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2.6 O movimento do processo oral no Brasil: do Código de Processo Civil de 1939 ao

2.6.1 A manifestação dos subprincípios da oralidade no CPC/39

Conforme consta da Exposição de Motivos do CPC/39, a adoção desse Código Processual unificado se deu em um momento no qual “clamava-se por uma reforma de base, orientada nos princípios da oralidade e da concentração” que, inclusive, chegou a ser defendida por Rui Barbosa, João Martins Carvalho Mourão, José Viriato Saboia de Medeiros e Francisco Morato.109

Assim, mesmo sendo muitas as críticas dirigidas ao CPC/39110, fato é que o referido Código “procurou estar na linha da história da processualística civil” e deu, no Brasil, “uma nova dimensão científica para o estudo do processo”.111 Como destacam Picardi e Nunes, o CPC/39 tentou adaptar as tendências mais modernas do direito processual civil europeu às tradições brasileiras e, para isso, considerou com destaque “as tendências da Civilprozessordnung austríaca de 1895, o Projeto Chiovenda de 1919 e o Código de Processo Civil português de 1926”.112

108. ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. v. 1. E-book. p. 153.

109 BRASIL. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1939. 1939. Disponível em:

https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=https%3A%2F%2Fwww2.camara.leg.br%2Flegin%2Ffed%

2Fdeclei%2F1930-1939%2Fdecreto-lei-1608-18-setembro-1939-411638-exposicaodemotivos-pe.doc&wdOrigin=BROWSELINK. Acesso em: 09 nov. 2021.

110 Para verificar o teor das críticas, conferir seção 4.1.2 do presente trabalho.

111 MAIA, Renata Christiana Vieira. A efetividade do processo de conhecimento mediante a aplicação do processo oral. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. p. 50.

112 PICARDI, Nicola. NUNES, Dierle. O Código de Processo Civil Brasileiro: Origem, formação e projeto de reforma. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 190, a. 48, p. 93-120, abr./jun., 2011. Disponível em:

https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/48/190/ril_v48_n190_t2_p93.pdf. Acesso em: 26 out. 2021. p. 94.

Como se vê, o Projeto Chiovenda – calcado nas ideias de processo oral que viriam a ser adotadas no Código Processual italiano de 1940 – foi um dos trabalhos que inspirou o CPC/39 e que informou a adoção da oralidade no direito processual civil brasileiro.

Nesse sentido, na linha do que Maia apresenta113, o CPC/39 conta com diversos dispositivos legais que atestam a adoção da oralidade e dos princípios informadores do processo oral já defendidos por Chiovenda na Itália.

Em primeiro lugar, o art. 245 do CPC/39 consagra a realização de atos orais. Os arts.

246, 267 e 268, por seu turno, atestam a adoção do princípio da imediação ao assumirem como dever do juiz a condução da audiência e a tomada de depoimentos testemunhais.

O art. 120 do CPC/39 consagra também o princípio da identidade física do juiz. Assim, estabelece que o juiz transferido, promovido e aposentado deverá concluir o “julgamento dos processos cuja instrução houver iniciado em audiência”. A exceção a essa regra se daria nos casos em que “o fundamento da aposentação houver sido a absoluta incapacidade física ou moral para o exercício do cargo”. Além disso, o art. 120 dispõe que “o juiz substituto, que houver funcionado na instrução do processo em audiência, será o competente para julgá-lo, ainda quando o efetivo tenha reassumido o exercício”. Por fim, o parágrafo único do referido artigo estabelece que “Si, iniciada a instrução, o juiz falecer ou ficar, por moléstia, impossibilitado de julgar a causa, o substituto mandará repetir as provas produzidas oralmente, quando necessário.”114

Se nota, portanto, que o subprincípio da identidade física do juiz foi adotado praticamente sem exceções. A noção de que o juiz que colhe as provas deve ser o mesmo juiz que prolata a decisão é levada ao extremo, isso porque nos casos de moléstia e falecimento do juiz “originário” é necessário que o novo julgador repita as provas já produzidas no processo para apenas posteriormente proferir a decisão judicial.

Os arts. 112 e 270 do CPC/39, por seu turno, consagram o princípio da concentração dos atos processuais. Assim, muito além de se estabelecer a necessidade de assegurar o rápido andamento da causa, o Código ainda preconiza a realização de audiência una, na qual, pelo menos em tese, deveria ser realizada a instrução, o debate e o julgamento em apenas uma audiência.

113 MAIA, Renata Christiana Vieira. A efetividade do processo de conhecimento mediante a aplicação do processo oral. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. p. 51.

114 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Coleção de Leis do Brasil, 31 dez. 1939. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del1608.htm.

Acesso em: 26 set. 2021.

Por fim, o art. 842 consagra hipóteses restritas para a interposição do agravo de instrumento. Nesse sentido, muito embora não tenha sido adotada a ideia de Chiovenda, segundo a qual as decisões interlocutórias seriam irrecorríveis, fato é que esse subprincípio foi adotado de modo mitigado pelo CPC/39. Isso porque, como dito, o rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento naquele Código era restrito.115

Em que pese a adoção expressa do princípio da oralidade, em artigo escrito em 1951, Castro Filho afirma que “mais de onze anos de prática do processo oral ainda não bastaram para vencer a praxe milenar do processo marcadamente escrito sob o qual vivíamos até 1939”. O autor menciona, ainda, que parecia haver uma preferência por parte dos juízes no sentido de resolver o processo “em casa, e não na audiência e nem mesmo no Palácio da Justiça”.116

Assim, a partir das afirmações de Castro Filho fica evidente que já nos anos 1950 eram percebidos os “desvios” na adoção do princípio da oralidade pelo CPC/39.

Humberto Theodoro Jr., sobre esse tema, registrou que os princípios da concentração, da imediação e da identidade física “em vez de estimular a rápida solução do litígio, não raro

115 Nesse ponto, é interessante pontuar que as discussões acerca das restritas hipóteses de cabimento do agravo de instrumento previstas no art. 1.015 do CPC/15, chamaram atenção para o fato de que o legislador do atual CPC retomou o modelo adotado no CPC/39. Sobre esse tema, Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa afirma que as hipóteses (numerus clausus) para cabimento do agravo de instrumento no regime do CPC/15 representam um claro retorno às regras do CPC/39, “cujos graves inconvenientes pelo visto foram esquecidos pela passagem do tempo”. Como se verifica, Yoshikawa menciona quais seriam esses graves inconvenientes verificados na adoção de hipóteses restritas para a interposição do agravo de instrumento e que, segundo o autor, já teriam sido notados na vigência do CPC/39. No entanto, muito além dos “inconvenientes”

relacionados ao rol taxativo do agravo de instrumento, fato é que o CPC/39 – e sua adoção dos subprincípios da oralidade – não representaram a solução para os defeitos do procedimento descritos na própria Exposição de Motivos do referido Código. YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Prometeu (Re)Acorrentado: a recorribilidade em separado das decisões interlocutórias do CPC/39 ao CPC/15. In: NERY Jr, Nelson.

ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 13. p. 178. Para além do artigo de Yoshikawa mencionado abaixo, essa discussão doutrinária também pode ser bem verificada em: SANCHES Jr., Antonio Roberto. CARVALHO, Erick Coutinho de. O cabimento do agravo de instrumento no novo CPC. In: NERY Jr, Nelson. ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 13. p. 19-44. CASTRO, Roberta Dias Tarpinian. O agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 2015 e a (im)possível interpretação extensiva. In: NERY Jr, Nelson. ALVIM, Teresa Arruda (Coord.).

Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 13. p. 459-484. Por fim, o Superior Tribunal de Justiça sepultou as divergências quanto à interpretação do rol do art.

1.015 do CPC/15 definindo a seguinte tese: “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.

1.704.520-MT. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 19 de dezembro de 2018. Disponível em:

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1731786&num _registro=201702719246&data=20181219&formato=PDF. Acesso em: 14 nov. 2021.

116 CASTRO FILHO, José Olympio de. Audiência de instrução e julgamento. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 3, p. 185-195, 1951. Disponível em:

https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/815. Acesso em: 29 dez. 2021. p. 185.

acarretavam embaraços e delongas de difícil solução, em razão da realidade social e das deficiências estruturais da justiça brasileira”.117

Sobre o tema, Moreira aponta que “a realidade forense não correspondeu às expectativas despertadas. O próprio momento emblemático do novo sistema [do CPC/39] – a audiência de instrução e julgamento – converteu-se, na maioria dos casos, em formalidade anódina e vazia de sentido”.118

Sobre esses embaraços, Maia define três razões para o “fracasso” do CPC/39 e para o nascimento de ideias reformistas que levariam à adoção do CPC/73. Para a autora, o primeiro desses problemas estaria relacionado ao princípio da identidade física do juiz e às dificuldades encontradas para sua efetivação “quando o juiz era promovido para comarcas distantes e de difícil comunicação”. A segunda questão estaria relacionada à morosidade do procedimento do CPC/39. Segundo a autora, o grande apego à oralidade teria ocasionado esse problema, pois

“ainda que não houvesse controvérsia quanto a matéria de fato, ainda assim, havia necessidade da realização da audiência. Desse modo, a audiência se converteu numa “formalidade vazia”.

Por fim, e muito relacionado a esse segundo problema, estaria o excesso de formalismo do CPC/39 e uma observância “irracional” das formas previstas no procedimento.119

Sebastião de Souza, ao examinar as legislações processuais brasileiras anteriores ao CPC/39 e o próprio CPC/39, em harmonia com o que já afirmava Castro Filho, registra que “o sistema rotulado de oral foi imposto ao fôro brasileiro e talvez por isso êle se vingue da violência deturpando-o, corroendo-o, solapando-o dia a dia”.120

Assim, na linha do que observaram Castro Filho e Souza, certo é que a oralidade prevista no CPC/39 foi corrompida e deu lugar a uma nova sistemática processual, na qual buscou-se flexibilizar os subprincípios da oralidade.121

117 THEODORO Jr., Humberto. O Código de Processo Civil de 2015 e o princípio da oralidade. In: MAIA, Renata C. Vieira et al. A oralidade: Processo do Séc. XXI. Porto Alegre: Fi, 2020. Disponível em:

https://3c290742-53df-4d6f-b12f-6b135a606bc7.filesusr.com/ugd/48d206_91379a1bcc8e4f7a9e83ea9f1261f675.pdf. Acesso em: 14 nov. 2021.

p. 199.

118 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 62.

119 MAIA, Renata Christiana Vieira. A efetividade do processo de conhecimento mediante a aplicação do processo oral. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. p. 53.

120 SOUZA, Sebastião de. Direito Processual Civil Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 7, p. 109-116, 1955. Disponível em:

https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/898. Acesso em: 29 dez. 2021. p. 106.

121 SOUZA, Sebastião de. Direito Processual Civil Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 7, p. 109-116, 1955. Disponível em:

https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/898. Acesso em: 29 dez. 2021. p. 106.