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A necessidade de militares e a caracterização dos africanos

Capítulo 4: Militares: seus projetos coloniais

4.1. A escrita, as críticas e as propostas de Elias Alexandre

4.1.2. A necessidade de militares e a caracterização dos africanos

Após apresentar os doze maiores problemas para o comércio de Angola, Elias atenta para a necessidade de forças militares na região.

“Em nenhuma parte do mundo portuguez hé mais necessária a milícia do q em Angola. [...] Nenhum outro continente será mais sugeito a revoluçoens, soblevaçoens, assassinatos do gentio, e roubos nas estradas. Nenhum mais sugeito a desobediências dos Potentados Nascionaes, q unidos ao vinculo da Vassalagem, fasem mais triste, e aflictiva a sua Sorte. Nenhum mais sugeito a deligencias insignificantes em q se despende a tropa com facilidade.”333

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177 Elias Alexandre constata que um exército composto somente por brancos não resistiria por muito tempo, devido às dificuldades de adaptação ao clima. Por isso, sugere que apenas os naturais da cidade e “seus suburbios” fossem recrutados. Toda essa dificuldade deveria ser somada ao grande número de desertores. O número sempre reduzido de homens nas tropas era uma das impossibilidades da conquista. Isso fazia com que sempre solicitassem o auxílio de forças militares da América portuguesa.

As guarnições dos presídios eram de 60 soldados, chefiados pelo capitão mor do presídio. Esses soldados viviam isentos da disciplina exigida aos de Angola. Os militares, muitas vezes, assumiam outras funções como “taberneiros, hortelaons, feitores d’agricultura, e mil empregos para os quais não são capazes os nascionaes, pela brandura, inercia e moleza; e compõem o fundo de immensas procissoens, que celebrão sem religião.”334

. Além de não serem considerados aptos pelo militar para as ocupações mencionadas, Elias Alexandre afirma que os “homens pardos, nestes paizes de immensos negros, não ofuscão o brilhantismo das funções públicas.”335

Ao explicar sobre o funcionamento das olarias, Elias Alexandre declara que faltavam recursos para o seu custeamento, por isso não conseguiam ter uma produção significativa. A razão para isso seria que “os espíritos hábeis não nascerão neste torrão da Guiné baixa. Toda a industria hé estrangeira; e os espíritos de outro clima; ou adormecem neste, ou se engolfão em negócios portáteis, e jamais em permanentes.”336

Desse modo, para o militar um dos motivos da precariedade da conquista portuguesa em Angola não seria apenas a economia baseada no comércio de escravos, mas também a própria população local. Tecendo o papel do africano dessa maneira ao longo de toda a História de Angola, Elias Alexandre propõe soluções para “domesticar

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CORREA, Elias Alexandre da Silva. Op. Cit.,1937, Vol.II, p. 74 335

Idem, p. 84 336

178 os povos habitantes: a extinção do captiveiro: os meios de os instruir, cultivar, e beneficiar: a liberdade da regência: a dependência da amizade, e do comercio, e a reprodução da mistura das duas cores nos pactos familiares, e generativos.”337

Suas opiniões sobre os africanos são carregadas de preconceito, sempre enfatizando aspectos negativos, a fim de defender a necessidade da sua “civilização”. Em determinado momento, o militar relata que a esposa do Barão de Mossamedes realizou uma reunião:

“As senhoras costumadas, a faserem-se entender às suas escravas por esta lingoagem [a língua Ambundo], são verbozas nas conversaçoens familiares, e mudas nas polidas assembleas. A Illustrissima Senhora Baroneza de Mossamedes, ardendo nos dezejos de fazer brilhante o tempo do governo de seu Illustre Espozo as convocou, e reduzio a aparecerem vestidas ao uso da Europa atraindo primeiramente á sua companhias algumas meninas das principaes famílias, as quaes educou debaixo dos preceitos, e maneiras Europeanas, mandando-as ensinar a custurar, a bordar, a ler, a escrever, a contar, a muzica, a dançar, e por consequência a falar.” (CORREA, 1937, Vol.I, p. 83)

Ao analisar a influência africana nas regiões de presença portuguesa, Catarina Madeira atenta para o fato das mulheres, mulatas ou negras, que possuíam filhos com brancos, os educarem na cultura ambunda, ensinando-lhes a falar o quimbundo. Nesse sentido, a língua portuguesa ocupava uma posição muito secundária. Por isso, o

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179 domínio da língua quimbundo era importante para os governadores, administradores, comerciantes, militares e religiosos interessados em implementar suas intenções. “Assim, a política pombalina para a imposição do português como língua comum acabava por se confrontar com a impossibilidade de governar sem o domínio do quimbundo, quer através dos interpretes quer através de uma aprendizagem direta”338

. Logo no início da obra, o autor menciona que a corporação militar angolana era composta por “hum punhado de facinerozos enfermos, & de negros sórdidos, & indigentes!” e que “as boas acções praticadas n’Africa Angolence, perdem o brilhantismo entre os negros competidores.”339

Para o militar, os negros preferiam viver da rapina dos corpos, do que das terras.340 Suas cerimônias, como casamentos e funerais, são concebidas como “supertições” e lamentações barulhentas341. Apesar da presença do cristianismo, “a população d’Angola, igualmente crêm em J. Chr., e no Moêne-bengo [quer dizer senhor do Bengo, feiticeiro], ou em outros feiticeiros, q lhes dita superstiçoens ridículas.”342

. Além disso, nos arredores da cidade, a religião seria uma miscelânea, possuindo cristãos, muçulmanos e pagãos.

“Entrando hum pouco mais para o certão se descobre o Paganismo em toda a sua pureza. Hé muito preciozo o comercio dos escravos para arruinar os seus fundamentos com a Santa doutrina dos Apostolos. Os dogmas da nossa Religião, são incompatíveis com as Leys, e custumes gentílicos.”343

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SANTOS, Catarina Madeira. Op. Cit., 2007 339

CORREA, Elias Alexandre da Silva. Op. Cit.,1937, Vol.I, p. 14-15 340 Idem, p. 54 341 Idem, p. 82 342 Idem, p. 87 343 Idem, p. 93

180 A caracterização do negro de maneira negativa não é algo exclusivo deste militar. D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho possuía opiniões muito ruins sobre os negros. Tanto como soldados como para servir em ofícios. Ele tentou, até mesmo, abolir as competências do Senado da Câmara de Massangano, pois ela era composta apenas por negros344. Isso o fez estimular o povoamento da região com casais brancos, conforme analisamos no segundo capítulo desse trabalho.

Os maus comportamentos dos negros, na visão de Elias Alexandre, seriam tolerados pela maior parte dos brancos por preguiça e complacência. “Exigem o trabalho dos seus braços, e nada mais: e para professarem o paganismo sem remorços, se esquecem de os regenerar com a agoa do baptismo [...] morrem engolfados nos seus erros por falta de conhecimentos, e instrucção.”345

. Ou seja, na visão do autor, os senhores não cuidavam da vida espiritual de seus escravos e faziam, inclusive, leilão da virgindade de escravas346. Como viveu maior parte de sua vida na América portuguesa, Elias Alexandre observava o comportamento dos senhores e seus escravos a partir da ótica americana.

As Constituições Primeiras do Arcebispado do Bahia, promulgadas em 1707, dirigiram a vida religiosa na América portuguesa durante, praticamente, todo o século XVIII. Tal conjunto de leis foi muito influenciado pelo tratado a Economia cristã dos

senhores no governo dos escravos, do jesuíta Jorge Benci, publicado em Roma em

1705347. Ao tratar da conversão dos negros na América portuguesa, é considerada uma obrigação dos senhores zelar pela vida espiritual e compromissos religiosos de seus escravos. Em seu segundo discurso, Em que se trata da segunda obrigação dos

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SOUSA, Ana Madalena. Op. Cit., 1996, p. 52 345

CORREA, Elias Alexandre da Silva. Op. Cit.,1937, Vol.I, p. 93 346

Idem, p. 88 347

BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. (1705). São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977

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senhores para com os servos, Benci trata do compromisso que o senhor tem de ensinar

a doutrina cristã para os servos. O padre diz que muitos senhores preferiam a desculpa de que os negros eram muito brutos para aprenderem os costumes cristãos a se dedicarem fortemente nesse ensino: “Entre essas gentes há gente, que mais tem de bruto, que de gente. Há alarves em guiné tão boçais e rudes, que só o vosso poder lhes poderá meter o Padre Nosso na cabeça.”348

As lideranças portuguesas no interior de Angola, os capitães mores dos presídios eram instruídos ao Tanar Mocanos, ou seja, a deixar os africanos à vontade para exercitar seus costumes. Na opinião de Elias Alexandre, a povoação dos presídios, mesmo que chamadas de católicas conheciam a igreja apenas “pela casca”, pois não havia párocos. Angola seria estéril em padres, “a espada espiritual existe enferrujada na bainha, Que lastima!”349

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“Os clérigos nascionaes são poucos e Velhos: os Missionarios não vivem. Os conventuaes, nem destacam, nem médrão; e assim sendo planta estranha, e inculta, em hum paiz gentílico; parece, q não vêm a fazer falta, aonde os catholicos amão a desgraça de se converterem ao paganismo [...].”350