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3 AS ESTRUTURAS DA NADIFICAÇÃO

3.4 A MORTE

Certamente Sartre sofreu influência do pensamento alemão para desenvolver sobre sua teoria e na questão da morte não é diferente. Porém, sua exposição sobre o tema não segue exatamente as teorias vigentes da época. Ao apresentar seu conceito de morte, Sartre vai na contramão do pensamento heideggeriano apresentando uma visão negativa da morte.

Durante sua exposição n’OSer e o Nada ,Sartre apresenta duas possibilidades de enxergar o conceito: por via do realismo e por via do idealismo. No viés realista, a morte é vista como um fim, limite final de uma série da vida.

Assim, podemos dizer que – em correlação com as grandes teorias realistas – houve uma concepção realista da morte, na medida em que esta apareceria como contato imediato com o não- humano; com isso, a morte escapava ao homem, ao mesmo tempo que o moldava como o absoluto não-humano (SARTRE, 1997, p. 652)

Porém a visão idealista não podia aceitar que o homem se encontrasse de certa forma com seu inumano. A proposta idealista visou dar à morte um valor. A morte passou a ter significado maior do que o de “fim da vida”.

O viés idealista explicava a morte como algo que podia ser esperado em vida. A morte deixa de ser algo do inumano para assumir o posicionamento de último fenômeno de vida, redirecionando assim toda a existência para morte e dando a ela o estatuto de “sentido da vida”. Mas além do sentido da vida, a morte também é apontada como o “sentido de minha vida”, individualizando-a e voltando a responsabilidade de morrer ao próprio sujeito. O caráter de finitude contido no idealismo limita a vida a um ser-para-a-morte7, definindo

assim a realidade humana.

O estatuto de ser-para-morte que o idealismo aponta vai na contramão da teoria sartreana. Ao assumir a morte como uma possibilidade da vida, cria-se assim um determinismo ao ser e dá-se um aspecto positivo a ele. Ao afirmar a morte como a última das possibilidades, como o acorde de resolução da melodia da vida, afirma- se uma morte esperada, mas não da morte mesma. O caráter particular da morte não a coloca em um ponto de vista elevado da vida, pois não existe nenhum tipo de afirmação que possa ser feita sobre o ser que não seja dado como dele. Dizer “minha morte” se assemelha ao afirmar “meu amor”, “minha raiva”, “minhas emoções”, “meus desejos”, ou seja, a particularidade afirmada da morte é tão particular quanto qualquer uma das outras particularidades apontáveis do ser, em outras palavras, “o amor mais banal é, tal como a morte, insubstituível e único: ninguém pode sentir por mim”(SARTRE, 1994, p. 655). A única forma que pode-se afirmar a morte como “minha morte” é inserindo-a ao conceito de subjetividade de uma consciência particular. Porém, a própria subjetividade já extrai a morte de si como algo fora de suas possibilidades e tira dela o papel de dar a ipseidade da consciência.

Neste caso, a morte não poderia se caracterizar como minha morte pelo fato de ser morte, e, consequentemente, sua estrutura essencial de morte não basta para torná-la este acontecimento

7 Sabe-se da larga discussão sobre a morte com Heidegger que é feita diante da

personalizado e qualificado que podemos esperar. (SARTRE, 1994, p. 656)

Assim a morte não pode ser dita como algo esperado pelo ser. Ela não fazer parte do dia a dia de possibilidades da consciência. Se a consciência assumir a morte por velhice como esse acorde final, acaba- se por limitar toda a vida a essa espera. Todavia, a composição infinitesimal de acontecimentos durante a vida impede que a consciência seja assegurada de uma morte por velhice. Nada impede que amanhã o ser, preso a sua subjetividade, tenha uma morte súbita e que toda a espera seja adiantada em um supetão mortal. Assim, definir a existência como algo que é delimitado pela morte é defini-la dentro da absurdidade do esperar.

Como já foi dito anteriormente e resgatando o tema foco desse texto, não se pode dar à morte o estatuto de “significante” da vida. Ao se falar de liberdade, sabe-se de uma liberdade negativa, nadificadora, que em seus atos retorna e reflete a consciência a sua condição subjetiva. Delimitar o ser como ser-para-morte pode ser interpretado como o fim de sua subjetividade. Desta forma, se diz da morte não como possibilidade vigente da liberdade, mas sim como “uma nadificação sempre possível de meus possíveis e que está fora de meus possíveis”(SARTRE, 1994, p. 658). Assim a morte é ainda inserida no contexto como parte da nadificação da consciência,afirmação esta que remete a outra questão relacionada a morte: a temporalidade da morte.

O presente se faz na teoria como um momento nadificado de uma consciência que se lançou ao futuro e se coisificou em passado. O atributo de em-si do passado da consciência o torna imutável como todo em-si do mundo, em outras palavras, o passado não pode ser alterado. Ao falar da morte Sartre radicaliza. Ao morrer a consciência torna-se um em-si-para-outro, dado que não se tem mais possibilidades para a consciência presentificada se lançar. A morte torna a consciência um ser que depende de outros para ser “lembrada”, torna-se apenas seu passado. Ao dizer de alguém que já morreu, apenas pode ser dito algo que é seu ser passado. Afirmações como “Juca adorava correr aos domingos”, nunca poderão ser feitas pelo próprio Juca, pois tanto Juca, quanto o atributo de correr aos domingos são passados e não há um Juca presentificado que possa trazer esse passado à tona, restando apenas para um outro dizer sobre o Juca-passado. Deve-se entender com isso que a morte reduz o Para-si-Para-outro ao estado de simples Para- outro.”(SARTRE, 1994, p.164). Em outras palavras, após a morte, a

consciência continua com sua existência, porém na dependência do outro para trazê-la como lembrança e caso tal existência caia em esquecimento, ela e seus passados serão aniquilados, ou como diz Sartre “Estar morto é ser presa dos vivos”(SARTRE, 1994, p. 666).

Retomando a afirmação de que “uma nadificação sempre possível de meus possíveis e que está fora de meus possíveis”, pode-se perceber que o papel da morte na teoria sartreana se inverte, retirando dela qualquer delimitador em vida; a morte deixa de ser a reta final do ser. Sendo assim, a morte não é nada para a consciência, pois enquanto há vida não há morte, ela está além da possibilidade, está fora da vida.

4 A TEMPORALIDADE: A RENOVAÇÃO DA TEORIA SOBRE

No documento Consciência e Nadificação (páginas 50-55)

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