• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: OS GÊNEROS E O ENSINO

3. A noção de gênero nos documentos oficiais

Após se consolidar na literatura, sofrer constantes críticas e reformulações, o conceito de gêneros é atualizado por Bakhtin. A partir disso, ele passa a fazer parte de diversas ciências que se interessam pelo estudo da linguagem. O reflexo dessa expansão está presente em teorias como a Análise do Discurso, a Análise Crítica do Discurso, a Linguística Textual e o Interacionismo Sociodiscursivo. Linhas teóricas que começam a lançar discussões em busca de respostas uma vez que

O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos 70, o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade de ensino no país. O eixo dessa discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, no domínio da leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar que se expressa com clareza nos dois funis em que se concentra a maior parte da repetência: na primeira série (ou nas duas primeiras) e na quinta série. No primeiro, pela dificuldade de alfabetizar; no segundo, por não se conseguir levar os alunos ao uso apropriado de padrões da linguagem escrita, condição primordial para que continuem a progredir.(PCN‘s, 3º e 4º ciclos, p17)

Esse contexto nos remete à expressão utilizada por Roulet (1978), identificando os gêneros como a panaceia que, supostamente, resolveria o problema da educação linguística no ensino brasileiro. Isto porque desde a publicação dos PCN‘s, o texto passa a ser concebido como unidade de ensino.

A partir daí, evidenciamos uma série de publicações acerca dos gêneros (textuais ou discursivos), não só da perspectiva teórica, como de sua aplicação na sala de aula. De acordo com os PCN‘s,

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura.

São caracterizados por três elementos:

 conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero;

 .construção composicional: estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero;

34

derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do locutor;conjuntos particulares de seqüências que compõem o texto,etc. . (p.21)

O documento destaca, ainda, que

A noção de gênero refere-se, assim, a famílias de textos que compartilham características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado. (p.22)

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (p.23)

Rojo (2000) examina a interpretação da noção bakhtiniana de gêneros nos PCN‘s e constata a confusão entre os conceitos de gênero discursivo e tipologia textual. Isso vem ao encontro das pesquisas de Machado (2009). Para ela, foi a partir da transposição do conceito de gêneros nos PCN‘s de língua portuguesa que os problemas de interpretação dessa noção se acentuaram. A autora avalia que isso gerou a ―despersonalização e a autonomização‖ (p.69) do conceito, devido à multiplicidade de sentidos que lhe foram atribuídos em cada releitura.

Entendemos que a preocupação de muitos estudiosos não é o fato de o conceito de gêneros estar em constante discussão na academia, mas é a utilização dele pelo discurso pedagógico. Com isso, a noção de gêneros, segundo Bunzen (2005), adquiriu um caráter multidisciplinar. Seguindo esse direcionamento, os PCNS‘s defendem que é

necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. (PCN‘s, p.23)

Também acrescentam que nessa linha

A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social. (PCN‘s, p.23)

35

Os autores de livros didáticos também passaram a adotar a proposta de ensino a partir de gêneros, uma vez que os PCN‘s tomam

a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas: uma prática constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva. (PCN‘s, p.27)

Ao analisar o Guia de livros didáticos apresentado pelo Ministério da Educação em 2011, percebemos que as 16 coleções de língua portuguesa aprovadas demonstram perfis teórico-metodológicos diferentes. Estes são influenciados principalmente, pela forma como se organiza o conteúdo a ser ensinado em cada uma das coleções. No entanto, os gêneros integram os princípios norteadores de todas as coleções aprovadas.

Outro problema surge em função disso, uma vez que muitos professores, devido à grande carga horária de trabalho, não conseguem se atualizar. Logo, submetem-se a confiar nas variadas concepções que trazem os livros didáticos. Contudo, o problema não se refere às diferentes perspectivas, conforme mencionamos anteriormente, mas ao uso que se faz delas. Nesse sentido, é importante que o professor realize a escolha do livro didático de acordo com a sua concepção de língua, de linguagem e de ensino de língua portuguesa.

Por isso, concordamos com Bunzen (2005, p.1) que, a cada contexto (seja de pesquisa ou de aplicação), é preciso considerar: ―gênero para quem? a serviço de quê? com qual embasamento teórico? com que concepção de língua(gem)?‖. A razão disso é evitar equívocos, ao misturar abordagens teóricas que não são convergentes. Também porque a escolha teórica, seja do autor do livro ou do professor, direciona o ensino-aprendizagem. Dessa forma, no próximo tópico, destacamos algumas dessas vertentes que mais aparecem na fundamentação dos livros didáticos atuais.

36