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Apêndice IV: Estudo Piloto

2.2 A MARCHA (VARIÁVEIS CINÉTICAS E CINEMÁTICAS)

Caminhar é o simples ato de cair à frente e agarrar algo. Um dos pés está sempre em contato com o chão e dentro do ciclo da marcha existem dois períodos de simples contato e dois períodos de duplo contato. O padrão de locomoção tende a ser variável, existindo muitas tarefas funcionais envolvidas na marcha, incluindo progressão frontal, equilíbrio alternado entre os membros, ajuste do comprimento dos membros e suporte da parte superior do corpo.

Avaliar ou analisar a marcha necessita de tempo, prática e habilidade técnica combinada com a padronização do avaliador. A maioria das análises de marcha são hoje realizadas com plataforma de força, para se medir as forças de reação do solo, eletromiografia para medir a atividade muscular e/ou cinemetria para mensurar o movimento. As forças que atuam no corpo humano durante o andar, podem ser divididas em duas categorias: as forças externas, que representam todas as interações físicas entre o corpo e o ambiente (força da gravidade, força de reação do solo), e forças internas, que são representadas por forças transmitidas pelos tecidos corporais como os músculos e por forças de tensão transmitidas pelos ligamentos e pelas áreas de contato articular (CAPOZZO, 1984). Nesse sentido necessita se o conhecimento dos padrões normais da marcha, já que a avaliação clínica utiliza informações simples, quantificadas, comparáveis de um registro a outro e normalizados para um ciclo da marcha. Conforme o peso do corpo cai e desloca se sobre o pé de apoio, forças verticais, geradas no solo podem ser medidas com instrumentação apropriada.

Os parâmetros cinéticos da marcha podem ser utilizados como referência, dentre eles, as medidas de força de reação do solo, registradas por uma plataforma de força. A componente vertical da força de reação do solo (Fig. 1) compreende três instantes: o primeiro pico, a força de suporte médio e o segundo pico. O primeiro pico exprime a força exercida durante o impacto do calcanhar, esta força varia em uma marcha normal entre 110 e 120% do peso do corpo; a força de suporte médio, a parte funda da curva, pode ser definida como a

força mínima entre o primeiro e o segundo pico de força e corresponde ao instante em que o pé está plano sobre o solo e o valor se aproxima de 80% do peso do corpo; e o segundo pico corresponde a força exercida para separar o pé do solo para avançar, cujo valor deste pico é similar ao primeiro, em caso de uma marcha normal (SACCO, et al., 2001; ANDRADE, et al., 1999; McCORY, et al. 2001; VIEL, 2001).

A taxa de aceitação do peso, que de acordo com Roesler, et. al. (2003), vem sendo amplamente utilizada em pesquisas biomecânicas como indicador de características relacionadas ao recebimento da carga pela estrutura corporal. Ela é caracterizada como a inclinação da curva, onde conforme Hennig (1999), quanto maior a inclinação (em relação ao eixo horizontal) maior este choque. Os valores da taxa de aceitação do peso para sujeitos normais, encontrados por Sacco et al. (2001) foram de 82, 45 graus (7,55PC/s).

A magnitude das forças verticais muda com as variações da velocidade da marcha e podem ser explicadas matematicamente por meio da seguinte equação dadas por Perry (2005):

F = M (g + a)

Onde F é a componente vertical da força de reação do solo; M a massa do indivíduo; g é a constante gravitacional e a é a aceleração vertical. Como M e g são constantes, a força sobre a plataforma de força varia com a mudança da aceleração vertical. Quando a = 0, a força é o peso do corpo. S a > 0, a força também sobe; se a< 0 a força cai abaixo do peso do corpo. Caminhar em velocidades mais lentas (< 60m/min.) reduz o momento e, portanto a aceleração vertical, com uma diminuição correspondente em ambos os picos e nos desvios do vale a partir do peso do corpo. Um dos aspectos da marcha que alteram com a idade é a velocidade. Quando a velocidade da marcha diminui abaixo de 1,0 a 1,2 m/s, os idosos referem ter maior dificuldade de atravessar a rua com segurança antes de o sinaleiro mudar (HOXIE et al., 1994; LANGLOIS et al., 1997), sendo então reconhecida a velocidade da marcha como um predictor de declínio funcional e mortalidade (SPIRDUSO et al., 2001; GURALNIK et al.,

1995; BRANCH et al., 2002).

Os parâmetros cinéticos são estudados dentro do ciclo da marcha (figura 2), e são o intervalo de tempo ou a seqüência de movimento que ocorre entre dois contatos consecutivos iniciais do mesmo pé. Este ciclo consiste de duas fases para cada pé: a que ocorre quando o pé está sobre o solo carregando o peso do indivíduo e compõe cerca de 60% do ciclo da marcha. Esta fase consiste de 5 subfases ou instantes: contato inicial, queda do pé, contato inteiro, contato terminal e impulso. A fase que ocorre quando o pé não está carregando o peso, e está se movendo para frente, compõe cerca de 40% do ciclo da marcha e consiste de 3 subfases: aceleração ou balanço inicial, balanço médio e desaceleração ou balanço final.

Fig. 2: Dimensão do ciclo da marcha Fonte: Magee (1997, pág. 676)

O deslocamento do corpo pelo espaço é descrito como um movimento de translação, decorrente dos deslocamentos angulares dos segmentos do corpo ao redor das articulações. Posto que estes movimentos de translação são resultantes, entre outros fatores, dos deslocamentos angulares de cada segmento corporal, são discerníveis e mensuráveis, eles

podem ser usados como um conjunto de parâmetros para a descrição da passada no andar (INMAN, RALSTON & TODD, 1994).

O joelho é uma articulação muito complexa, caracterizada por uma grande amplitude de movimento no plano sagital e pequenos arcos de mobilidade coronal e transversa. Durante a marcha os movimentos tridimensionais, observados na figura 3, são movimentos que ocorrem no plano sagital (flexão e extensão), utilizado para a progressão no apoio e para o avanço do membro durante o balanço; no plano coronal, para facilitar o equilíbrio vertical sobre o membro, particularmente durante o apoio simples; e no plano transverso, para acomodar as mudanças no alinhamento, enquanto o corpo oscila de trás para frente sobre o membro de apoio.

Fig. 3: Movimento Tridimensional do Joelho e Arcos usados na Marcha Livre Flexão no Plano Sagital (60º)

Rotação no Plano Transverso (8º) Abdução no plano Coronal (8º)

FONTE: PERRY, 2005 p. 82

Os ângulos articulares, então considerados como padrão do movimento de flexão e extensão, que o joelho realiza alternadamente, durante o ciclo do andar, é o de 5 graus de flexão no contato inicial, 65 graus aproximadamente de flexão máxima no período de balanço (PERRY, 1992).

curva onde ocorrem duas ondas de flexão durante o ciclo, começando cada uma em extensão relativa, progredindo para flexão e, a seguir, voltando novamente para o ponto de partida, em extensão. O pico da primeira onda de flexão do joelho, na fase de apoio, ocorre no duplo apoio inicial, no momento de desprendimento do pé oposto (0 – 12% do ciclo). A segunda onda de flexão começa no término do apoio simples (50% do ciclo) e atinge seu pico, na fase de balanço, quando o pé de balanço ultrapassa o pé oposto (62 – 75% do ciclo). Quanto à magnitude de flexão, o mesmo autor refere que, imediatamente após o toque do calcanhar no solo, o joelho se aproxima de 15º de flexão, e continua flexionando até que o centro de massa tenha passado sobre a perna que apóia o peso. David, apud LINK et al. (2001) relatam que este ângulo de flexão, na fase de apoio, auxilia na transferência de peso, e que ocorre a cerca de 20% do ciclo, e a segunda onda de flexão, na liberação do pé, aproximadamente a 70% do ciclo.

Perry (2005) cita que as diferenças, na posição do joelho, no contato inicial não foram relacionadas à velocidade da marcha; entretanto durante a fase de resposta à carga mostrou que uma velocidade menor conduziu a uma redução na flexão do joelho e o aumento na velocidade conduziu ao aumento da flexão do joelho. Durante o restante do apoio médio o joelho se extende gradualmente. A segunda onda de flexão do joelho começa no final do apoio terminal, aproximadamente 7º de flexão estão presentes no momento em que o apoio simples é finalizado pelo contato do outro pé com o solo. Com o início do segundo duplo apoio, o joelho flete e uma posição de 40º de flexão é alcançada no final do pré balanço. A posição final de 60º é o ângulo máximo de flexão do joelho que ocorre durante o ciclo da marcha (MAGEE, 1997). A partir daí, o joelho começa a extender no balanço médio e a extensão completa é atingida um pouco antes da fase de balanço terminal, onde o joelho tende a baixar até o grau mínimo de flexão. A postura final do joelho no balanço terminal é em média, de 5º de flexão, (FIGURA 4).

Fig. 4: Cinegrama da Marcha Normal Fonte: VIEL, 2001 p. 128

Como foi visto a avaliação angular do joelho, durante a marcha, se torna importante, pois quando o joelho está em flexão durante o primeiro terço da fase de apoio da marcha, ele age como um absorvedor de choque. A função do joelho durante a marcha é de absorver choque, estender o comprimento do passo, e permitir que o pé mova se durante toda a fase de balanço. Um joelho com dor não é capaz de realizar isso. Por exemplo, pacientes com síndrome patelo femural mostram diminuição da flexão do joelho durante a fase de apoio simples, combinado com rotação lateral femoral durante a fase de balanço. No apoio de calcanhar, o fêmur rota medialmente, e se essa rotação medial compensatória for muito acentuada, pode causar uma excessiva pronação, que então estressa o aspecto mediano patelar, (MAGEE, 1997).

Normalmente o que se observa, durante o ciclo da marcha, é se existe extensão suficiente do joelho no contato inicial, que deve seguir quase que imediatamente por uma leve flexão, até que todo o pé faça contato com o solo, e se existe o controle do joelho no momento em que está levemente flexionado durante a fase de apoio, assim como também se existe flexão suficiente durante a fase de apoio final e inicial de balanço. Finalmente estas características podem ser usadas para observar se existe coordenação de movimento entre o quadril, joelho e tornozelo independente do comprimento da passada e da duração da passada. As alterações na marcha que se manifestam na terceira idade, em relação a cinemática e a

cinética, podem ser divididas em 2 grupos: alterações que correspondem as mudanças fisiológicas do sistema sensitivo motor, e as alterações que consistem em adaptações motoras destinadas a tornar a marcha mais segura (PICKLES, et al., 1998).

Estudos realizados por Amadio e Serrão (1992) apontam modificações das fases da marcha no idoso sem patologia, podendo se observar no mesmo, que o tempo de apoio e a fase de apoio simples permanecem constantes, enquanto houve um aumento no período de duplo apoio e redução do primeiro pico de força vertical máxima, e que estas alteracões podem ser desencadeadas para alcançar uma condição de equilíbrio favorável. Apesar disto, Araújo (1996) diz que as forças de reação do solo mostram ter um comportamento repetitivo, independente das condições do solo, da idade do indivíduo ou da velocidade da marcha, por isso as alteracões neste padrão podem indicar desvios ou condições patológicas. Koo et al. (2005) relatam que a degeneração da cartilagem articular por deficiência do Ligamento Cruzado Anterior é influenciada por modificação do ambiente mecânico da marcha. A deficiência do ACL associado a uma deformidade em varo do joelho apresenta um maior momento adutor, o qual está associado a degeneração da cartilagem, (MIYAZAKI et al., 2002).

Em uma marcha antálgica Magee (1997) salienta que a fase de apoio da perna afetada é menor que o lado não afetado, porque o paciente tenta remover o peso sobre a perna afetada o mais rápido possível, diminuindo então a fase de balanço da outra perna. O resultado disso é um encurtamento do comprimento do passo do lado não envolvido. Ele também fala da marcha artrogência em que o paciente levanta a perna toda, mais alto que o normal, para retirar o pé do solo, pela rigidez do joelho, e exagera a flexão plantar do outro pé (figura 5).

Fig. 5: Marcha Artrogênica (hipomobilidade de quadril ou joelho). a) Flexão plantar excessiva

b) Circundução

Fonte: Magee (1997, pág.690)

O que se constata na maioria dos estudos que investigaram o andar de idosos, é que a velocidade do andar diminui com o avançar da idade (FERRADEZ, PAILHOUS & DURUP, 1990; HIMANN et al., 1988; LAJOIE, TEASDALE, BARD & FLEURY, 1996; RILEY, DELLA CROCE & KERRIGAN, 2001). Esses estudos sugeriram que a diminuição da velocidade do andar, com a idade, seria decorrente das mudanças em parâmetros espaciais (comprimento da passada) e temporais (freqüência). Porém outros estudos (ANDRIACCHI, OGLE & GALANTE, 1977; FERRADEZ, DURUP & FARIOLI, 1996; KERRIGAN, TODD, DELLA CROCE, LIPSITZ & COLLINS, 1998; MILLS & BARRETT, 2001; NIGG, FISHER & RONSKY, 1994) atribuíram a diminuição da velocidade, com o aumento da idade, a alterações no padrão de movimento, ou seja, ao invés de considerar a velocidade como conseqüência das mudanças de padrão do andar, a velocidade foi considerada como causa das mudanças de padrão do andar, que as mudanças na velocidade do andar geram mudanças no padrão geral de movimento. Bruneira e Amadio (1993) relatam que à medida que a velocidade aumenta, os valores de força também aumentam, tendo se diferentes padrões para diferentes velocidades.

Os parâmetros da marcha normal podem ser afetados por doenças articulares das extremidades inferiores, e o joelho é a articulação mais freqüentemente associada com as disfunções na osteoartrose (GUCCIONE et al., 1994). Muitos parâmetros relacionados com a marcha têm sido estudados em pacientes idosos saudáveis, mas poucos em idosos com osteoartrose. Sendo assim estudar os parâmetros cinéticos da marcha pode possibilitar a compreensão dos fatores e mecanismos compensatórios nesta patologia.

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