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3.1 REFLETINDO SOBRE A CONTEMPORANEIDADE

3.1.1 A modernidade líquida: entendendo a fluidez da contemporaneidade

Outra obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman que faz a análise de um tempo no qual a solidez da modernidade é posta em discussão é modernidade considerada ambivalência extrema, em relação a uma grande expressão individual de amor por sua mãe e em algum momento também pedindo para matá-la, como um sintoma maior de esquizofrenia. 2. Indecisão ou incerteza sobre o curso de uma ação. (Tradução nossa)

líquida. Nesse trabalho, o autor traça um perfil da sociedade a partir da análise do

que ele considera os cinco conceitos básicos norteadores da vida humana em grupo, a saber: emancipação, individualidade, tempo-espaço, trabalho e comunidade. Bauman (2001) focaliza, principalmente, as mudanças de significado desses conceitos no percurso da passagem de uma modernidade pautada na visão de um mundo erguido sobre sólidos conceitos para um mundo guiado por conceitos e concepções os quais não se pode “agarrar”. Iremos nos deter em algumas afirmações convergentes para a questão do viver em sociedade fluida, ambivalente.

Ao iniciar a discussão sobre o conceito de emancipação, o autor faz um apanhado de discussões filosóficas acerca do conceito de liberdade. Tal conceito, conforme as exposições feitas pelo autor, é permeado pela contradição de que não há liberdade sem regras. E estas é que proporcionam ao indivíduo a sensação da existência de um sentido para a vida. Seria, então, o sentido calcado na possibilidade de uma certeza perene, que se configuraria por meio de ações duradouras. Mas, para Bauman (2001, p.29):

A vida ainda não atingiu os extremos que a fariam sem sentido, mas muito disso foi causado, e todas as futuras ferramentas, inclusive as novíssimas rotinas (que provavelmente não durarão o suficiente para se tornarem hábitos) não poderão ser mais que muletas, artifícios do engenho humano que só parecem a coisa em si se nos abstivermos de examiná-las muito de perto. Toda certeza alcançada depois do “pecado original” de desmantelar o mundo cotidiano cheio de rotina e vazio de reflexão terá que ser uma certeza escancarada e desavergonhadamente “fabricada”, sobrecarregada com toda a vulnerabilidade inata das decisões tomadas por humanos.

Percebemos, então, que, de acordo com esse ponto de vista, se é a existência de certezas que dá sentido à vida, e que não foram as certezas que deixaram de existir, mas a forma como são construídas essas certezas, o que se tem hoje são sentidos atrelados a certezas fabricadas e marcadas pela vulnerabilidade inerente às construções humanas.

Essa visão de sociedade desprovida de certezas terminou por passar a ideia de que se vive em um mundo onde não há espaço para o pensamento crítico. Discordando desse ponto de vista, Bauman (2001) afirma que a sociedade contemporânea ressignificou a noção de receptividade à crítica. Trata-se de uma maneira de se exercer a crítica que não é capaz de afetar as grandes questões, mas apenas os interesses dos indivíduos. O autor usa a metáfora do acampamento para caracterizar essa crítica. Segundo ele, o indivíduo que vai acampar preocupa-se

apenas com a lógica: “Se eu paguei, quero ficar bem acomodado. Se não ficar bem acomodado, não recomendarei mais esse lugar a amigos”. Não há, pois, uma preocupação em investigar os responsáveis pela má-acomodação.

Para um melhor entendimento dessa nova maneira de se relacionar com o pensamento crítico, Bauman (2001) observa que não se trata de uma mudança decorrente apenas do fato de, por exemplo, hoje, as pessoas estarem mais distanciadas de colocarem as reformas sociais na pauta de reivindicações ou serem desprovidas de engajamento político. Para ele, a questão central é que hoje vive-se numa modernidade que opera de modo diferente. Saiu-se de uma sociedade de orientação fordista na qual a rotina e a pré-determinação, que anunciavam a espontaneidade individual, davam o tom, e entrou-se numa busca irrefreada pelo novo inalcançável onde as identidades só podem existir como “um projeto não- realizado”, marca que, segundo o sociólogo, não diferencia esta modernidade da outra. Esta modernidade, para o autor, apresenta duas particularidades: uma é o fim da ilusão de que existe um modo perfeito de existência a ser atingido; a outra, a ideia de coletividade cedeu lugar aos interesses individuais.

Em relação à segunda, o que se tem são cidadãos apresentados como indivíduos. São as ações de vida desses indivíduos que, na verdade, constroem a sociedade, reformulando-a. Decorrente dessa transformação, a identidade humana deixou de ser algo rigidamente estabelecido para ser algo construído. Conforme Bauman (2001, p. 42), na modernidade vivida

Não são fornecidos “lugares” para a “reacomodação”, e os lugares que podem ser postulados e perseguidos mostram-se frágeis e frequentemente desaparecem antes que o trabalho de reacomodação seja completado. O que há são “cadeiras musicais” de vários tamanhos e estilos, assim como em números e posições cambiantes, que fizeram com que as pessoas estejam constantemente em movimento, e não prometem nem a realização, nem o descanso, nem a satisfação de “chegar”, de alcançar o destino final, quando se pode desarmar-se, relaxar e deixar de se preocupar. Não há perspectiva de “reacomodação” no final do caminho tomado pelos indivíduos (agora cronicamente) desacomodados.

Inserir-se nesse modelo de sociedade, alerta o autor, não se trata de opção. Não há como escapar da “liquidez” dos tempos modernos. Um tempo no qual continuam as contradições e os conflitos socialmente produzidos, mas o dever de enfrentá-los não é mais coletivo, mas individual. Sai de cena o cidadão e entra o indivíduo. Nesse novo modelo, o interesse público resume-se a detalhes sobre a

vida privada de pessoas de destaque. É com o predomínio dessa individualização, contraditoriamente marcada pela fragilidade de se controlar as situações sociais, que o indivíduo tem de ser hábil em lidar.