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Capítulo I A família: natureza, identidade e missão

1- A natureza e os fundamentos antropológicos da família

1.1- Os tipos de grupos humanos

O ser humano é, por natureza e definição, um ser social. Por isso, os indivíduos agrupam- se, quer em comunidades, quer em associações. Segundo Giner (citado por Fullat, 1983: 146-147), as comunidades têm por fundamento a emotividade, por função o «outro» como fim e aponta como exemplos a família, a nação, o grupo de amigos. Por seu turno, as associações têm por base a utilidade, por função o «outro» como meio e refere como exemplos, a escola, o partido político, o sindicato, o Estado, etc.

Para a comunidade é decisivo o afeto. Para a associação, o importante é a divisão funcional do trabalho, assim como a colaboração complexa e impessoal (Fig. 1).

Figura 1 - Comunidade vs. Associação segundo Giner

“A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem o direito à proteção desta e do Estado” (ONU (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos, art.º 16, al. 3)

Comunidade vs. Associação (segundo Giner)

Comunidade

- Fundamentos: a emotividade (afeto); - Função: o «outro» como fim;

- Exemplos: família, nação, grupos de amigos…

Associação

- Fundamentos: a utilidade (divisão funcional do trabalho) e a colaboração;

- Função: o «outro» como meio;

De entre todos, um grupo destaca-se de todos os outros pela sua importância primordial: o grupo ou instituição familiar. E ainda que hoje se possa questionar, ou mesmo pôr em causa, a importância e necessidade deste grupo, é de considerar que – embora a estrutura familiar e funções desempenhadas pela família variem no espaço e no tempo – se atribui, de facto, à família um papel fulcral no crescimento e desenvolvimento dos indivíduos e na sua inserção na sociedade.

1.2- A (in)definição de família: ambiguidade e polissemia

Histórica e etimologicamente, a palavra família deriva do vocábulo latino “famulus” que significa servidor. Num primeiro momento significava lar-património e não de descendência e parentesco associado a “gens”. Com o passar do tempo e com o sistema de propriedade privada, a primeira cedeu o lugar à outra.

Apenas na Era Moderna, e no século XVII, aparece uma conceção de família restrita, separada da parentela e dos serviçais domésticos, mais próxima da definição atual. Conquanto, o grupo doméstico, que habita em conjunto, formado pelo pai, mãe e filhos, só aparece em 1835 no Dicionário da Academia. Desde então até aos anos setenta do século XX, este grupo e noção pareciam estáveis. Porém, a realidade familiar e social, afetada por profundas mutações, arruína a estabilidade estática e as certezas.

Sendo assim, a família tem-se tornado uma noção polissémica, em razão da diversidade de estruturas, formas de organização e representações. Apesar da multiplicidade de formas e tendo variado ao longo dos tempos e das sociedades (Goode, 1970), as ideias clássicas, muito estereotipadas e reducionistas, apontam para dois grandes tipos familiares: a nuclear e a alargada, sendo que a família tronco seria uma variação das primeiras modalidades de família (Leandro, 2001).

Como refere Leandro (2001), “em qualquer forma de família, sempre se procurou encontrar a unidade de um casal conjugal, unido ou não pelo casamento, para atribuir a paternidade-maternidade aos recém-nascidos. Daí, entre outras razões, uma tendência para se falar de família nuclear desde os tempos remotos” (39).

Olhando retrospetivamente a história ocidental, a família do Génesis é nuclear conjugal (formada pelo casal, Adão e Eva, e filhos, Caim e Abel), tal como a do Novo Testamento que assenta no modelo da família de Nazaré (formada pelo casal José e Maria e filho Jesus); a do Antigo Testamento é predominantemente poligâmica. A família nuclear conjugal, apesar de ter coexistido com outras formas de família, foi disseminada pela Europa graças à ação do Cristianismo, a partir do século IV.

Porém, a questão conceitual permanece em aberto e leva-nos a interrogar sobre as características mais gerais da família. Na esteira levi-straussiana, a família apresenta uma “natureza dual”1. “É da ordem do natural, uma vez que lhe é confiada, pela generalidade das sociedades, a reprodução da espécie e os cuidados da prole, normalmente até à idade adulta ou, pelo menos até à juventude. É de ordem social, pois que toda a sua existência é pautada por um conjunto de regras que emanam da sociedade” (Leandro, 2001: 39). Segundo Lévi-Strauss, sem sociedade não poderá haver família, visto que o princípio da lei da proibição do incesto, sendo universal, obriga também à lei da exogamia, isto é, a formação de uma nova família, em que os membros são estranhos ao grupo a que cada um dos constituintes pertence. E aqui deparamo-nos com mais uma regularidade: apesar de não se identificar plenamente família com casamento – com toda a variedade de normas e rituais – todas as sociedades distinguem as famílias casadas das não casadas. Daí que se possa afirmar com Lévi-Strauss que “a cultura predomina sobre a natureza” (Lévi-Strauss, 1967).

Nesta linha encontra-se também a socióloga Bernadette Bawin-Legros (1988) que resume a família a um grupo de indivíduos unidos pelos laços de aliança (casamento), de sangue (consanguinidade e parentesco), jurídicos e/ou religiosos, se eleva acima do biológico e do material; é o espaço, onde ocorrem os principais acontecimentos da vida humana: união, procriação, nascimento, partilha da vida e morte (na atualidade, tende a passar da casa familiar à morte- instituição (lar, hospital).

Recorrendo ainda ao legado levi-straussiano a família como grupo social apresenta três caraterísticas, mais ou menos comuns, às diversas formas de família:

- Tem a sua origem no casamento;

- Abarca marido, esposa e filho(s) nascido(s) dessa união e, eventualmente, outros parentes agregados a este grupo. Estes membros estão unidos por laços de aliança, sangue, legais e/ou religiosos e por obrigações económica, social, cultural e ideológica;

- Tem bem definido, pelos costumes e leis, os direitos e as obrigações sexuais e um conjunto de sentimentos psicológicos, como o amor, o respeito, a afeição, a sujeição, etc..

1 Lévi-Strauss, na sua obra “As estruturas elementares do parentesco” (1976), no primeiro capítulo (passim: 41-49),

desmitifica a diferença entre natureza e cultura, alvo das mais acesas discussões intelectuais. Ele afirma que a ausência de regra parece ser um bom critério de diferenciação entre natureza e cultura; porém, a constância e a regularidade existem nas duas. Daí que o autor defina que o caráter da norma pertence à cultura, enquanto o caráter universal pertence à natureza. Existe um mecanismo de articulação ente natureza e cultura. E exemplifica com a proibição do incesto: a proibição do incesto é a regra (caráter normativo da instituição indica o campo da cultura) de caráter universal (do campo da natureza) (47).

Uma vez mais, esta definição encerra alguma parcialidade, visto que não contempla todos as formas familiares, particularmente as mutações contemporâneas. Desta feita, ficam as famílias não casadas excluídas, realidade que sempre existiu e que atinge maior número na atualidade.

Segundo Leandro (2001), a definição de Peter Laslett parece responder melhor à realidade, quer do passado, quer do presente. Ora vejamos: tomam parte do grupo doméstico, todos os indivíduos que vivem em coabitação (localização), que partilham um conjunto de atividades, de elementos e de modos de vida (funcional) e que estão unidos por uma rede de laços que integram a consanguinidade e a aliança (parentesco). A estes critérios juntamos ainda o normativo proveniente da instituição jurídica e/ou religiosa. Apesar de Leandro (2001) referir que as uniões de facto ficavam excluídas desta dimensão, passamos a considera-las, uma vez que as mesmas estão abrangidas por normativos legais, na atualidade.

Esta definição de Laslett revela-se mais abrangente, mais universal e “atemporal”, porque permite caraterizar um maior número de famílias em termos estruturais, funcionais e parentais, enfatizando a importância do espaço comum de habitação (localização), da partilha de um conjunto de atividades, de elementos e de modos de vida (funcionalidade) e obedece a regras de definição e de distinção do parentesco com base no sangue, na aliança institucional ou de facto e no contratual, daqueles que não o são (parentesco), podendo variar de uma época para outra.

Referindo-nos, agora, à família concebida à luz duma tipologia de laços que parecem fundamentar a família, importa, antes de mais, registar que os laços não se encontram em todas as situações e que não têm o mesmo peso e influência.

Assim, até um passado recente, “os laços de aliança reforçados pelos laços jurídicos e/ou religiosos antecediam os laços de sangue. Era o casamento que, institucionalizando e fundamentando a família, oficializava a sexualidade e a procriação e garantia a estabilidade do grupo. Não deixa de ser verdade que, em todas as circunstâncias, são os laços de sangue que se impõem, ainda que o casamento religioso católico seja indissolúvel” (Leandro, 2001: 43). O sangue cria o indissolúvel, o eterno e o universal que, independentemente da sua qualidade e das vicissitudes da vida, ultrapassa as barreiras da vida e da morte, do tempo e do espaço. Esta nota é evidente nas uniões, com ou sem casamento, frequente na separação ou, pelo menos, afastamento do pai/mãe em relação ao/à filho/a, sem que todavia se possa falar em ex-pai/ex-mãe, ex-filho/a, ex-avós/netos, etc. Ao invés, pode-se falar em ex-marido e em ex-esposa.

Vejamos o caso dos isolados, ou famílias sem núcleo ou sem estrutura familiar, podem agrupar pessoas sem que exista entre si nenhum destes laços. Tal é o caso daqueles indivíduos, que não tendo nenhum laço de parentesco, nem de sangue, partilham a mesma habitação e um

certo número de serviços. Situação diferente da dos irmãos (laços de sangue decorrente do parentesco horizontal). Há ainda a situação da família monoparental resultante da viuvez, do divórcio, do fenómeno da mãe solteira e até da emigração. Nestes casos há a exclusividade do laço de sangue. Para os casais sem filho(s) prevalecem os laços de aliança, os jurídicos e/ou religiosos. No caso das uniões de facto, excluídos os vínculos jurídicos e/ou religiosos, prevalecem os de aliança e de sangue, logo que haja filho(s). A duração mais precária deste tipo de relacionamento é, frequentemente, desmentida pela realidade.

A complexidade continua nas novas configurações familiares decorrentes das separações. As designadas famílias recompostas ou reconstituídas, mesmos casadas civilmente, podem não ter filho(s) comum(ns). Os laços de sangue mantêm-se entre o(s) que trouxe(ram) filho(s) com ele(s), ou que não partilhe a habitação com o(s) filho(s) do anterior casamento (Ibidem).

Para finalizar, nesta incursão conceitual, apraz-nos registar os seguintes elementos novos, de acordo com os tempos mais recentes: individualidade, democraticidade e maior igualdade.

Face a esta multiplicidade de formas e de conceções familiares, que têm vindo a aumentar e a complexificarem-se, sobretudo a partir dos anos setenta, do século XX, “[...] não parece correto encerrar a família numa definição conceitual unilinear e muito menos estática. [...].

Com efeito, a família, em sentido mais amplo, é o que há de mais ancestral na história da humanidade e o mais estável, mas também o que se modifica, atualmente, de maneira radical” (Ibidem:45).

1.3- A classificação das estruturas familiares

As estruturas familiares podem tomar formas ou tipologias bastantes distintas. Daí que, atualmente e em rigor, não se fale apenas em família, mas em famílias. Tal facto resulta das estruturas familiares serem processos dinâmicos que variam, quer no espaço, quer no tempo (Leandro, 2001; Idem, 1995: 69; Idem, 1994: 26; Goode, 1970). Por isso, as famílias são realidades constituídas, mas em permanente mutação.

Uma panóplia de variáveis ou de condições interferem na compreensão da sua diversidade tipológica, tais como: geografia, economia, religião, política, ideologia. E, deste modo, o tipo de família depende do meio em que se insere, segundo as coordenadas espaço-temporais. Curiosamente, ela mesma contribuiu para a sua definição.

Assim sendo, uma variedade de critérios permite diferenciar várias e diferentes formas, segundo o critério que se adota. Por isso, alertamos para a excessiva linearidade dos critérios de classificação relativamente às situações que a realidade atual apresenta (Quadro 1).

Critérios Tipos de família

Casamento

(vínculos jurídicos e/ou religiosos)

a) Poligamia:

- Poliginia: um homem é casado com várias mulheres (povos muçulmanos): - Poliandria: uma mulher tem vários maridos (certas etnias da Índia). b) Monogamia:

- Monogamia: um(a) homem/mulher pode desposar, de cada vez, um(a) mulher/homem (tipo mais frequente na atualidade).

Relações de parentesco

(parentesco)

a) Família conjugal, restrita, biológica, nuclear ou primária: constituída pelo pai, mãe e filho(s) menores. Cada membro do casal pertence simultaneamente a duas famílias: a família em que nasceu (família de orientação) e à família constituída pelo casamento (família de procriação);

b) Família extensa, de consanguinidade ou clã: constituída por mais de duas gerações (pais, filhos solteiros e/ou casados, netos, tios e sobrinhos…). O elemento básico é dado pelos laços de consanguinidade. Vários clãs constituem uma tribo.

Autoridade

(exercício da autoridade e hierarquia instaurada entre as pessoas)

a) Família patriarcal: o homem mais velho (ancião) da família dirige os outros membros, em razão de qualidades (geralmente, sabedoria e experiência) atribuídas em função da idade;

b) Família matriarcal: quando a mulher idosa exerce a autoridade principal (certas tribos africanas);

c) Família gerontocrática: um coletivo de pessoas mais velhas (conselho de anciãos) dirige a(s) família(s).

Residência

(localização/habitação)

a) Família patrilocal: reside na casa dos pais do esposo; b) Família matrilocal: reside na casa dos pais da esposa; c) Família neolocal: reside num novo local.

Autonomia

(das famílias entre si)

a) Famílias autónomas: produzem tudo o que os membros necessitam (situação cada vez mais rara);

b) Famílias interdependentes: estabelecem relações económicas com o exterior (venda e compra de produtos e serviços).

(Adaptado de Girão & Grácio, 2005, passim: 8-10) Quadro 1 - Critérios diferenciadores das diferentes tipologias familiares

Refira-se ainda que as famílias também se podem diferenciar umas das outras através da combinação dos diferentes critérios entre si. Apesar desta classificação entre diferentes tipologias ou formas de estruturas familiares, constatamos que ainda não chegamos a uma noção categórica e perentória de «família».

1.4- As bases ou fundamentos antropológicos da «família»

Apresentar uma definição de «família», que abarque uma variedade de aspetos, não é fácil, visto que a «família» se apresenta como uma realidade complexa, plural e polissémica (Goode, 1970; Leandro, 2001; Barros de Oliveira, 2002).

É comummente aceite a definição da «família» como «célula básica da sociedade». Mas, desde logo, alguns colocam inúmeras questões. De que sociedade se está a falar? Qual o estatuto e papel da família? Será a família algo de natural? Uma instituição universal? De que resulta? Como se constitui? A que necessidades responde? Quais as relações entre as estruturas familiares e a dinâmica social? A quem privilegiar? Como resolver diferentes ideologias? Como resolver

determinadas tendências dicotómicas (natural/antinatural; normal/aberração)? Que parâmetros ou critérios a usar, para distinguir as estruturas familiares de estruturas não-familiares?

Contudo, se procurarmos a resposta para estas e outras questões, é possível chegar a conclusões que respondem ao mais elementar e essencial das estruturas familiares.

Quais são, então, os fundamentos ou alicerces que estão na base desta comunidade? O que distingue a estrutura familiar de outras estruturas?

A «família» tem a sua natureza e base na resposta a um conjunto de necessidades – de reprodução, de alimentação, de proteção e de expressão do amor humano - reciprocamente sentidas pelos diferentes indivíduos que constituem este grupo comunitário e que os leva a aproximarem-se. Esta aproximação cria laços afetivos, por princípio, duradouros e estáveis, entre os vários elementos. Ora, a satisfação estável das necessidades, bem como a necessidade de salvaguardar esta organização face aos outros, conduz à institucionalização desta estrutura ou organização pelo direito escrito ou consuetudinário (costumes) (Figura 2).

Figura 2 - A natureza da família

Contudo, alguns dirão ainda: isto não é válido apenas para a família, mas para outros grupos. Outros defenderão que a família implica parentesco e consanguinidade. E outros dirão ainda que só existe família, quando houver amor e casamento (indissolúvel). Ou seja, associam família à procriação e a sua dimensão institucional e tradicional a um certo tipo de relações afetivas. Daí que, surja uma questão: será o casamento uma instituição universal?

1.5- A universalidade da instituição familiar

Será o núcleo ou a instituição familiar algo de universal, ou seja,

2- Aproximação das pessoas (comunidade de pessoas). 3- Criação de laços afetivos duradouros e estáveis. 4- Institucionalização da família pelo direito (escrito ou costumes). 1- Satisfação de um conjunto de necessidades comummente partilhadas.

a) Existe em todas as sociedades?

b) Responde a necessidades de ordem biológica, que têm por base a resposta a pulsões? c) Desempenha funções com valor e legitimidade universal?

A resposta dada à primeira questão, a), aponta para a universalidade do núcleo familiar2, ainda que sob formas ou tipos diversificados. A dificuldade neste ponto, advém da constatação de que não é fácil definir, com total rigor e sem equívocos, a tese da universalidade da família, ou seja, a delimitação desse «núcleo familiar», comum a todas as sociedades.

A resposta dadas às questões b) e c), tem por base saber se na origem da família estão necessidades «orgânicas» do homem, ou seja, necessidades básicas da espécie humana e, se, por conseguinte, a família não é a resposta cultural a essas necessidades.

Por detrás da resposta a estas questões, estão duas posições divergentes: a dos universalistas por oposição aos relativistas. Para os primeiros, a família concretiza e responde a necessidades básicas universais e as relações familiares são a resposta cultural a essas necessidades. Neste ponto de vista, estão na base da constituição familiar:

- A necessidade de reprodução, à qual se liga as pulsões individuais, a prática sexual e o assegurar da preservação da espécie;

- A necessidade de satisfazer/dar resposta às necessidades de alimentação;

- A necessidade de proteção contra os perigos naturais e sociais. Refira-se que, por um lado, o ser humano é, nos primeiros anos de vida, aquele que requer mais cuidados comparativamente a qualquer outro animal e, por outro, o processo de personalização e de socialização com vista à integração na sociedade é também o mais progressivo e lento;

- Resposta à expressão/manifestação do amor humano, que tem a sua expressão no casamento e na família (Figura 3).

Figura 3 - Bases da constituição familiar

Em conclusão, segundo a perspetiva desta posição, as funções desempenhadas pela família justificam e legitimam a sua universalidade.

2 Numa perspetiva sócio-histórica, também, o casamento pode ser concebido como “uma instituição ancestral e

universal (Levi-Strauss), inaugurando o triunfo da cultura sobre a natureza, manifesto universalmente na lei do incesto” (Leandro, 2001: 263).

Base da constituição familiar

Contudo, a posição dos relativistas, questiona esta argumentação, alegando/questionando que:

- Nem todos participam no processo de reprodução; - O que dizer dos que praticam o celibato?

- O que dizer das uniões entre pessoas do mesmo sexo?

- Não é necessário que sejam os pais biológicos a cuidar da sua descendência; - Não é necessário que as mesmas pessoas prestem os cuidados e a proteção;

- Relativamente à questão da família como resposta à expressão do amor, esta posição advoga que o casamento e a família não é a expressão «normal» do amor em todas as culturas (Worsley, 1983)3.

1.6- Principais funções da família

Os grupos primários ou comunitários são imprescindíveis para a preservação da saúde mental dos indivíduos que o integram. De entre estes grupos, a família é considerado o mais importante no âmbito da educação e socialização e distingue-se dos outros grupos primários pela sua capacidade integradora, numa fórmula de convivência, de cinco funções fundamentais (Figura 4): sexual, procriativa, económica, educativa e socializadora e da construção da identidade e do sentido para a existência (Fullat, 1983; Leandro, 2001).

Figura 4 - Funções da família

3 Este mesmo sociólogo, a propósito do «amor, o casamento e o sexo» faz três combinações possíveis: 1º coincidência

total entre amor, casamento e sexo; 2º coincidência entre casamento e sexo, sem amor (o chamado «casamento por conveniência», típico do amor romântico/burguês, em que o matrimónio é preservação do património); 3º presença do amor, com ausência do casamento e do sexo (típico do «amor cortês», da Idade Medieval) (Ibidem, passim: 159-166). Funções da família Sexual Reprodutiva Socializadora (e educativa) Económica Identidade e sentido para a existência

1.6.1- A função sexual

Relatórios, como o de Kinsey4, parecem fornecer provas válidas de que a função sexual está menos confinada à família do que estava num passado ainda recente. A que se pode atribuir esta alteração5?

A esta questão começamos logo por colocar algumas reservas. Em primeiro lugar, será o sexo fora do casamento um fenómeno crescente? Concluir, a priori, um aumento/declínio das práticas sexuais pré e extraconjugais pode conter em si uma dose de erro considerável e erro tanto maior quanto mais recuarmos no tempo. Seria a época vitoriana assim tão casta? Documentos históricos da época não revelam isso, sobretudo nas classes mais baixas, onde os laços familiares eram mais fracos, e, quanto às classes média e superior, sobretudo por parte dos indivíduos de sexo masculino, guardavam-se para um «bom casamento», recorrendo ao expediente dos «serviços» sexuais prestados por prostitutas ou por donzelas da classe mais baixa.

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