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2 NOÇÕES DE IGUALDADE, ESTADO E SISTEMA TRIBUTÁRIO

2.4 A necessidade de intervenção estatal para a promoção da igualdade

José Casalta Nabais traz para o debate um ponto importante, os direitos têm custos78. Até a Idade Moderna, o conceito de dever estava restrito ao campo moral e religioso.

Ele argumenta que é na transformação que coloca o indivíduo como sujeito, principalmente influenciada pelo pensamento estoico, que a pessoa se torna sujeito da sua vida79. A reforma

protestante também contribuiu para essa passagem. Portanto, “é por obra do o humanismo jurídico e do jusnaturalismo racionalista que a influência estoica incorpora o tema dos deveres ao direito”.80

Entretanto, na positivação, esses deveres vistos como contrapartidas de direitos naturais, não foram bem recebidos. Por exemplo, em 1789, a Assembleia Nacional Francesa rejeitou a adoção de uma declaração autônoma de deveres por acreditar que os deveres naturalmente se identificam com os direitos81. Não se considerava, portanto, a existência de deveres fundamentais autônomos. Além disso, como lembra Hobsbawn, os movimentos liberais da época tinham como bandeira principal a luta por direitos, já que entendiam que por séculos carregaram deveres sem a devida contrapartida do Estado82. Portanto, não fazia muito sentido para os revolucionários valorizar os deveres.

O panorama começa a mudar quando os direitos deixam de ser somente os clássicos e passam a integrar os de participação política, os direitos sociais e também os ecológicos. Os deveres devem, então, acompanhar. Dessa forma, surge o dever de votar, depois os deveres econômicos, sociais e culturais – são os deveres de solidariedade obrigatória. E, por último, os deveres associados aos direitos ecológicos. Nabais acrescenta aqui o direito dos animais, rios, mares, etc. Nabais chega até a apontar a discussão sobre os direitos das gerações futuras, mas considera isso não muito factível, já que os sujeitos não estão claros83.

78 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional

de estado fiscal contemporâneo – Tese de doutoramento. Coimbra: Almedina, 2012, p.40.

79 Ibid., p.41. 80 Ibid., p.42. 81 Ibid., pp.47-50.

82 HOBSBAWN, Eric. The age of revolution, 1789 - 1898. 1.ed. New York: Vintage Books, 1996, pp.58-59. 83 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional

De um ponto de vista muito parecido, Holmes e Sustein defendem que todos os direitos são positivos84. Eles argumentam que é fútil a divisão que se faz com relação a direitos negativos, que envolvem as liberdades privadas como a propriedade, e os direitos positivos, que requerem uma prestação estatal. Isso porque, para o exercício de qualquer desses direitos o Estado precisará ser custeado.

Nabais chama o seu conceito de deveres fundamentais de aproximativo. Ele os define como “deveres jurídicos do homem e do cidadão que, por determinarem a posição fundamental do indivíduo, têm especial significado para a comunidade e podem por esta ser

exigidos”.85

A importância de se reconhecer o custo dos direitos não somente reforça o argumento da necessidade de um Estado como garantidor de direitos, mas também exige a existência de um sistema tributário que possa fornecer a esse Estado recursos suficientes para que os direitos sejam garantidos, dentre eles o direito à igualdade.

No caso do Estado Social, os custos são ainda maiores. Mais uma vez, José Cassalta Nabais faz uma interessante reflexão acerca do custo dos direitos e da necessidade de financiá- los86. Como já mencionado, esses deveres acabam sendo esquecidos. Para ele, qualquer Estado organizado precisará responder a três tipos de custo, aqueles ligados à própria sobrevivência do estado (defesa), os custos ligados ao funcionamento do estado (eleitorais) e “enfim, custos em sentido estrito, ou custos financeiros públicos concretizados, portanto, no dever de pagar impostos. em sentido estrito”87 .

Assim, é importante que se perceba algo que é muitas vezes esquecido, que é, os clássicos direitos e liberdades também têm custos. Nesse sentido, eles também positivos. Contudo, os custos clássicos tendem a não ser assim vistos pois os sociais são mais diretamente especificáveis e se materializam a olho nu nas políticas públicas. É possível até uma analogia com os impostos diretos e indiretos.

84 SUSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. The cost of rights: why liberty depends on taxes. 1. ed. Nova Iorque:

W. W. Norton & Company, 1999. Não Paginado. Chapter one – the futility of dichotomy.

85 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional

de estado fiscal contemporâneo – Tese de doutoramento. Coimbra: Almedina, 2012, p.64.

86 NABAIS, José Casalta. Reflexões sobre quem paga a conta do Estado Social. In: Coimbra: Almedina, 2012.

Revista Tributária e de Finanças Públicas. vol. 88. Set/2009, p. 269.

87 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Revista de

Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v. 5, n. 20, out. 2007. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28500>. Acesso em: 27 jun. 2018, p.11.

Nabais chama o Estado que precisa ser financiado para a garantia de direitos de Estado Fiscal. Dessa forma, o Estado fiscal é necessário porque os tributos são os meios de realização da dignidade humana. Ele lembra o que disse Abraham Lincoln, “acabem os impostos e apoiem o livre comércio e os nossos trabalhadores em todas as áreas da economia passarão a servos e pobres como na Europa”88 .

Contudo, para que o estado fiscal seja aceitável, os impostos devem ter um preço razoável. Ou seja, é um Estado que nem é patrimonialista, mas que também não é um estado proprietário, produtor ou empresarial.

Nabais lembra que o estado patrimonial foi a primeira forma de estado – o absoluto89. Suas receitas eram principalmente as derivadas de seu patrimônio. Também os estados socialistas eram espécie de patrimoniais. E há ainda um terceiro tipo formado pelos Estados que obtêm suas receitas a partir da exploração de matérias-primas ou do jogo e dispensam seus cidadãos do pagamento de impostos, por exemplo Qatar, Mônaco e Macau.

Um outro tipo negativo seria um estado que se sustenta a partir de tributos bilaterais – um estado tributário90. Na prática, um estado tributário é mais difícil de existir, pois o núcleo

clássico do que seria o estado se opera em bens públicos, que são aqueles, por definição, indivisíveis. Além disso, há serviços prestados pelo Estado, como a educação, que podem até ser divisíveis, mas que sua repartição acarretaria em uma impossibilidade de que fosse universal.

Em conclusão, a outra face ou a face oculta dos direitos fundamentais revela-se nos deveres fundamentais ou custos lato sensu dos direitos. Os deveres ou custos dos direitos que outra coisa não são senão a responsabilidade comunitária que os indivíduos assumem ao integrar uma comunidade organizada, mormente uma comunidade organizada no estado (moderno). O que faz dos indivíduos, verdadeiras pessoas, ou seja, membros ao mesmo tempo livres e responsáveis da sua comunidade (...) Uma conclusão que, por paradoxal que pareça nestes tempos aparentemente dominados pelo egoísmo irresponsável, está, todavia, de algum modo em sintonia com o momento presente em que se faz um apelo muito forte à solidariedade, à solidariedade simultaneamente universal e intergeracional. Uma ideia que, na opinião de alguns autores, suportaria mesmo uma nova forma de estado – o estado solidário, cuja marca residiria na solidariedade com todos os homens, sejam os homens de hoje, sejam os homens de ontem, sejam os homens de amanhã. Ou, numa outra fórmula, todos temos deveres no que respeita à humanidade presente, à humanidade passada e à humanidade futura (...) Daí que uma qualquer teoria dos direitos fundamentais, que pretenda naturalmente espelhar a realidade jusfundamental com um mínimo de rigor,

88 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Revista de

Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v. 5, n. 20, out. 2007. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28500>. Acesso em: 27 jun. 2018, p.15.

89 Ibid., pp.16-17. 90 Ibid., p.22.

não possa prescindir dos deveres e dos custos dos direitos. Assim, parafraseando Ronald Dworkin, tomemos a sério os deveres fundamentais e, por conseguinte, tomemos a sério os custos orçamentais de todos os direitos fundamentais. Pois, somente com uma consideração adequada dos deveres fundamentais e dos custos dos direitos, poderemos lograr um estado em que as ideias de liberdade e de solidariedade não se excluam, antes se completem. Ou seja, um estado de liberdade com um preço moderado91.

Essa discussão é importante para o trabalho. Ora, se há um direito dos cidadãos à igualdade, e um dever moral do Estado92 de promovê-la, haverá igualmente um custo a ser financiado. Esse custo será carregado pela sociedade. E, deverá ser necessariamente maior para aqueles que possuem mais recursos para tal, sob pena de se custear a igualdade com desigualdade.

Naturalmente, os contribuintes serão diferenciados. O fardo tributário será transferido. E essa discriminação deve estar relacionada a valores constitucionais, para que seja considerada justa.

No caso dos incentivos fiscais de ICMS, mais especificamente o PROVIN- CE, essa diferenciação acaba sendo, à primeira vista, oposta a esse princípio, pois, esses incentivos dispensam muitas vezes grandes indústrias da sua parcela de contribuição devida com o financiamento dos direitos de todos os cidadãos.