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4 O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA: NATUREZA JURÍDICA E

4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

4.1.1 A modernização da Administração Pública para atingir o fim público

Após extenuante escrutínio, e realizadas as ressalvas necessárias, não resta alternativa além de acolher a intelecção contida na assertiva proposta por Hugo Nigro, na qual afirma que a natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta se adequa à de “um ato administrativo negocial por meio do qual só o causador do dano se compromete”198, desta forma, não reconhecendo a transação por parâmetros

contratuais de natureza civil, todavia, consequentemente, relocando esta para o âmbito administrativo, passando a transação figurar como um elemento negocial entre os celebrantes do TAC. Assim, dada a natureza dos direitos materiais discutidos, “o órgão público que o toma, a nada se compromete, exceto, implicitamente, a não propor ação de conhecimento para pedir aquilo que já está reconhecido no título”199.

Ressaltando que, as cláusulas, após acolhidas pelo órgão, se tornam objeto de um título executivo.

195 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº 596.764 - MG (2003 /

0177227-5). Relator: FERREIRA, Antônio Carlos. Publicado no DJ de 23-05-2012 p. 997. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21837531/recurso-especial-resp-596764-mg-2003- 0177227-5-stj/inteiro-teor-21837532>. Acesso em: 15 ago. 2017.

196 GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Teoria Geral do Processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

p. 29.

197 MOREIRA, Egon Bockmann. et al. Comentários à Lei de Ação Civil Pública. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2016. p. 374.

198 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. Saraiva: São Paulo,

2012. p. 437.

Embora a vida em sociedade exija dos indivíduos a obediência ao poder de império do Estado200, colocando a Administração Pública em local de preponderância

em relação aos seus administrados, em virtude de prerrogativas decorrentes da realização de interesses públicos201, esta tem passado por uma gradual evolução.

Curiosamente, Moreira Neto tratou de trabalhar em obra própria, denominando esse processo de Mutações do Direito Administrativo, oriundas da renascença da

consciência da sociedade202, possibilitando o surgimento de novas balizas para que

seja exercida a gestão dos interesses gerais pelas organizações políticas constituídas. Neste diapasão, pode-se destacar o protagonismo do já mencionado princípio jurídico

da consensualidade, que traz em seu escopo a vontade de substituir, “sempre que

possível, a imperatividade pelo consenso nas relações Estado-sociedade e à criação de atrativos para que os entes da sociedade civil atuem de diversas formas em

parceria com o Estado”203.

Para fins específicos deste trabalho, é imperioso observar a consensualidade na solução de conflitos, partindo da ideia que a opção por esta forma não foi feita de maneira aleatória, mas através bases racionais e plenamente justificadas, tal como a

economicidade, reduzindo os custos dispendidos pelo Estado e pela sociedade; a agilidade, simplificando os processos burocráticos; a modernização, renovando as

modalidades de prestação de serviço; entre outros, conforme afiança Moreira Neto204.

Assim, demostra-se inúmeras vantagens se comparadas às formas tradicionais e imperativas da Administração solucionar os conflitos.

Esse entendimento sobre uma administração pública pautada na consensualidade, não mitiga o sistema usual utilizado para atender a supremacia dos interesses públicos, mas sopesa os valores contidos em cada interesse tutelado em sociedade, construindo o que Gustavo Binenbojm chamou de sistema de

ponderações, possibilitando o administrador público construir uma “aferição do

200 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

201 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. 202 Essa consciência de sociedade está fundada na ideia de que existe a necessidade de enfrentar os

desafios criados pelo Estado, em prol da autonomia da coletividade e o seu consequente direito de participação, possibilitando abertura de novos canais na atuação política. Esta consciência ficou por muito tempo em latência, sufocada por “avassaladoras ditaduras, das ideologias de esquerda e de direita, e das burocracias e das tecnocracias autocráticas que devastaram a vida política no século vinte”. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

203 Ibid., p. 26. 204 Ibid., p. 29.

interesse prevalecente em um dado confronto de interesses [...], obrigando-o realizar seu próprio juízo ponderativo, guiado pelo dever de proporcionalidade”205, com efeito,

neste mesmo sentido, Marçal Justen Filho aponta entender que, hodiernamente, é preferível atingir o interesse públicos como resultado fim em vez de um pressuposto apriorístico utilizado para tomada de uma decisão, e, assim concluindo que o interesse público é fruto de “um longo processo de produção e aplicação do direito” 206, tendo

autorização, a partir da gestão democrática do Estado, abrir a possibilidade de que sejam verificadas, em cada contexto, como se modula, esse interesse público207.

O que está em discussão é: perseguir o rito processual dentro da Ação Civil Pública, a fim de alcançar uma sentença terminativa sobre o mérito, ou buscar, via Termo de Ajustamento de Conduta, a autocomposição do conflito, alcançando de forma consensual a rápida proteção e recuperação dos interesses difusos em discussão?

Neste sentido que surge a efetividade dos acordos substitutivos de sanção208

nos processos administrativos, do qual, mutatis mutandis, o TAC pode ser encaixado como espécie, vez que este encerra uma querela sobre determinada lide, abreviando o lapso temporal para que se sintam os efeitos de uma sentença condenatória, enquanto aquele se instala ao final de um processo administrativo, como uma alternativa à aplicação ou execução de punição unilateral imposta pela Administração209.

205 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais,

democracia e constitucionalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 107.

206 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum,

2012. p. 128.

207 Ibid., loc. cit.

208 “Os acordos substitutivos são instrumentos administrativos, que poderão ser ocasionalmente

aplicados pela Administração, sempre que, de ofício ou por provocação de interessado, verificar que uma decisão unilateral de um processo poderá ser vantajosamente substituída por um acordo em que o interesse público, a cargo do Estado, possa ser atendido de modo mais eficiente, mais duradouro, mas célere ou com menores custos”. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 231, p. 129-156, jan. 2003. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45823/ 45108>. Acesso em: 24 ago. 2017.

209 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções

regulatórias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 34, p. 133- 151, abr./jun. 2011. Disponível em:

<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/234216/mod_resource/content/1/Acordos%C2%A0substitutiv os%C2%A0nas%C2%A0san%C3%A7%C3%B5es%C2%A0regulat%C3%B3rias.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2017.

Não resta dúvida sobre o melhor procedimento a ser adotado, uma vez que há a permissão legal, prevista na Lei de Ação Civil Pública, sobretudo, por se tornar uma forma alternativa à rígida punição, que somente será aplicada ao final de um exaustivo, combativo e custoso processo judicial; além de proporcionar atenção aos diversos interesses em lide, por meio de um instrumento consensual, completamente hábil a produzir os efeitos pretendidos em lei, atendendo ao que Egon Bockmann et al. julga ser “um negócio jurídico de direito administrativo classificável como ato administrativo consensual”210.