1.4 A MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE
1.4.2 A necessidade
A submáxima da necessidade exige que dentre dois meios, que sejam igualmente
adequados, deva ser escolhido o que afete menos intensamente a realização
daquilo que um princípio exige. O meio não será necessário se se dispõe de um
mais suave ou menos restritivo (ALEXY, 2015). O objetivo precípuo desta máxima
parcial é evitar sacrifícios desnecessários a direitos fundamentais. “[...] o exame da
necessidade é imprescindivelmente comparativo, enquanto o da adequação é um
exame absoluto” (SILVA, 2002, p. 38).
Em outras palavras, se ao analisar os princípios P1 e P2 , verifica-se a existência de
dois meios adequados de promover P1, deve ser escolhido o meio que interfira
menos intensamente em P2. Se há “[...] um meio menos intensamente interferente e
que seja igualmente adequado, pode-se melhorar a posição de alguém sem
qualquer custo para outros” (ALEXY, 2003, p. 135). Nessa perspectiva, a máxima
parcial da necessidade também expressa à ideia do Optimal de Pareto, pois,
existindo um meio que intervenha menos e seja igualmente adequado, uma posição
pode ser melhorada, sem que isso ocorra as custas de outra posição.
Mas, há que se ressaltar que, existindo um terceiro princípio (P3), que seja
negativamente afetado pela adoção dos meios intensivamente menos interferentes,
hipótese em que os custos seriam inevitáveis, o balanceamento torna-se necessário
(COURA, 2009).
Alexy demonstra a aplicação da necessidade em um caso decidido pelo Tribunal
Constitucional Federal, envolvendo a liberdade profissional e a proteção do
consumidor
53. O ministério para a Juventude, Família e Saúde, editou uma portaria
proibindo a comercialização de doces que, embora contivessem chocolate em pó,
eram fabricados, majoritariamente, com flocos de arroz, visto que não eram
essencialmente de chocolate. O objetivo era proteger o consumidor contra compras
equivocadas. A corte constatou, primeiramente, que a proibição era inteiramente
adequada para proteger o consumidor. Se existe uma proibição que algo seja
comercializado, o risco de que ele seja comprado por engano é pequeno. Mas a
proibição de comercialização não seria necessária, pois haveria uma medida
igualmente adequada para proteger o consumidor, mas ao mesmo tempo menos
invasiva: Um dever de afixar rótulos informando que a composição do produto não
era de chocolate.
1.4.2.1 O caso cannabis: A margem de ação estrutural e a margem de ação
epistêmica
Os exames da adequação e da necessidade, conforme acima exposto, dizem
respeito às possibilidades fáticas e dizem respeito a uma relação de meios e fins, o
que, eventualmente, suscita problemas de prognósticos (ALEXY, 2015).
Em 1994, o Tribunal Constitucional Federal foi instado a manifestar-se se a
criminalização da fabricação, comercialização e aquisição de produtos derivados de
cannabis seria compatível com a liberdade geral de ação (art. 2º, § 2º, §1º da
Constituição alemã) e com a liberdade pessoal (art. 2º, § 2º, 2, da Constituição
alemã). Nesse cenário, precisou-se indagar se uma liberação da canabbis, como um
meio menos gravoso em relação à liberdade, poderia afastar os perigos associados
53
A decisão encontra-se disponível no volume 53, página 135 a 146 do repositório oficial de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. (BVerfGE 53, 135 (146)).
a essa substância entorpecente e seu comércio ilegal, de forma tão mais eficiente
que uma criminalização geral.
O problema da discricionariedade epistêmica surge tanto no exame da necessidade
quanto da adequação.
[...] O reconhecimento de uma competência legislativa para a avaliação de variáveis empíricas é, no que diz respeito ao seu resultado, equivalente ao reconhecimento de uma competência para restringir o direito fundamental. Saber se e em que extensão são justificáveis essa discricionariedade para fazer estimativas, é algo que diz respeito não às discricionariedades estruturais, mas às epistêmicas (ALEXY, 2015, p. 592).
Decisões deste tipo demostram o problema central de todo tipo de
discricionariedade epistêmica.
[...] Se ao legislador é permitido fundamentar uma intervenção em um direito fundamental a partir de uma premissa que seja incerta, então, é possível que a esse direito não seja garantida a proteção devida- e ele seja, por isso, violado- nos casos em que a premissa que fundamenta a intervenção seja equivocada... Decisões como a proibição ou a permissão de cannabis são relevantes para a comunidade. Se a decisão sobre essa questão depende de avaliações empíricas, a competência decisória do legislador, exigida prima facie pelo princípio formal, inclui a competência para decidir sobre ela também nos casos de incerteza. Nesses termos, o princípio formal colide com o princípio material de direito fundamental. Este último exclui prima facie a competência do legislador para fundamentar decisões desvantajosas para o direito fundamental em premissas empíricas incertas; o primeiro requer prima facie exatamente essa competência (ALEXY, 2015, p. 615).
Uma construção, baseada na teoria dos princípios, oferece solução a este impasse.
Esta teoria pressupõe tanto uma ordem marco quanto uma ordem fundamental
(ALEXY, 2002). A ordem fundamental pode ser definida da seguinte forma: “[...] 1)
quantitativa: nenhuma discricionariedade é confiada ao legislador ordinário na
regulação de direitos fundamentais; 2) qualitativa: a constituição define assuntos
fundamentais, deixando espaços normativos ao legislador” (JEVEAUX, 2015, p.
139).
A ordem marco, por sua vez, pressupõe, em resumo, quatro premissas. A primeira
delas é que os direitos fundamentais são direitos de defesa frente ao estado. A
segunda, por sua vez, pressupõe que os direitos fundamentais são standards
mínimos. A terceira afirma que os direitos fundamentais são apenas aqueles que
derivam da vontade histórica do constituinte (metodológico) e a quarta trata da
relação da constituição com a legislação ordinária em três modelos: a) modelo
estritamente procedimental, b) modelo puramente material da constituição e c)
modelo procedimental-material (JEVEAUX, 2015).
A ordem fundamental, para Alexy, é incompatível com a proteção aos direitos
fundamentais, pois uma total ou quase total incapacidade de ação do legislador não
seria compatível com o princípio democrático, tampouco com a separação de
poderes. Essa “[...] não pode ser a intenção de uma constituição que, em primeiro
lugar, cria um Poder Legislativo e, em segundo, que pretenda que ele seja
legitimado democraticamente de forma direta” (ALEXY, 2015, p. 616).
Assim, prevalece a ordem marco, mas apenas em seu modelo material
procedimental, já que “[...] o legislador não pode ter liberdade absoluta, tampouco,
ser absolutamente restringido” (JEVEUAX, 2015, p. 140). O marco, então, é o que
está ordenado ou proibido. O que não for, é discricionário ao legislador (margem
estrutural). Existe, ademais, uma margem de ação epistêmica, referente às
limitações cognitivas da própria discricionariedade, pois nem sempre são certos os
conhecimentos a respeito do que está ordenado, proibido ou confiado. De outro
lado, “[...] a incerteza não pode ser suficiente, enquanto tal, para fundamentar uma
discricionariedade para prognósticos por parte do legislador que seja infensa ao
controle por parte da jurisdição constitucional” (ALEXY, 2015, p. 617).
A resposta do Tribunal baseou-se na tese de que não existem conhecimentos
fundados cientificamente que decidam indubitavelmente em favor de um ou outro
caminho (ALEXY, 2015). Em situações deste tipo, a opção do legislador em
criminalizar estas condutas teria que ser aceita, já que o legislador teria uma
prerrogativa de avaliação e decisão para a escolha entre diversos caminhos
potencialmente adequados para alcançar um objetivo (discricionariedade
epistêmica). Isso demonstra “[...] o grande papel que pode ser atribuído à
discricionariedade epistêmica no exame da adequação e da necessidade” (ALEXY,
2015 p. 592).
[...] O reconhecimento de uma competência legislativa para a avaliação de variáveis empíricas é, no que diz respeito ao seu resultado, equivalente ao reconhecimento de uma competência para restringir o direito fundamental.
Saber se e em que extensão são justificáveis essa discricionariedade para fazer estimativas, é algo que diz respeito não às discricionariedades estruturais, mas ás epistêmicas (ALEXY, 2015, p. 592).