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A modernização como tônica do período

Capítulo 3 – A preservação de bens arquitetônicos em Santos: 1974-1989

3.1. O que veio antes

3.1.1. A modernização como tônica do período

Na virada do XIX para o XX, a tônica nas grandes cidades brasileiras era a modernização, como brevemente mostrado no Capítulo 2. Os arcaísmos do passado não eram vistos com bons olhos pelas cidades que se pretendiam modernas e europeizadas e, por essa

razão, não deveriam ter continuidade. Em Santos não foi diferente: devemos lembrar que a dinâmica da cidade ganhara impulso com a ferrovia e o agora maior porto do país, exportador de nosso produto mais importante: o café.

A relação entre a tradição e progresso foi resolvida de forma harmônica apenas no campo da produção histórica – incluindo aqui a pictórica com fins históricos -, sobretudo a difundida pelo Instituto Histórico e Geográfico e pelo Museu Paulista, instituições de onde emanavam as versões oficiais do Estado e do país. Se nas telas de Benedito Calixto, como vimos, a evolução da cidade mostrava-se via processo contínuo, sem rupturas, o que acontecia de fato era bem diferente. Para Caleb Faria Alves (2003, p. 268), a visão de Calixto de “uma cidade moderna e organizada, portanto, não implica o rompimento com o passado mas, justamente, o oposto: a cidade é moderna porque credora do seu passado, isto é, credora da conjunção dos fatores que permitiram o seu desenvolvimento”. E prossegue escrevendo que

[...] o antigo é demolido no espaço real, público, para ser imortalizado no Museu, num registro articulado de modo a denotar uma certa evolução da ocupação urbana e dos hábitos dos paulistas. Em Santos, por exemplo, toda a cidade fora reformulada

Figura 38 - Imagens como a apresentada, mostrando sempre

um antes – atrasado - e um depois – moderno e bonito – foram freqüentes não só nessa edição comemorativa ao 1º centenário da cidade, mas em muitos jornais do primeiro quartel do século XX. Na legenda publicada, lê-se: “Ao alto, a Praça da República, em 1908, vendo-se ao fundo a antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário, e á esquerda, o primeiro edifício da Alfândega. Em baixo, a Praça da República em 1938. Ao lado, o majestoso edifício da Alfândega, inaugurado em 7 de setembro de 1934.”

Fonte: A Tribuna de Santos, janeiro de 1939. Edição Comemorativa ao 1º Centenário da Cidade. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

em virtude da construção do porto cujas etapas foram motivo para Calixto. Abre-se caminho para o moderno às custas do sacrifício do antigo, muito mais no intuito de reescrever a história do que em função da necessidade real de espaço (ALVES, 2003, p. 247).

Nesse mesmo sentido, foi significativa a demolição, em 1869, do marco fundador da cidade, cuja função de perpetuação da memória seria realizada, daí por diante, por intermédio de uma lápide, colocada pela Câmara municipal.

Frente a necessidades outras – técnicas e estéticas – pouco ou nada se voltaram os olhos para a preservação da arquitetura santista, como ademais a de outras cidades brasileiras no mesmo período. Segundo Andrade (1993, p. 106):

O século XIX transcorreu entre nós sem que em algum momento a preservação do patrimônio cultural tenha se incorporado às políticas públicas ou às preocupações sociais. Assistimos, ao contrário, à progressiva substituição dos edifícios e das estruturas urbanas herdadas dos períodos anteriores, segundo os padrões reproduzidos das grandes reformas urbanísticas das principais cidades européias. Destruições e reformas tanto mais intensas quanto mais se estreitavam as relações de dependência econômica, social e cultural no plano internacional.

Na imprensa local, ainda que tratando da cidade de São Paulo, podemos perceber a euforia e o contentamento com os quais eram recebidas as modernizações e mudanças. No dia 30 de agosto de 1903, o jornal Cidade de Santos publicava em suas páginas a notícia sobre a festiva recepção feita pelos paulistas ao prefeito Paulo Prado, que retornava de curta viagem ao Rio de Janeiro. O motivo de tal contentamento vinha da satisfação com que era vista, segundo o jornal, a remodelação do então acanhado Largo do Rosário:

De facto, depois de admirar o largo do Palácio com seus muitos e bellos monumentos, de contemplar os bellíssimos edifícios da rua 15 de Novembro, como são o banco Allemão, a Casa Garraus e Galeria de Cristal, o visitador extrangeiro sente uma verdadeira decepção vendo o actual largo, mesquinho, rachitico e acanhado.

Para conseguir o seu proposito, o Prefeito de São Paulo pretende arrasar a Egreja do Rosario, e as casas que junto a ella fazem parte do corpo do templo.

A irmandade proprietária, está disposta a mudar-se, a edificar outra egreja.

A municipalidade para isso, dá um terreno no largo do Payssandu para nelle construir a nova basílica e 180 contos para pagar as despesas da sua construção (Cidade de Santos, 30 de agosto de 1903).

Após falar sobre a quantia que a irmandade receberia, a notícia prossegue com a posição dos religiosos, para os quais os 180 contos de réis eram insuficientes:

Accrescentam que, a nova egreja que haverão de construir deverá ter o cunho dos conhecimentos modernos da arte christã, que hoje não se pode edificar um templo,

como se edificava nos tempos coloniaes; e que a architectura hodierna não admitte mais essas paredes lisas, apenas ornamentadas com algum medalhão, Luis XV; e que para isto não bastam 180 contos.

[...]

Admittindo a offerta da camara municipal, a irmandade não pode edificar uma egreja digna de São Paulo por falta de recursos e por outro lado perde o rendimento anual de dez ou doze contos, que lhe dão as lojas encostadas á egreja.

É de suppôr que esta questão seja submettida ao parecer de entendidos arbitros que com inteira izenção de animo darão a rasão áquelle que a tiver.

A grande maioria das pessoas com quem tenho conversado sobre este assumpto opina – e eu com ella – que 180 contos de réis é pouco dinheiro, porque essa quantia não paga á irmandade o que ella cede a cidade de São Paulo e tambem, porque, no estado de progresso, de desenvolvimento e de belleza da capital actualmente uma egreja edificada com esses mesquinhos meios, será, por força acanhada, pobre e indigna de soffrer o paralelo entre os outros monumentos de São Paulo.

Seriamente, 180 contos é pouco (idem).

Ainda que outros motivos contribuíssem para condenar a oferta da prefeitura como insuficiente – e esse é o caso do prejuízo que teriam com a perda das casinhas do entorno, que geravam mais de 100 contos de réis – o ponto- chave era o de que a quantia não bastaria para levantar uma igreja digna e moderna, diferente, pois, da que a irmandade possuía no Largo do Rosário. A cidade moderna teria que ter seus prédios e equipamentos à altura, não admitindo mais as “paredes lisas, apenas ornamentadas com algum medalhão [...]” (Cidade de Santos, 30 de agosto de 1903).

Olhando para o período, no entanto, vemos que no

embate entre o novo e o velho, a modernização e a preservação, foram sempre vitoriosos os primeiros. O fascínio e o deslumbramento maiores destinavam-se à cidade que se construía: dessa forma, grande alarde fez a imprensa com a inauguração do prédio da Bolsa do Café, incluída como parte dos festejos do Centenário da Independência.

A architectura exterior da construcção é inspirada no Renascimento Italiano e está tratada de um modo severo e rico, ao mesmo tempo, a fim de dar ao edifício todo o caracter da importância que convém a um Templo do Commercio, em uma cidade

Figura 39 - Bolsa do Café vista do

cais, em postal da Fotolabor, da década de 40. Disponível em <http://www.novomilenio.inf.br> . Acesso em 23 dez. 2007.

prospera, cuja potencia commercial se impõe cada vez mais ao mundo (Cidade de

Santos, 7 de setembro de 1922).

Se a virada do século representou um período de transformações urbanas bastante significativas, podemos dizer que as décadas de 40 a 60 também o foram. Toda a paisagem da orla, tão cara aos habitantes da cidade, como veremos, foi modificada. Com os terrenos

Figura 40 - Praia do Gonzaga na

década de 40. Na imagem, vê-se a Avenida Ana Costa, com a Praça da Independência e seu monumento. Em primeiro plano, o Parque Balneário Hotel e seu famoso jardim e, à esquerda, o Atlântico Hotel. Notar que a orla ainda não estava verticalizada e que havia muitos terrenos disponíveis ao longo da Av. Ana Costa

Fonte: disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br>. Acesso em: 23 dez. 2007. Foto enviada por Ary O. Céllio.

Figura 41 – Outra vista da Praça da Independência, também na década de 40.

Fonte: disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br>. Acesso em: 23 dez. 2007. Foto enviada por Ary O. Céllio.

valorizados e a alta demanda de turistas que encontraram na Via Anchieta - finalizada em 1947 - o caminho mais fácil para o mar, foram ao chão os inúmeros e antigos palacetes do início do século, usados para veraneio da elite do café, assim como muitos dos grandes hotéis, também do mesmo período, que marcaram e serviram como referências à paisagem santista. Em 1959 foi demolido o Hotel Internacional, no Bairro do José Menino, o primeiro a ser construído na orla; também no mesmo bairro, em 1964 foi ao chão o Palace Hotel. O desmonte do Parque Balneário – termo mais adequado, posto que todas as suas peças foram cuidadosamente retiradas e vendidas -, um dos hotéis mais sofisticado que existiu na cidade, começou em 1973 e a sua demolição

marcou de forma trágica a história da preservação de bens arquitetônicos na cidade, como veremos. Dessa forma, casarões e balneários – símbolos do período áureo do café – foram ao chão. A cidade precisou perder muitos deles para depois olhar para a defesa do que ficou.

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