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A MOTRICIDADE HUMANA E A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO

CORPO DUPLO

2. A CORPOREIDADE E A MOTRICIDADE À LUZ DO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

2.1 A MOTRICIDADE HUMANA E A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO

A partir da leitura da Fenomenologia da Percepção, de Maurice Merleau- Ponty, Manuel Sérgio33 (s.d.) entende e conceitua a motricidade como intencionalidade operante, como movimento intencional da pessoa humana. E, a partir de então, esse autor define motricidade como energia para o movimento intencional da transcendência (ou da superação). Portanto, motricidade é mais do que movimento – é movimento intencional da complexidade humana.

A motricidade “[...] traduz a apropriação da cultura e da experiência humana – no entanto, como intencionalidade operante, ela confere especial relevo ao projecto, à vontade de criação, ou melhor: de ruptura e transcendência, que anima a pessoa consciente e livre” (SERGIO, [s.d.], p. 31). (grifo do autor).

Conforme Sergio (s.d.), a fenomenologia34 e a hermenêutica rejeitam o dualismo cartesiano – apresentado no primeiro capítulo – res cogitans/res extensa,

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An

tigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa. Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia. Disponível em: http://www.universidadedofutebol.com.br/Jornal/Colunas/3,10156,MOTRICIDADE+HUMANA+PARA+ ESCLARECER+ALGUMAS+DUVIDAS.aspx. Acesso em: 12/01/2012.

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Husserl (Edmund Gustav Albrecht Husserl, 1859 - 1938, matemático e filósofo alemão, conhecido como o fundador da fenomenologia) propõe ‘ir às coisas em si mesmas’. O objetivo da fenomenologia é a busca da essência das coisas, descrever a experiência tal como ela vai se dando de modo que se atinja a realidade como ela é. Entretanto, Heidegger (Martin Heidegger - 1889 1976) filósofo alemão, seguramente um dos pensadores fundamentais do século XX - ao lado de

Bertrand Russell, Wittgenstein, Adorno e Michel Foucault - quer pela recolocação do problema do ser e pela refundação da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural, influenciou muitos outros filósofos, dentre os quais Jean-Paul Sartre, propõe outra

pois a relação sujeito e objeto é uma relação de SER, o sujeito é o seu corpo. O seu corpo é o seu mundo e sua situação no mundo.

Bereoff (2007), escreve que a fenomenologia deve interrogar, compreender e decifrar o fenômeno, ou seja, ir além da descrição do fenômeno, pois a coisa-em-si não se mostra à primeira vista, pondo à mostra os elementos menos aparentes de tais fenômenos: a hermenêutica. Merleau-Ponty também defende a ideia da necessidade de irmos além da descrição do mundo, e a percepção do sujeito é o relacionamento original, a experiência primeira do homem com o mundo.

Merleau-Ponty (COLEÇÃO, 1980) “[...] ao tomar a experiência corporal como originária, redescobre a unidade fundamental do mundo como mundo sensível. A descoberta do corpo reflexivo e observável mostra que a experiência inicial do corpo consigo mesmo é uma experiência em propagação e que se repete na relação com as coisas e na relação com os outros, qual seja, uma relação intersubjetiva. A reunião de células, órgãos ou sistemas funcionais não sintetiza a totalidade do corpo, isto é, não revela a posse material de um organismo. Não temos um organismo, mas SOMOS a existência orgânica (MERLEAU-PONTY, 1994).

Com base nesse pensamento fenomenológico, Manuel Sérgio dizia que o homem é um projeto portador de sentidos, uma corporeidade que por meio da intencionalidade operante ou motricidade busca de forma infinda e inglória experimentar o mundo para transcender o status quo (BEREOFF, 2007, p. 59).

Concordamos com Bereoff (2007), quando o autor afirma que a maior contribuição de Manuel Sérgio e da fenomenologia foi o de resgatar a necessidade da EXPERIÊNCIA FORMATIVA para as pessoas, dado ao fato de que, na atual sociedade, acabamos por perder a capacidade de experimentar e de vivenciar o mundo que somos e o mundo em que estamos. Tais experiências e vivências realizam-se intencionalmente – motricidade – e manifestam nossa corporeidade. Conforme Carmo Jr (2011), a motricidade pode ser entendida como um conceito de expressão corporal orgânica e psíquica. Ela precede o ato motor e este fornece os gestos complexos estruturados onto e filogeneticamente em fundamentação ontológica e defende que a fenomenologia precisa entender a EXISTÊNCIA numa determinada situação que se apresenta ao sujeito. A fenomenologia deve recorrer ao FATO, a faticidade, O DASEIN: Ser-aí, Ser no mundo, como propõe Heidegger (BEREOFF, 2007).

ato/pensamento/ato/pensamento como tradução em linguagem das impressões causadas pelas experiências. A motricidade mais profunda está justamente nas linguagens como um tipo de jogo humano. A motricidade comunica o ser humano com o mundo e talvez o primeiro entendimento humano sobre esta comunicação. A linguagem é a “casa do ser”, lugar polissêmico entre palavras e as coisas, uma relação estabelecida dialeticamente entre aparência e realidade.

A motricidade organiza a corporeidade e, conforme Godoy (1999), não podemos considerar a motricidade sem considerarmos a relação movimento-signo, pois os movimentos produzem signos, ou seja, são repletos de significados, de símbolos comunicativos. A sucessão de movimentos/signos – motricidade – compõe as linguagens promotoras das leituras, das interpretações e das expressões humanas de forma consciente, ou seja, o movimentar-se com intenção e significado relacional entre meios e fins, formas e conteúdos.

A intencionalidade atende às necessidades humanas de vivências e experiências perceptivas, sensíveis e inteligíveis. Tais vivências e experiências – ser/estar no mundo: corporeidade – ampliam a possibilidade de entendimento e de compreensão da realidade e, consequentemente, ampliam as possibilidades para a aprendizagem de leituras e visão de mundo.

A corporeidade é a manifestação da dimensão humana na qual o corpo (uno) é o centro de experiências, sensações e criações humanas e revela o ser em sua totalidade estética e o autoconhecimento. A motricidade é o meio pelo qual a corporeidade manifesta-se numa relação dialógica com o mundo em dimensões objetivas e subjetiva e, necessariamente, numa subjetividade implícita na intenção – a intencionalidade – de fazer.

A motricidade humana é um conceito estrutural composto por um conjunto de significados e deve ser interpretada como um conteúdo essencial da natureza humana e de domínio público, sobre o sentido mais puro do movimento humano (CARMO Jr., 2011). Entretanto, “não há motricidade sem o uso corrente da linguagem, não há corporeidade sem o uso corrente de signos e símbolos de um movimento humano primordial [...]” (p. 1). "A motricidade intervém a todos os níveis das funções cognitivas – da percepção aos próprios esquemas”. Todos os mecanismos cognitivos repousam na motricidade [...] na qual "o Homem é corpo- alma-natureza-sociedade", buscando sua transcendência e, seu cunho pedagógico, a Educação Motora (SÉRGIO, [s.d.], p. 36).

2.2 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE HUMANA E AS PRÁTICAS