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3. O HUMANO RESPONDENTE

3.1 A má consciência novamente

O não captável, não representável, o inadequado a consciência, a afetividade do ser- no-mundo enquanto não indiferença ao outrem, ao absolutamente outro, diante do rosto do outro, da relação face-a-face, sem interstícios, não há a possiblidade de desviar-lhe a face,

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FRANKL, V. Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 150.

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como único e eleito. “Apelo de Deus que não instaura entre mim e Ele que me falou relação:

ele não instaura o que, por qualquer motivo, seria conjunção - coexistência, sincronia, mesmo que ideal – entre termos.”235 A glória e a ideia de Infinito refletem um além do ser, no qual o apelo de outro significa que sou enviado, assignado pelo a Deus não processo do ser e consciência ainda da perseverança ontológica. A consciência que é reivindicada por Deus no rosto do próximo, neste tempo de temer a injustiça mais do que a própria morte, um não- retorno a si e sobre a soberania do eu, mas a deposição do eu soberano diante da má- consciência de uma questão moral, mais fundamental que o ser.

Questão ontológica que põe em razão ingênua a facticidade da existência temporal: compreender o ser enquanto ser é o existir?236 A tensão que se cria na condicionalidade do ser, do seu lugar aqui embaixo, pela qual não são somente oferecidos à intelecção como ato abrupto de intelecção do fato, e que se aplica ao comportamento humano, mais do que na teoria.

O homem inteiro é ontologia. Sua obra científica, sua vida afetiva, a satisfação de suas necessidades e seu trabalho, sua vida social e sua morte articulam, com um rigor que reserva a cada um destes momentos uma função determinada, a compreensão do ser e da verdade.237

Por isso, a ontologia tomada nesta confusão entre vida e filosofia, do engajamento deste ser no mundo, de manejar os utensílios neste lugar embaixo, abarcar uma viragem em que o pensar não é mais contemplativo, mas abarcado por acontecimento dramático. Mas todo acontecimento cômico de nosso corpo próprio, pois ele é habilmente afeito para deixar os riscos e os traços de sua passagem pelos gestos bruscos. O ato nunca é puro, pois deixa vestígios, mesmo quando o são apagados deixam outros vestígios. Assim, pelos vestígios de outrem, é que somos responsáveis além de nossas intenções, em que o ato de olhar que dirige o ato possa evitar a ação por inadvertência. Nossa relação com a consciência não esgota nossa relação com ela por não coincidirmos com nossa habitação e nem tão pouco com Deus.238 Portanto, o acontecimento que se articula pelo verbo existir em sua transitividade, reporta uma inteligibilidade do ser na própria descrição da essência da verdade. Toda a incompreensão, obscuridade é visto como modo deficiente.

O absoluto da presença do Outro que justificou a interpretação de sua epifania na retidão excepcional do tutear não é a simples presença onde, em fim de conta, estão bem presentes as coisas. Sua presença pertence ainda ao presente de minha vida. Tudo o que

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LEVINAS, E. De Deus que vem à ideia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008a, p. 232.

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Cf. Id. Entre nós: ensaios sobre alteridade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2010b, p.22.

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Ibid. p. 22.

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constitui minha vida com seu passado e seu futuro é reunido no presente em que me vêm as coisas. Mas é no vestígio do Outro que reluz o rosto: o que se aí se apresenta está por absolver-se da minha vida e me visita como já absoluto. Alguém já passou. Seu vestígio não significa seu passado, como não significa seu trabalho, ou seu gozo no mundo, ele é o próprio desordenamento que se imprime (sente-se a tentação do dizer que se grava), por irrecusável gravidade.239

Mais do que o vestígio do Outrem, o humano é o único ser de expressão, de saudação, em que o pensamento é inseparável da expressão e estabelecer uma relação irredutível pela compreensão do ente como tal e que lhe ofereço minha compreensão diante dele como tal.

A relação com outrem, portanto, não é ontologia. Este vínculo com outrem que não se reduz à representação de outrem, mas à sua invocação, e onde a invocação não é precedida de compreensão, chamo-a religião. Essência do discurso é a oração. O que distingue o pensamento que visa a um objeto de um vínculo com uma pessoa é que neste se articula um vocativo: o que é nomeado é, ao mesmo tempo, aquele que é chamado.240

Longe de uma compreensão, mas de uma sociabilidade que anuncia uma relação com homens, que se afasta de todo exercício do poder e se logra a alcançar o Infinito em que o homem é acessível não por ardil da inteligência e da posse, mas pela sinceridade do rosto.

Assim a desorientação do epifenômeno do rosto, a desestabilização do eu em sua tranquilidade e quietude, frente ao rosto que fala em que se projeta a significância do vestígio do que responde a um passado irreversível e imemorial, um além do ser, do além que vem o

rosto. A eleidade é a inexprimível irreversibilidade e que está fora da dissolução. “(...) esta “eleidade” não um “menos que ser” em relação ao mundo em que o rosto penetra; mas é toda a enormidade, todo o “desmesuramento”, todo o Infinito do absolutamente Outro, escapando da ontologia.”241

O vestígio, o passado daquilo que sinalizou, mas de forma especial ele dobra a significância do sinal emitido em razão da comunicação deste sinal. Vestígio desta transcendência, como escape do ser, mas de permanência no mundo, produzem efeitos e permanecem no mundo, em que tudo é exposto e ambígua unidade entre causa e efeito permanece. Por isso, o vestígio como vestígio refere-se ao sem passado da consciência, e mais do que passado, ao passado ainda mais afastado onde reúne todos os tempos, para o passado absoluto do Outro.

Claro que mais sobre uma ambiguidade em Levinas, do que propriamente em Frankl, mas entrelaçados pela sabedoria geral da vida, o construto do sentido, que coloca uma

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Cf. LEVINAS, E. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 2009b, p. 66.

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Id. Entre nós: ensaios sobre alteridade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2010b, p. 28.

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subversão da ordem social, como alternativa política sem torna-se outra ideologia ou esvaziamento pelo modismo, mas relação com o Infinito, no que não se detém a outra

tematização, no constante perscrutar da lei. “Mandamento na nudez e miséria do outro que

ordena a responsabilidade pelo outro: além da ontologia.”242