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2.2 Background: uma noção em construção

2.2.6 A Network revista

de estados mentais. Sendo assim, a tese do Background tem de ser revista para que não apresente esta incoerência. Na perspectiva de rever alguns pontos referentes ao Background, Searle indica a necessidade de explicitar o modo pelo qual este se relaciona com a consciência – que, segundo o que o filósofo apresenta em A redescoberta da mente (1992) – se torna central a concepção de mente. A idéia de que temos crenças que consistem em estados mentais inconscientes – o que era sustentado em Intencionalidade (1983) – é uma armadilha da linguagem, pois, sustenta Searle, tudo que o cérebro possui é um conjunto de “estruturas neurônicas”

que permitem que o cérebro pense e aja quando assim pretende ou é estimulado.

Assim, a melhor maneira de considerar a questão é admitir o cérebro como um órgão natural composto de milhões de neurônios, sendo que, conforme o comportamento dos elementos dessa “massa” de neurônios, temos estados conscientes com a característica de serem estados de uma vida desperta. Para Searle, sobre o nível mental é o que pode ser dito.

Em A redescoberta da mente (1992) percebemos que a neurobiologia ocupa maior espaço que a psicologia, pois é no cérebro/mente que temos as capacidades que permitem sermos conscientes116, o que nos abre a possibilidade de buscar na neurobiologia algumas explicações referentes a essas capacidades.

A concepção de Background que Searle apresenta em A redescoberta da mente (1992), não entendendo mais a mente como um inventário de estados intencionais, leva-o a repensar também, como veremos a seguir, alguns elementos no tocante à noção de Network.

em que tínhamos a mente como um inventário de estados intencionais. Essa mudança leva-nos, segundo Searle, a perceber que a Network de intencionalidade é parte do Background, pois:

A questão de como fazer a distinção entre Rede e Background desaparece, porque a Rede é aquela parte do Background que devemos ter em termos de sua capacidade de causar intencionalidade consciente117.

Resta ainda, entretanto, um problema: visto que a intencionalidade atua frente a um conjunto de capacidades não-intencionais, devemos fazer uma distinção entre, por um lado, o funcionamento inconsciente da intencionalidade e, por outro, as capacidades não-intencionais, pois importa é aclararmos distinção entre o intencional e o não-intencional dentro das capacidades de Background.

No sentido de ultrapassar este obstáculo, em A redescoberta da mente (1992), Searle indica a necessidade de fazermos algumas diferenciações118:

a- diferenciar a distinção entre consciente e inconsciente da distinção entre atenção e periferia. Uma coisa é estarmos conscientes de algo ou não estarmos conscientes e outra é termos presente algo como foco de nossa atenção ou termos presente algo como apoio ao que está sendo focado. Posso ter a atenção voltada a um problema matemático e andar no centro da cidade. Não é o caso que eu esteja inconsciente andando simplesmente porque estou com minha atenção voltada ao problema de matemática. Trata-se de distintos níveis.

b- no conjunto dos fenômenos mentais, o representacional do não-representacional. A Intencionalidade é definida em termos de representação, mas, por exemplo, o controle da temperatura dos órgãos do corpo é feito pelo cérebro: há nisto um estado mental que não é Intencional.

c- as capacidades de suas manifestações. Aqui a questão é: quais as capacidades do cérebro deveriam ser tidas como capacidades do Background? As capacidades são pré-intencionais, já as manifestações se dão necessariamente num contexto intencional.

d- aquilo do que efetivamente ocupamo-nos daquilo que estamos dando

117 SEARLE, J.R. A redescoberta da mente, 1997. p. 269.

118 Cf. Idem. p. 270 ss.

por certo. Estamos dando por certo que temos intencionalidade e que esta é suportada por uma base pré-intencional. Ocupamo-nos em apresentar como esta base atua como suporte da intencionalidade.

Com essas distinções, que são interligadas, e com o abandono da idéia de mente como um inventário, emerge a necessidade de apresentar a noção de Background de uma outra maneira:

Toda a Intencionalidade consciente – todo pensamento, percepção, compreensão etc. – só determina condições de satisfação relativamente a um conjunto de capacidades que não são e não poderiam ser parte desse mesmo estado consciente.

Por si só, o conteúdo efetivo é insuficiente para determinar as condições de satisfação119.

Sendo assim, permanece a idéia de que os estados intencionais necessitam de um fundo que os suporte e que esse deve ser não-intencional. O que se modifica é o estatuto da Network, pois, em vez de termos que para a existência de uma crença, por exemplo, necessitamos ter uma quantidade de outras crenças, o caso é que para um pensamento consciente existir é necessário que tenhamos capacidade de gerar uma porção de outros pensamentos conscientes.

Ficamos, então, com o seguinte quadro:

1. Os estados intencionais não atuam de modo autônomo. Não determinam suas condições de satisfação independentemente.

2. Todo estado intencional exige para seu funcionamento um conjunto de capacidades de Background. As condições de satisfação só são determinadas relativamente a essas capacidades.

3. Entre essas capacidades estarão algumas que são capazes de gerar outros estados conscientes. As condições 1 e 2 se aplicam a esses outros.

4. O mesmo tipo de conteúdo intencional pode determinar diferentes condições de satisfação quando é manifesto em diferentes capacidades de Background e, relativamente a alguns Backgrounds, não determina absolutamente nada120.

Com esta apresentação, chegamos a uma síntese que expressa o que devemos entender por Background, e qual a sua função. A seguir, estaremos apresentando a relação que mantém esta noção com a concepção que Searle apresenta dos conceitos de mente, linguagem e sociedade.

119 SEARLE, J. R. A redescoberta da mente, 1997. p. 271.

120 SEARLE, J.R. A redescoberta da mente, 1997. p. 272.

3 BACKGROUND: NÚCLEO DA INTERAÇÃO ENTRE A MENTE, A LINGUAGEM E A SOCIEDADE

Como dissemos no primeiro capítulo, a pretensão de Searle é contribuir com o que o filósofo denomina “visão iluminista”; para ele o mundo é inteligível, porém, por ser complexo, devemos ter maior competência para darmos conta da tarefa de conhecê-lo. Searle procura ver o mundo de um modo que possa abrigar, coerentemente, o conjunto de elementos constituintes da realidade. Tendo em vista que o conhecimento emerge da relação que temos com o mundo, importa mostrar de que modo a mente relaciona-nos com o mundo; o filósofo procura explicitar como isso acontece fazendo uso da noção de intencionalidade. Entretanto, a intencionalidade não se sustenta por si só, pelo que Searle lança mão da noção de Background.

A partir da argumentação de Searle acerca da noção de Background, começamos a perceber uma unidade – um princípio único – em toda sua obra, que trata de temas, em princípio, tão díspares. Esta percepção reforça-se com a intenção de Searle de cooperar com a busca de uma visão completa da realidade. Para o filósofo, tal visão deve indicar como é que a mente, a linguagem e a sociedade interagem a ponto de podermos viver da forma que vivemos – com a possibilidade de nos entendermos, de termos crenças, de justificarmos nossos posicionamentos, etc.

O conhecimento, que é conseqüência de nossas práticas, não obstante os fatores biológicos que caracterizam o sujeito empírico, é um fenômeno social, pois grande parte de nossas práticas são práticas sociais – práticas sociais no sentido que se dão, que se estruturam e que se efetivam num meio social. A possibilidade de dizer algo a respeito do mundo é baseada no Background, é uma possibilidade

“sócio-lingüística”. A seguir, passamos a explorar o modo pelo qual o Background é o elo entre a mente, a linguagem e a sociedade.

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