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A Medicina Depois de Cristo

No documento Download/Open (páginas 36-40)

Priorizaremos estudiosos conceituados da história da medicina depois de Cristo, os quais acrescentaram conhecimentos que auxiliaram na evolução e no desenvolvimento da saúde. Dentre os estudiosos dessa época, destacamos Celso, Caio Plínio, Galeno e outros precursores.

Aulo Cornélio Celso viveu no início da era Cristã e historiou sobre vários temas, dentre eles filosofia, direito e medicina. A obra sobre medicina foi descoberta em 1426 e impressa em 1478. Nela, o autor mencionava o tratamento com enemas nutritivos e cirurgias do nariz, lábios e ouvidos, subdividindo as doenças conforme o tratamento e delineando, com critério, o tratamento de feridas. Ele recomendava o uso de compressas para estancar a hemorragia, conhecendo os benefícios de se lavar bem a ferida. Sua orientação era: “Não tome nenhuma outra providência até que a ferida tenha sido limpa, pois pode haver sangue coagulado com o risco de virar pus e inflamar, impedindo que a mesma cicatrize” (MARGOTTA, 1998, p. 35). Nos dias atuais, a limpeza da ferida continua sendo um dos primeiros procedimentos diante de um ferimento, pois, retirando a sujidade e os coágulos, os riscos de uma possível infecção são reduzidos. Ao visualizar a ferida limpa, sem sujidade, inicia-se o tratamento adequado. Também recomendava o uso da compressa, em caso de hemorragia, para estancar o sangue.

Observa-se que Celso tinha muitos conhecimentos sobre feridas. Alertou para pontos a serem observados, os quais ainda hoje norteiam a inspeção de feridas: rubor, calor, dor, tumor (inchaço, edema). Utilizava pasta de farinha para reduzir fratura e enfaixava o local com talas e bandagens, trocadas a cada sete ou nove dias, quando o edema (inchaço) já tivesse regredido. Em caso de fratura exposta, orientava para o “ressecamento do fragmento protuberante”. Diante de lesões abdominais, orientava costurar (suturar) o intestino grosso, “mas excluía a eficácia do tratamento no intestino delgado”. Muitos instrumentos utilizados nessa época de Celso foram encontrados em Pompéia, após escavações; atualmente, encontram-se expostos no Museu Nacional de Nápoles (MARGOTTA, 1998, p. 35). Esses ensinamentos são utilizados nos dias atuais e, embora as técnicas tenham sido aprimoradas, seus preceitos permanecem válidos.

Atualmente, o tratamento da ferida é realizado basicamente pela equipe de enfermagem, devidamente paramentada, com uso de equipamento de proteção individual (máscara, luvas, gorro, avental de manga longa, óculos de proteção). Antecedendo a realização do procedimento, as mãos devem ser lavadas com técnica apropriada e, a seguir, é

realizada a limpeza do leito da ferida com soro fisiológico 0,9% morno. Posteriormente, avalia-se o tipo de lesão, com atenção aos sinais de inflamação (edema, rubor, calor, dor e diminuição da função). Deve-se considerar o tipo de ferimento e o aspecto para utilizar a proteção (curativo) adequada. No momento, dispomos de diversos tipos de cobertura que se propõem a “reaproximar o tecido para restaurar sua integridade” (TIMBY, 2007, p. 616).

As indústrias farmacêuticas e químicas têm investido muito em compostos que promovam melhor cicatrização em tempo rápido, sem sofrimento ao paciente e que possam reduzir o tempo de troca da cobertura; os mais usados são álcool a 70%, ácidos graxos essenciais (AGE), placas de hidrocoloides, filme de poliuretano, hidrogel, papaína, carvão ativado, alginatos, pomada de colágenas, pomadas desbridantes e outros.

Caio Plínio Segundo (23-79 d. C.), grande naturalista romano, embora não simpatizasse com médicos como Cato, escreveu sobre a História natural, com descrições de remédios obtidos de vegetais, minerais e animais. Faz “várias referências à saúde pública do seu tempo, bem como a nomes e a eventos aos quais não teríamos acesso se não fosse por ele” (MARGOTTA 1998, p. 35).

Outro destaque da época romana são as parteiras que possuíam grandes habilidades. As cesarianas somente eram realizadas em mulheres moribundas ou mortas. Na escola de Hipócrates, os conhecimentos sobre obstetrícia eram inexistentes, embora conhecessem as posições fetais. Sorano de Éfeso (98-138 d. C.) praticou a medicina em Alexandria e, posteriormente, estabeleceu-se em Roma. Descreveu o sistema reprodutor feminino com riqueza de detalhes. Tratou das dificuldades durante o parto, orientou sobre amamentação, desmame, dentição, cuidados com o bebê, doenças infantis e sua prevenção. Também discorreu sobre fraturas, doenças agudas e crônicas. Sua grande e maior obra foi Sobre as doenças das mulheres, tendo sido considerado o pai da obstetrícia.

A respeito da farmacologia, Margotta (1998) apresenta Discórides, nascido por volta do ano 40 d. C., um cirurgião militar do reinado do imperador Nero, cuja obra, Matéria médica, continha informações farmacológicas do Império Romano. Nessa época, havia vários tipos de médicos destinados a atender cada categoria, por exemplo, do império, dos escravos, da corte, dos pobres, empregados pelos municípios, médicos para o exército, para os gladiadores e atletas. Os doutores palatinos eram os mais respeitados. Havia hospitais de vários gêneros. Com a queda do Império Romano, o prestígio médico cresceu:

Os homens da medicina passaram a ser cada vez mais respeitados e o ensino da medicina foi institucionalizado, ao mesmo tempo em que o poder político desses profissionais consolidava-se. Na época dos últimos imperadores, os médicos já eram as figuras mais importantes da corte e amigos de confiança do imperador. (MARGOTTA, 1998, p. 39).

Os romanos já desenvolviam controles sobre alimentos, leis para enterro e cremação dos mortos, leis de higiene, regulamentos aos banhos públicos e aquedutos: “eram exemplares; os sistemas de canais e esgotos eram fiscalizados regularmente” (MARGOTTA, 1998, p. 39). Enfim, os médicos trouxeram grandes avanços à saúde pública.

Na medicina, é destacada a figura de Cláudio Galeno, nascido por volta de 130 d.C.,em Pérgamo, na Grécia. Estudou em Esmirna e Alexandria e, aos 32 anos de idade, partiu para Roma onde praticava a medicina na condição de médico e amigo dos imperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero. Considerado bom médico e escritor, escreveu grandes volumes em obras. As pessoas acreditavam que ele tivesse algum problema de personalidade, pois quase sempre agredia os colegas, “insinuando que eram incapazes e que as capacidades para terapia e diagnóstico dele eram incomparáveis”. Não era cristão, mas era respeitado pela igreja católica e pelos sábios árabes e judeus por crer em um único deus “declarando que o corpo era o instrumento da alma” (MARGOTTA, 1998, p. 43).

Interessante notar que Galeno era dotado de senso lógico e baseava-se na observação dos fenômenos. Possuía “uma equipe de escribas” que anotava tudo o que ele ditava. Sobre anatomia, sua experiência era limitada ao estudo do esqueleto humano e à dissecação de animais, o que se mostrava com alguma distorção, pois aplicava ao homem o que havia aprendido com os animais. Galeno descreveu ossos, músculos, cérebro, nervos e o sistema vascular com riqueza de detalhes. Suas observações somente puderam ser confirmadas com o ressurgimento da anatomia na Renascença (MARGOTTA, 1998, p. 40).

A relevância das experiências fisiológicas em animais, realizadas e descritas por Galeno, é referida por Margotta:

Sua obra Onthe use ofthepartsofthehumanbody (Sobre o uso das partes do corpo

humano) era composta por sete volumes sobre o tema. Para estudar a função dos rins na produção de urina, ele atou os canais da uretra [...]. Para estudar os nervos [...]. Também induziu a parada cardíaca [...]. Afirmou, finalmente, que todas as mudanças de função no organismo resultam de algum tipo de lesão e que toda lesão causa mudança de função. Tal conceito permanece substancialmente válido (MARGOTTA, 1998, p. 41).

Galeno acreditava que o princípio da vida era o pneuma de três tipos e formas de função. Tinha conhecimentos sobre os sistemas venoso e arterial, porém não conseguiu descobrir a circulação sanguínea. Em outros termos: “Nos escritos de Galeno e de outros, encontramos inúmeras evidências da acuidade de seus diagnósticos e de suas capacidades terapêuticas, bem como seus consideráveis conhecimentos anatômicos” (MARGOTTA, 1998, p. 41-42).

Figura 2 – Tratamento para luxação de ombro. De uma das edições da obra de Galeno no século XVI

Fonte: Margotta (1998, p. 42)

A figura 2 mostra o tratamento para a luxação de ombro. Observa-se um grande desconforto do paciente diante da imobilização realizada e da posição anatômica do ombro ao final do tratamento; provavelmente desenvolvia um desvio da coluna lombar. Esse método de tratamento é fundamentalmente distinto da terapêutica utilizada e da eficácia alcançada nos dias atuais.

Galeno diagnosticou a lesão na medula espinhal, a perfuração dos pulmões e distinguiu a hemorragia da bexiga da relação renal, conforme a cor da urina. Sempre procurava e acreditava que encontraria a resposta para todos os porquês das coisas (MARGOTTA, 1998).

No que diz respeito a Galeno de Pérgamo, Singer (1996, p.66, grifo do autor) mostra que, no âmbito da medicina, após Hipócrates, Galeno foi o maior e o mais brilhante médico e biólogo “de todos os tempos”. Hipnotizou o povo da Idade Média que o tinha como o “Príncipe dos Médicos”. Galeno expressava grande admiração por seu pai, Nico Pérgamo, matemático e arquiteto, que o encaminhou para o estudo de filosofia aos quinze anos de idade. Aos dezesseis, seu pai, “inspirado por um sonho”, orientou-o a escolher a medicina como profissão. Assim, partiu para estudar em Pérgamo. Ao refletir sobre a história de Galeno na medicina é importante considerar que: “Desde cedo, Galeno já escrevia sobre tópicos médicos

e data desta época a obra ‘Sobre a Anatomia do Útero’, dedicado a uma parteira”. Singer (1996, p. 68-69) analisa a anatomia galênica em dois vieses – um descritivo e outro filosófico. Nesse sentido, pode-se compreender essa afirmação a partir da seguinte premissa:

O aspecto filosófico aparece mais clara e coerentemente em ‘Usos das Partes do Corpo Humano’. Neste trabalho extraordinário que influenciou enormemente os séculos que se sucederam, Galeno tenta provar que os órgãos são tão bem construídos e em tão perfeita relação com as funções que preenchem, que seria impossível imaginar algo melhor. Assim, seguindo o princípio aristoteliano de que a natureza não faz nada em vão, Galeno procura justificar a forma e estrutura de todos os órgãos – se não de cada parte de cada órgão – em relação às funções para as quais ele acredita que sejam destinadas. Estamos, pois, em presença de um trabalho que, estritamente falando, não é nem um tratado de anatomia nem de fisiologia, mas no qual a anatomia e a fisiologia são subordinadas a uma doutrina particular e são usadas pelo homem para justificar os caminhos de Deus perante o homem (SINGER, 1996, p. 69, grifo do autor).

Pode-se perceber que Galeno foi um grande autor e teve importante papel no desenvolvimento da medicina. Nessa época, seus escritos baseavam-se, na essência, em Hipócrates e, na forma, em Aristóteles. Singer (1996, p. 66) finaliza o texto sobre Galeno: “Seu trabalho representa o encerramento esplendoroso da anatomia na antiguidade”.

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