalho. Naquele ano, o congresso dessas associações deliberou apresentar ao governo a solicitação de

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medidas protetoras de trabalho e, em 1920, o Centro Operário Católico Metropolitano comunicava ser contrário à greve interprofissional ocorrida nesse ano, orientada pela Federação Operária (SIMÃO, 1966, p. 116-117, grifo nosso).

Sobre as condições de vida da população nesse período, Pereira (1979, p. 45) nos informa que houve:

[...] larga agitação popular em diversas cidades brasileiras, realizando-se numerosos comícios [...] promovidos pela COB. No Rio, cerca de quinze comícios de bairro foram efetuados, em preparação do comício central no Largo São Francisco, a 16 de março de 1913, do qual participou uma multidão superior a dez mil pessoas [...]. Péssimas condições de trabalho, certos sinais de crise, a carestia crescente – eis os fatores que forçavam a classe operária a lutar em defesa dos seus interesses mais elementares. [...] crescia a sua combatividade, de que foi exemplo típico a greve nas Docas de Santos (1912), durante a qual se registraram sérios choques entre a polícia e os grevistas.

A situação era alarmante, pois, sempre após as manifestações, protestos e greves, vinha a forte repressão, perseguindo e prendendo lideranças dos movimentos, levando a um arrefecimento da luta. Sobre isso, Ruy (2010, p.38) comenta:

Entre 1920 e 1921, muitos sindicatos desapareceram ou se enfraqueceram; muitos jornais operários fecharam, o movimento grevista perdeu intensidade. O anarquismo perdia terreno: em 1924, havia 35 mil trabalhadores sindicalizados no Rio de Janeiro. Dos quais 3.500 estavam filiados a sindicatos comunistas, 1.500 a sindicatos anarco- sindicalistas, e a maioria a sindicatos “amarelos” (pelegos), “trabalhistas” e independentes.

Se não bastasse toda essa situação política, a organização combativa dos operários enfrentava a postura conservadora e reacionária dos sindicatos com ligação à igreja católica. O sindicalismo amarelo era a denominação dada para este tipo de postura política, ou seja, o peleguismo. Segundo Karepovs:

O sindicalismo amarelo ou reformista não representava uma corrente política específica. Pelo contrário, era um agrupamento dos mais variados campos ideológicos: socialistas reformistas, sindicalistas, republicanos, positivistas, cooperativistas. Suas diferenças eram minimizadas com uma visão sindical em que a greve era considerada como um recurso extremo; as conquistas trabalhistas eram buscadas por meio de medidas legais – apelando-se aos serviços de advogados, políticos, representantes dos poderes públicos - buscava-se constituir sindicatos fortes e ricos, tendo a beneficiência como forma de assegurar associados e recursos; e por tentar conquistar espaços de participação institucional lançando candidatos próprios nas eleições parlamentares ou apoiando candidatos que se comprometessem com a defesa de seus interesses específicos (KAREPOVS, 2006, p. 23).

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Ou seja, seria mais uma luta dos comunistas, sendo que, em seu próprio meio de trabalhadores, uma orientação religiosa conservadora “atrapalhava” a luta social. Além disso, o Partido Comunista enfrentava a debilidade teórica e formativa do proletariado nacional. Se os problemas de sua organização eram muitos, a disposição de luta não faltava (RUY, 2010, p. 36).

O ingresso da ala esquerda do “tenentismo” no partido de Luiz Carlos Prestes, Agildo Barata, Dinarco Reis e outros”, foi fundamental para colocá-lo no “[...] curso principal do movimento revolucionário brasileiro. Entretanto, foram portadores de um viés conspirativo e militarista que influenciou de forma duradoura a política partidária” (RUY, 2010, p. 36).

Já na década de 1930, o PCB inicia nova tática, buscando agregar:

[...] todos os setores que se colocavam contra o movimento de direita, fascista sob direção de Plinio Salgado. Deste movimento contra o avanço das forças reacionárias no Brasil surge em 1935 a ANL – Aliança Nacional Libertadora, transformando-se “[...] em um amplo movimento de massa, alcançando uma amplitude nunca antes vista na história do Brasil. Dela participaram comunistas, socialistas, liberais, etc, incluindo-se aí operários, elementos de classe média, militares, burgueses e outros”, o que demonstra a amplitude deste movimento, mas torna-se importante destacar que quanto mais o governo Vargas ameaçava a ANL, mais a repressão rondava as portas do movimento é que lideranças iam caindo fora do barco, ficando praticamente só os comunistas (SEGATTO, 1989, p. 45).

Torna-se importante destacar, neste tópico, o entendimento de Vianna (2010), expresso em entrevista concedida à Fundação Mauricio Grabois. Essa pesquisadora entende que a ANL não teve nenhuma influência da Internacional Comunista (IC). Para ela:

A ANL só teve origens nacionais. Ela surgiu a partir das lutas contra o integralismo, que foram duramente reprimidas. Desde o final de 1934 que os tenentes descontentes com os rumos da revolução de 1930 começaram a organizar a frente. O comandante da Marinha, Roberto Sisson, o principal idealizador da Aliança, resumiu sua origem – que não teve NADA a ver com o PCB. Sisson diz que ele e os tenentes que fundaram a ANL eram nacional-libertadores que lutavam pelo povo, com uma finalidade nacional: "a defesa antiimperialista do Brasil". Seu ideal era "nacional e popular", jamais tendo pensado em um regime comunista para o país. Explicava que se criara entre aquele grupo de tenentes um forte sentimento nacionalista e antiimperialista, sendo o imperialismo, inclusive, o responsável pela fraqueza das Forças Armadas.

Vianna nos informa ainda que os tenentes dissidentes da Revolução de 30 tiveram maior “destaque na organização da ANL, o que deu à organização uma projeção política e uma articulação nacional derivadas de suas experiências de luta e de seu prestígio”. Para a autora, a história da ANL teve início em 1934, sendo que a primeira referência a ela é de janeiro de 1935,

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mas existiram tentativas de formação de frentes anti-fascistas nos anos anteriores, especialmente em 1934:

Seu lançamento, em março de 1935, foi o coroamento de um processo de lutas, de organização e acumulação de forças por parte dos setores antifascistas da sociedade. Passou pelo movimento grevista da classe operária, pelas discussões de programas de ação entre grupos e partidos de esquerda e pelos tenentes inconformados com os rumos que tomara o movimento de 1930 – lideranças, grupos e reivindicações que encontraram um denominador comum na luta contra o integralismo e a Lei de Segurança Nacional. (VIANNA, 2003, p. 32).

Quanto mais crescia a ANL, mais forte se tornava o movimento que contestava e denunciava a mesma de ser comunista, antidemocrática e contra os interesses na nação. Konrad (2010, p. 65) entende que, com a ANL, milhares de brasileiros puderam, de fato, participar de um movimento político “que colocou as bases da luta pela libertação e desenvolvimento soberano da nação”. Esse autor entende ainda que tal movimento contribuiu para que a classe operária rompesse com “o isolamento político, ao participar de uma frente ampla e popular, que contou com a adesão de intelectuais, militares e outros setores de assalariados, além da pequena burguesia”.

Em 1935, o movimento é posto na ilegalidade por Vargas, surgindo grupos em diversos pontos do país, ocorrendo uma radicalização dos grupos remanescentes, especialmente dos comunistas dirigidos por Prestes, e o encaminhamento para a luta armada, que explodiu em Natal, Recife e Rio de Janeiro

[...] através do 21º Batalhão de caçadores, que tomou o governo estadual por uns poucos dias; no dia seguinte, o movimento insurrecional estoura no Recife, no 29º Batalhão de caçadores, com os amotinados mantendo a cidade em estado de guerra por três dias, sendo depois desbaratados ou se dispersando pelo interior; e no dia 27 a insurreição irrompe no Rio de Janeiro, sublevando o 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, sob o comando de Agildo Vieira de Azevedo, sem ao menos conseguir sair às ruas (SEGATTO, 1989, p. 48).

O Estado age rapidamente contra a ANL, derrotando o movimento dos comunistas em 1935, pois a aparato era forte e sem trégua para aqueles que lutavam pela democracia. Além disso, os comunistas defendiam abertamente o processo revolucionário e a transformação da sociedade brasileira no momento em que se fortalecia internacionalmente o movimento contra o comunismo. A burguesia vai se fortalecendo também no interior dos aparelhos do Estado,

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conquistando espaços, no Estado Novo, apoiando abertamente as medidas autoritárias e repressoras. Segatto nos informa como foi esse processo:

Desse momento em diante, o PCB em particular, e o movimento operário e outros setores progressistas em geral, sofrerão violenta repressão, que durará vários anos. Há um grande número de prisões, vários assassinatos, e muita gente se exilando. São criadas polícias especiais e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). [...] Com isso estava aberto o caminho para a implantação do Estado Novo, em 1937, instaurando um regime de ditadura aberta (SEGATTO, 1989, p. 49).

Nessa mesma linha de raciocínio, Vianna (2003, p. 59) nos informa que “[...] com o fechamento da ANL a organização esvaziou-se, só continuando nela os comunistas e os tenentistas que estavam dispostos a lutar até o fim por uma revolução nacional-libertadora, como vinham fazendo desde 1922”. A maior repressão ocorreu após os levantes armados de novembro de 1935.

Se a situação dos trabalhadores diante da postura autoritária dos industriais e do Governo Vargas não era das melhores, após 1937, com a decretação do Estado Novo, as organizações dos trabalhadores e as lideranças comunistas foram perseguidos ainda mais, sendo os de origem estrangeira deportados. Lembramos que, mesmo antes do Estado Novo, Vargas já tinha deportado Olga Benário.

Contrapondo as versões liberais, que entendem ser o levante de 1935 o responsável pela instalação do Estado Novo, Vianna (2010) é enfática, afirmando que essa versão liberal não tem fundamento, pois

Getúlio sempre teve planos continuístas. Em 1935, quando chegaram ao Rio as notícias dos levantes no Nordeste, as preocupações de Vargas – como mostra sua correspondência na ocasião – era com e sobre Flores da Cunha, que ameaçava seus planos continuístas. No final de 1935, a frente contra Getúlio era grande, incluindo seu próprio patrono, Borges de Medeiros. O que Getúlio fez foi usar a “Intentona” em seu proveito, e uniu em torno de si toda a oposição a seu governo.

Diante do quadro de perseguição e forte repressão ao Partido Comunista, sua direção reduzida a um secretariado nacional, decidiu-se pela sua transferência para Pernambuco e depois para a Bahia. Em alguns Estados foram criadas direções; no entanto, em decorrência da repressão, os contatos eram praticamente inexistentes. “A repressão continuava agindo. Em 21 de abril de 1937, em São Paulo, no governo de Armando de Salles Oliveira, aconteceu o massacre

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dos presos do Maria Zélia, antiga fábrica paulista transformada em presídio político. Ali foram assassinados quatro presos e muitos outros foram feridos, acusados de tentar escapar” (KONRAD, 2010, p. 66).

A partir de então, Vargas passa a governar de forma autoritária, dispensando:

[...] o apoio de movimentos da sociedade civil. A centralização do poder em suas mãos era garantida por vários dispositivos inseridos na nova carta constitucional. Tanto o executivo estadual quanto o municipal passaram a ser exercidos por interventores nomeados diretamente pelo poder central. Pelo artigo 180 Vargas assegurou o direito de governar por decretos-leis, de forma autoritária, sobre matérias de competência do legislativo. Os atos emanados do poder central buscavam, em todas as frentes, consolidar uma estrutura corporativista, apresentada como caminho para a modernização e eficiência operacional, requerida pelo país naquele momento histórico (SENAI, 1991, p. 68).

Concluimos este tópico observando que a classe operária e o PCB foram violentamente perseguidos. No entanto, não se calaram diante das diversas formas de repressão. A disputa de hegemonia esteve fortemente presente nesse período, sendo que a luta se deu de diversas formas, denunciando as arbitrariedades do Estado, lutando em defesa dos operários e contra os patrões, divulgando as ideias de uma sociedade diferente.