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A memória semântica do vocábulo ponto de cultura

1.7 A EXPANSÃO DO VOCÁBULO PONTO DE CULTURA PARA O MinC

1.7.4 A memória semântica do vocábulo ponto de cultura

Esta seção versa sobre uma parte expressiva da pesquisa, realizada com o propósito de apresentar os limites semânticos do significante ponto de cultura. Examinaremos a sua significação a partir dos proponentes do ponto de cultura, tomando a variação semântica desse vocábulo como uma alternativa à memória. Podemos dizer que essa variação está ligada à história dos termos que o compõem. Assim, avaliaremos o vocábulo, verificando o sentido e a referência social de ambos:

ponto e cultura, ponto de cultura.

Utilizamos como meio de descobrir como esses termos e o vocábulo são apreendidos pela população, um conjunto de proponentes50 conveniados por meio dos editais 1 (230 proponentes), 2 (9 proponentes), 3 (167 proponentes) e 4 (31 proponentes), cujas referências constam na cartilha do Programa Nacional de Arte, Educação, Cidadania e Economia Solidária, publicada, em 2004, pelo MinC. Os procedimentos desta operação de pesquisa consistiram em consultar pelo menos um proponente de cada região51 contemplada nos editais em referência (Nordeste, Sudeste, Centro- oeste, Sul e Norte), à exceção do edital 2, que se aplicou apenas ao Estado da Bahia. No total, entrevistamos 16 pessoas ligadas às organizações proponentes. Os participantes estão qualificados no anexo 2 deste estudo (identificação dos entrevistados). A cada um deles se perguntou o que entendia por ponto, por cultura e por ponto de cultura. Como meio de contato, fez-se uso das redes sociais, em especial do facebook. As respostas foram compiladas de maneira a extrair os conteúdos singulares para cada pergunta, eliminando as respostas equivalentes.

Em suma, no que se refere ao termo ponto, o significado central atribuído a ele foi o de espaço localizado. Para explicá-lo, os proponentes reportaram-se às suas referências do cotidiano, trazendo frases como: “onde fica o ponto de ônibus?” “Onde fica o ponto de táxi?” “Onde é o ponto de encontro da turma?” “Onde é o ponto de onde sairá a passeata do protesto?”. Posto dessa

as reais condições agrárias, tomada para enfrentar o fim da imobilidade do trabalhador que se deu através Act of Setlement/1662-1795 (POLANYU, 2000, p. 171), foi, em última instância, um meio eficaz de arrefecer as forças que tentavam substituir a antiga estrutura social.

50 Na escolha dos beneficiários, rejeitamos os que se colocaram e foram apontados como líderes na elaboração do plano de trabalho escolhido nesses editais.

maneira, o termo ponto sugere sua compreensão como algo localizável. E muito embora tenham surgido observações sugerindo que o ponto poderia mudar de local, atribuindo-lhe a capacidade de mover-se no espaço, isso pareceu insuficiente para imprimir, de fato, um movimento mais dinâmico ao seu sentido.

Se o termo ponto encontra entre esses beneficiários, majoritariamente, a ideia de localização como elemento invariante52, o termo cultura, ao contrário, mostrou-se demasiadamente variável, no que se refere à apropriação social de seus múltiplos sentidos históricos coexistentes na atualidade. Quando perguntados sobre o que é cultura53, definiram-na como tudo que eles fazem ou podem fazer na vida; tudo que podem aprender com alguém; tudo que se aprende na escola e serve para tornar as pessoas melhores; como sinônimo de tradição e renovação; como modo de produção (danças, comidas, folclore, histórias, teatro, música, cinema etc.); como modo de fazer as coisas, não importando se elas são boas ou ruins; como tudo aquilo que constitui os sujeitos, sendo sinônimo de autoprodução. Além disso, recebeu o significado de cuidado, cultivo da terra; e, finalmente, foi entendida também como sendo tudo aquilo que tem uma qualidade aceitável, e que é feito com esmero.

Apesar dos múltiplos sentidos de cultura, identificados entre eles, o sentido de ponto é dominante na hora de significar a expressão ponto de cultura. O ponto é sempre entendido como um espaço localizável, podendo ser um espaço onde se assimila cultura, onde é possível apropria- se da cultura; espaço de construção de identidades; espaço de vivências, espaço de trocas, espaço de desenvolvimento social, espaço de aprendizagem, espaço comunitário, espaço de comunicação

52 Ocupando-nos dos registros a respeito do termo ponto, a título de ilustração, encontramos no livro Os Elementos de Euclides, que conta a história da filosófica da matemática, que o ponto é o que não tem partes, ou o que não tem grandeza alguma; portanto, o que designa algo por inteiro, completo, integral e horizontal, ao menos no seu sentido mais genuíno. Mas se deve mencionar que a matemática lida com o espaço tridimensional, diferente do sentido de espaço bidimensional com que lida a Administração.

53 De uma maneira geral, podemos agrupar essa diversidade de expressões de sentidos da cultura atribuídos pelos proponentes nas duas linhas mais gerais de sentidos atribuídos à cultura (ABBAGNANO, 2007). Em uma vertente, cultura como significado de formação, e cultura como produto (modos de viver e pensar) derivado dessa formação dita civilizada. Desses processos de formação estão excluídos, por um lado, de um ponto de vista aristocrático, as atividades manuais de um modo geral – incluindo as artes; e, por outro lado, de um ponto de vista naturalista, as atividades que não sejam meio de realização de uma vida perfeita na terra. Cultura é aqui contemplativa, finalística e encarnada em um saber que é superior. Em uma outra vertente, cultura pode ser compreendida como uma construção coletiva que indica que determinados valores, modos de viver e de pensar são compartilhados por um determinado grupo social, não necessariamente conhecido.

social, espaço de cidadania e fortalecimento dos laços sociais; espaço de resistência à cultura enlatada, local de apoio e espaço onde você pode ser alguém, espaço onde você pode ser você. De sorte que a ideia de movimento e de inferência puramente imaterial – que recuperamos na história do conceito – a partir da expressão ponto de cultura encontra alguns limites. Isso significa que essa palavra composta apresenta fronteiras que dificultam sua aproximação de sentidos intangíveis, como os dos termos conexão, interação, relação, vivência ou algo do gênero, quando dissociado de um espaço determinado que lhe propicie uma materialidade.

Então, para veicular certos sentidos neste referente, torna-se um trabalho bastante complicado e até contraproducente em função de sua compreensão social. O que, decerto, a persistência em usá-lo, mesmo assim, exigirá um exercício contínuo de pôr-se numa contracorrente, de colocar-se em uma contranorma social e cognitiva. O uso dessa expressão também parece encontrar barreiras com relação ao próprio hábito humano de dizer as coisas no singular – a cultura54, a identidade, a memória, a história, o pensamento, mesmo que haja sempre por trás da singularidade de cada palavra uma pluralidade de coisas, parafraseando Mia Couto55. Ainda que se registre a pluralização de muitas palavras no Governo Lula, pela forma de uso e pelas referências sociais dessa expressão, parece mesmo mais confortável aceitar que ponto de cultura é um determinado espaço físico onde acontecem iniciativas culturais. Mas será que em cada espaço desse há mesmo apenas um ponto de cultura?