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3. A Configuração do tráfico brasílico

3.3. A migração forçada: os escravos em trânsito nas costas

Na sequência que estamos acompanhando, os escravos foram sempre centrais. O que nos faz agora falar especialmente deles? Bem, prevalecem agora outras questões: os preços pelos quais eram vendidos e a mortalidade e suas causas durante as viagens. Essas são algumas das questões que trataremos em seguida.

Comecemos por explicitar um dos mecanismos fundamentais da condição de escravo. Sabemos que em uma sociedade escravista, como era a dos séculos que estamos estudando, os escravos foram essenciais à manutenção do status social de muitos comerciantes e agricultores, e mesmo da maior parte das relações sociais desenvolvidas no seu interior, ainda que esse fator tenha se colocado a prova a partir de meados do século XIX. Nesse sentido, valorar sobre a sua condição jurídica, o que lhes agrega um valor de mercado, é tarefa das mais necessárias.

A convenção comercial do mercado escravista não fugia a lógica dos preços no Maranhão e Pará, apesar das iniciativas da coroa em relação aos escravos, eles eram vendidos de variados preços. Nos mapas de escravatura é possível ter uma dimensão desse comércio.

Nos anos de 1790, o valor de escravo variava de 110$000 até 160$000. Quais eram os fatores dessa diferença? Há um indício bastante relevante, a variação está relacionada entre outros fatores, ao lugar de procedência dos escravos. Os que chegavam de Bahia e Pernambuco eram, naquele ano, os de menores valores, vendidos a quantias entre 110$000 e 130$000, enquanto os demais, vindos diretamente da África, atingiam preços mais elevados;

69 de 140$000 a 160$000, a escravatura vinda de Bissau e de Cacheu, e 160$000 os da Costa da Mina.132

Apesar da clareza dos mapas o governador Fernando Foios, recorrendo ao Ministro da Marinha e Ultramar, afirma serem os preços elevados, sendo obrigados “os lavradores a pagar os escravos desde cento, e sessenta mil reis, até cento, e oitenta, e quase sempre com dinheiro a vista”.133 O interesse do governador estava mais ligado em desqualificar os comerciantes volantes (voltaremos a eles mais adiante), do que necessariamente dar conta da realidade do comércio do Maranhão.

No ano de 1793, as discrepâncias dos valores entre os escravos atlânticos e os em curso continuavam. Nesse ponto, o próprio mapa do ano é interessante, dado que nele destacam-se diversas áreas de procedência do litoral brasileiro e os diversos preços pelos quais os mesmo foram vendidos. Observe-se o mapa nas duas páginas posteriores:

132 Ofício do governador e capitão-general do Maranhão e Piauí, Fernando Pereira Leite de Foios, para o secretário de Estado de Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, datado de 20 de janeiro de 1791. AHU_ACL_CU_009, Cx. 77, D.6567; O que não parece ter se alterado no ano seguinte. Cf. Ofício do governador do Maranhão, Fernando Pereira Leite de Foios, para o secretário de Estado de Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, datado de 23 de janeiro de 1792. AHU_ACL_CU_009, Cx. 79, D. 6718.

133 Ofício do governador da capitania Maranhão, Fernando Pereira Leite de Foios, para o secretário de Estado de Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, datado de 28 de maio de 1790. AHU_ACL_CU_009, Cx. 75, D. 6474.

70 TABELA VI: Mapa da escravatura, que entrou neste Porto, e cidade de São Luiz do Maranhão no Ano de 1793,

Dias Mezes Navios Capitaens Aquem

Consignados Vindos Donde Quantidades Vendas Total

19 Fevereiro Bergatim Expediente José Antonio

Dias Caetano José Teixeira Cachêo 164 145$000 23:780#000

2 Março Sumaca N.S. do Monte do

Carmo José Antonio de Moraes Cappitão Ao ditto Pernambuco 233 135$000 31:455#000

5 Março Corveta Correo de Angola Manoel

Francisco Flamante

Antonio José de Seixas

Pernambuco 211 130$000 27:430#000

11 Março Sumaca Senhora do

Monte Alvares Izidoro Ao ditto Mestre Pernambuco 47 120$000 5:640#000

22 Março Bergatim Piede e Sto

Antonio José Ferreira da Rocha Ao ditto Cappitão Bissáu 194 140$000 27:160#000

8 Abril Sumaca Senhora da

Apresentação Jacinto José Ferreira Ao ditto Dono Bahia 74 125$000 9:250#000

19 Abril Corveta São Jorge Joaquim dos

Santos Roxa

Avarios comerciantes

Bissáu 253 150$000 37:950#000

23 Abril Galera Amavel Donzela Joaquim

Adrião Rozendo

A vários Cachêo 314 150$000 465:600#000

23 Julho Sumaca Corpo Santo João Coelho Ao ditto

Dono Pernambuco 184 130$000 23:920#000

1 Julho Navio São Macário Joaquim José

Torquato Antonio Joze Roberto Bissáu 216 160$000 34:560#000

3 Julho Lancha S. José e Almas Joaquim José Pereira

Ao ditto Dono

71

13 Agosto Navio Minerva José das

Neves Lião

João Manuel de Carvalho

Rio Grande 13 110$000 1:430#000

21 Agosto Sumaca Sto Antonio Val

da Piedade Pereira Neves Manoel Ao ditto Dono Bahia 274 120$000 32:880#000

23 Agosto Sumaca N. Senhora do

Monte Francisco Antonio Pinto Ao ditto Mestre Pernambuco 108 110$000 11:880#000

21 Outubro Sumaca N.S. de Agua de

(.?) Manoel Pereira Ao ditto Mestre Pernambuco 24 110$000 2:640#000

28 Outubro Sumaca S. José e Almas Joaquim José

Pereira Ao ditto Dono Aracaty 13 110$000 1:430#000

Fonte: Ofício do governador da capitania do Maranhão, D. Fernando Antonio de Noronha, para o secretário de estado de Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, sobre o envio dos mapas de exportação, importação e escravatura do ano de 1793 relativo à dita capitania. Datado de 15 de fevereiro de 1794. AHU_ACL_CU_009, Cx. 84, D. 7042.

72 Em 1795 ocorre que os preços pelos quais os escravos eram vendidos praticamente se equiparam. Nas carregações do daquele ano, os escravos vindos da Bahia foram vendidos por 150$000, igualmente aos cativos procedidos de Cacheu, o mesmo acontecendo com os escravos de Pernambuco que, se não atingiram as cifras dos escravos baianos, também passavam a ser mais valorizados (145$000), diminuindo a disparidade com escravos traficados diretamente dos portos africanos.

A causa dessa redução das diferenças pode ser verificada segundo uma valorização maior dos escravos vindos dos portos brasílicos. Durante a permanência do exclusivismo da Companhia, entre 1755-1778, em relação ao tráfico de cativos, entre outros, se poderia observar, apesar dos clamores e das referências aos elevados preços dos mancípios, certa legitimidade e regularidade no trato. Porém, com o fim do monopólio, a partir de 1778, e nos anos seguintes, destacadamente em 1795, passou-se a oportunizar, ainda mais, os escravos procedidos das áreas costeiras do atlântico sul brasileiro, nesse caso, como uma compensação. A partir do final do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX, poder-se-á constatar o idêntico princípio, apesar de variações.134