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A mente como manipulação de representações

2.2 As ciências cognitivas: hipóteses sobre o funcionamento da mente

2.2.2 A mente como manipulação de representações

A segunda fase das ciências cognitivas consistiu naquilo que se denomina de hipótese simbolista ou cognitivismo, propriamente dito. Nesta perspectiva, a mente humana é definida pela computação de representações simbólicas, ou seja, a atividade cognitiva consistiria na manipulação de símbolos que representam aquilo a que correspondem. Para Eysenk e Keane (2005) os símbolos são aproveitados por processos computacionais ou mentais que os transformam em outros símbolos que, por sua vez, sempre se referem ao mundo externo.

Mais uma vez, existe a interface entre mente humana e máquina, mas agora há o enfoque na manipulação de símbolos governados pela sintaxe. Para Mulholland e Watt (2005), a arquitetura cognitiva é compreendida como quadro global que pode ser responsável por uma série de fenômenos por meio de um conjunto fixo de mecanismos. Tais fenômenos dar-se-iam segundo uma sequência seriada de eventos que, grosso modo, poderiam ser representados pela metáfora da caixa preta (figura 2.2).

Tal metáfora corresponde à noção de que não é possível ver as manipulações simbólicas senão pelos seus resultados. O trabalho do investigador seria desvendar o processamento ali ocorrido, desvelando a forma como as representações foram manipuladas. Claramente, há aqui recrudescimento do mentalismo, algo considerado nada econômico para o entendimento do comportamento segundo o behaviorismo radical. Sedimenta-se, assim, a ideia de que a pedra que os pedreiros behavioristas rejeitaram se tornou a angular para o cognitivismo.

Input Output

figura 2.2 – Caixa preta

Este último sustenta a hipótese de que as computações em geral, tanto no âmbito da máquina, como no da mente humana, consistem em um dispositivo de manipulação de representações os quais se consideram três domínios: o input ou entrada da informação sob a forma de representação, o processamento da informação em si, representado pela caixa preta e a saída de informação, output, sob a forma de novas representações o que poderia corresponder a uma ação, por exemplo.

A sequência descrita começa pela entrada das representações, que, segundo Schiffman (2005) corresponderia ao aparato senso-perceptivo do sujeito. No caso dos surdos em situação

de jogos ditos educativos, toda a sorte de informações provenientes do mundo exterior teria por excelência a visão. O olho humano é tido como um transdutor que transforma a informação sob a forma de energia luminosa em impulso nervoso; esta transformação se dá por meio de seis milhões de células especializadas, os cones e bastonetes, presentes no aparelho óptico.

Após a transdução, sinapses conduzem a informação para o córtex tendo como bus o nervo óptico. Qual seria o passo seguinte no processamento da informação? Segundo Coren, Ward e Enns (2004) é a percepção da sensação entendida esta como discriminação dos tais eventos sensoriais; entretanto há de se observar que esta separação entre sensação e percepção tem um caráter mais histórico do que correspondência com o evento propriamente dito. Neste sentido, seria mais lógico considerar o evento senso-perceptivo como o responsável objetivo pela entrada da informação, não sendo possível segmentá-lo em sensação e percepção distintamente (SEKULER; BLAKE, 2004).

No processamento da informação concorre o raciocínio amparado por aquilo que se denomina memória. Pashler e Carrier (1996) descrevem os sistemas de memória concebendo- os em três tipos: o sistema de memória sensorial, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo.

A primeira modalidade consiste nas representações formadas, por exemplo, quando um estímulo visual é apresentado brevemente. Um traço sensorial deste estímulo dura várias centenas de milissegundos após a sua compensação; este tipo de memória é geralmente designado memória icônica. A manutenção deste tipo de representação fica ameaçada se uma nova representação não se constituir. Assim, os armazenamentos sensoriais, ao receberem tratamento do sistema atenção do sujeito, poderão formar novos símbolos, mas desta vez naquilo que se denomina memória de curto prazo.

Esta pode ser entendida, segundo Sternberg (2000, p. 212) como aquele tipo de memória que mantém “[...] não apenas alguns itens, mas também os processos de controle que regulam o fluxo da informação para o armazenamento de longo prazo e a partir deste, no qual podemos manter a informação durante períodos mais longos.”

De que forma novas representações podem ser formadas na memória de longo prazo? Para que isto ocorra é necessário, segundo Eysenk e Keane (2005) um processo denominado

de recitação19 havendo uma relação direta entre esta e a força do traço de memória armazenado.

Segundo Pashler e Carrier (1996) tem sido sugerido que a informação seja codificada de forma semântica ou, como concebe Lent (2004) por meio de redes semânticas ou redes de

significações; entretanto a consolidação deste tipo de representação, segundo Izquierdo (2006)

se dá por aquilo que se denomina potenciação de longa duração. Este processo consiste em uma estimulação repetitiva e se torna eficiente dependendo da qualidade da recitação.

Compor memória com respeito a algo consiste em formar conceitos e categorizá-los. A formação de sentido ou conceito consiste, segundo Goldstone e Kerstein (2003) na representação mental de uma classe ou de um objeto tomado individualmente. Já a categoria é definida como o conjunto de representações que são agrupados segundo um critério conceitual.

Ao conjunto senso-perceptivo, memória e raciocínio sob a forma de categorização, tudo isto atuando por meio de representações seriadas, é que os cognitivistas vão denominar cognição. Para Varela, Thompson e Rosh (2003), a cognição, nesta perspectiva, pode ser definida como o processamento de informações sob a forma de computação das representações, esta funcionaria por meio de qualquer aparato, máquina ou cérebro, que pudesse manipular os símbolos, e seu adequado funcionamento se daria quando há uma isomorfia entre representação e mundo externo, atestada pela solução de problemas.

Os autores ainda admitem que a debilidade de tal proposta consiste em uma ruptura daquilo que denominam unidade da consciência ou do sujeito cognoscente, uma vez que há a suspensão entre a mente computacional e a mente fenomenológica. O processamento da informação seriado perderia a capacidade de formar constructos como estados globais, e o que é ainda mais caro, de correlacionar tais estados ao mundo externo.