Capítulo 1 – Do descobrimento e das missões
1.3 A notícia escrita em Timor: imprensa em língua portuguesa
Abordar a questão da imprensa em língua portuguesa em Timor-Leste se faz mister neste trabalho, ainda que de maneira breve, pois a proposta é avaliar a produção literária de língua portuguesa do país. Assim, é necessário saber como e em quais circunstâncias surgiu a imprensa escrita em Timor, a par do que acontecia nas outras colônias portuguesas nesse mesmo âmbito, bem como quem escrevia nesses periódicos, o que era publicado de fato e a quais interesses serviam.
Além de veículo de comunicação, o interesse da imprensa para uma população e para uma nação se constitui na medida que funciona como a memória cotidiana de um povo. Ademais, destacamos que, invariavelmente, como ocorrera em muitos países, a imprensa foi um meio utilizado para a publicação primeira de novelas, crônicas e demais gêneros literários. Romances eram publicados em folhetins, nas seções dos periódicos, capítulo a capítulo, e somente depois eram transformados em livros, da forma como os conhecemos atualmente. No Brasil, por exemplo, temos as crônicas de Machado de Assis, que eram publicadas no periódico A Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro.
A despeito do que ocorria nas colônias portuguesas na África e também no Brasil, onde a notícia escrita só passou a ser veiculada muito depois da chegada dos portugueses, com a conquista dos territórios no Extremo Oriente – Macau, Goa e Timor-Leste – a situação diferia nesse particular.
Em Angola, por exemplo, o primeiro periódico, Boletim Oficial, foi fundado em 1845, pelo governador Pedro Alexandrino da Cunha e, ainda assim, este jornal apenas desempenhava as funções de um jornal rudimentar, embora tenha sido o ponto de partida para o desenvolvimento do jornalismo na capital angolana (ERVEDOSA, 1985:24).
No Brasil, a criação do primeiro jornal, A Gazeta do Rio de Janeiro, deu- se em 1808, com a chegada da família real portuguesa, passando a veicular notícias do Brasil para Portugal.
No Oriente, os propósitos da colonização eram diversificados; por um lado, em algumas colônias, havia o intenso tráfico de escravos, de outro lado, o que movia o interesse dos portugueses era a busca por especiarias. Portanto, a dinâmica, no que tange à transmissão de notícias, surgiu de maneira diversificada, atendendo aos propósitos, sobretudo, da elite que se criava em cada local.
Em Oriente, engenho e arte (2004), Helder Garmes remonta à situação da imprensa escrita nas colônias portuguesas, sobretudo nas colônias situadas no Oriente. Segundo Garmes, a imprensa iniciou-se tardiamente no Brasil e na África, com início efetivo em meados de 1800. No Oriente – Goa e Macau –, as primeiras obras impressas pelos portugueses datam do século XVI. Isso se deu sobretudo pelo fato de Goa ter sido a sede do governo português no Oriente (GARMES, 2004:16).
Lembremos que antes do estabelecimento das imprensas nas colônias no século XIX, as comunidades locais, constituídas de europeus e habitantes locais de diversas origens, encontravam-se quase integralmente isoladas da metrópole no que concerne à escrita literária. Após um primeiro momento de forte atividade missionária no século XVI e em parte do século XVII, as comunidades coloniais foram culturalmente abandonadas pela metrópole portuguesa. Aos que ali se encontravam estabelecidos, restara uma única atividade e função: enriquecer. Nos séculos XVII e XVIII os investimentos educacionais foram ou nulos, ou precários e pouco sistemáticos, sem jamais recuperar o desempenho das missões quinhentistas, que buscaram a conversão de almas utilizando-se da literatura e das artes como meio de dogmatização. (GARMES, 2007:34)
No decorrer do século XIX, a imprensa se expandiu nas colônias, mas os meios literários ainda eram incipientes, sendo muito pragmático e instrumental o lugar que o texto escrito ocupava em tais localidades:
No século XIX, após a instalação de máquinas impressoras nas colônias, iniciou-se, pois, um novo momento de valorização da escrita, da literatura e das artes, que se viu diante da tarefa de reinstaurar o valor de tais atividades nas colônias. Sem a grandeza que lhes era atribuída na Europa, as artes em geral e a literatura em particular ganharam inicialmente uma dimensão utilitária, laudatória, moralizadora e política, fazendo que tivessem algum sentido e lugar
aos olhos da comunidade colonial, há muito apartada de tais hábitos. (GARMES, 2007:34)
Timor não teve imprensa no século XIX, ficando subordinado a Macau. Embora houvesse uma elite emergente, para que a imprensa tivesse início na região, foi necessária a intervenção da igreja católica para que isso ocorresse. Assim, somente em 1948, a revista Seara surgiu em Timor para, em princípio, veicular as notícias no meio eclesiástico. Foi por meio do rev. p. Jorge Barros Duarte, sacerdote, que idealizou, junto à Diocese de Díli, o projeto de criação da revista. A publicação serviria para romper o isolamento entre os membros da comunidade eclesiástica na ilha, trocando informações por meio dela. O periódico recebia contribuições de missonários, principalmente por parte do padre Ezequiel Enes Paschoal, que contribuiu com muitos artigos e resenhas de cunho religioso. Algumas publicações versavam sobre as tradições do Timor.
Paulo Pires, em seu artigo “A imprensa em Timor antes do 25 de Abril”, aborda o tema, explicitando, inicialmente, as condições para a existência da imprensa em Timor:
Ao referirmo-nos à imprensa em Timor, entendemos a imprensa em Língua Portuguesa. Isto implica que:
– em primeiro lugar, os editores dominem a língua de Camões; – em segundo lugar, o público leitor/consumidor saiba ler e se interesse pela leitura para a interpretar conveniente e objectivamente;
– em terceiro lugar, para escrever e publicar são necessárias condições da sua efectiva exequibilidade. (PIRES, 2000:136)
Era necessário um bom domínio do idioma português para a publicação no periódico, assim como o público leitor também deveria possuir conhecimento necessário do português para a leitura e, por fim, seria necessário o provimento material devido para a execução ou a realização do periódico.
Os missonários em Timor, a despeito de seu atraso, considerando que Goa e Macau começaram a atividade na imprensa escrita muito antes, tinham o desejo de trocar notícias e publicar seus textos por meio de um veículo informativo. À época, esse informativo era direcionado aos eclesiásticos, portugueses residentes na ilha, funcionários timorenses que trabalhavam para a administração portuguesa, ou seja, a elite timorense que teve a oportunidade de aprender o idioma.
Mais tarde, a Revista Seara serviu como veículo para as questões políticas, principalmente à época anterior aos partidos políticos serem criados em Timor e à consequente desocupação portuguesa. Embora a revista tivesse viés religioso, serviu também de canal para artigos e comunicações dos partidos formados em Timor-Leste e, por isso, sofreu repressões por parte do governo:
A geração de políticos timorenses que surgiu nos inícios dos anos 70, mais proactiva politicamente, poderá ter retirado lições e inspiração dos acontecimentos e das consequências. Começaram a publicar os primeiros artigos de cariz político no suplemento da Seara no Boletim Eclesiástico da Diocese de Dili, tendo a publicação sido encerrada pela PIDE a 10 de Fevereiro de 1973. Nela escreveram figuras de Timor como Ramos-Horta, Nicolau Lobato, Mari Alkatiri, Francisco Xavier do Amaral, Domingos de Oliveira, Francisco Borja da Costa e Manuel Carrascalão. (Adão apud GUNN, 1999)
O governo administrativo português em Timor certamente cerceou manifestações que contivessem críticas contrárias à administração colonial exercida. Contudo, não fica claro até que ponto a classe eclesiástica era conivente com as publicações políticas, ainda que estas tenham sido permitidas pelos agentes que publicavam o periódico.
Paulo Pires afirma ainda a existência de outros periódicos em Timor, sem precisar a ordem cronológica da criação desses veículos comunicativos. Dessa forma, ele menciona A Província de Timor, que era um periódico de cunho militar, criado pela classe militar, uma instituição muito presente em Timor e que, segundo o autor, pelo seu caráter íntegro, “não quis deixar-se prender nas malhas do poder político” (PIRES, 2001:143).
A Província de Timor noticiava assuntos da região ligados ao âmbito
militar, que estariam fora, portanto, dos interesses públicos.
Também menciona A Voz de Timor, que em princípio era um periódico ligado ao governo, publicava notícias referentes às decisões tomadas pelo governo e também acontecimentos relacionados aos membros da administração portuguesa em Timor e outras colônias portuguesas.
Aos poucos, porém, A Voz de Timor foi recebendo notícias diferenciadas para publicação. Após o 25 de Abril de 1974, as tiragens do periódico, que passou a ter mais páginas, aumentaram. Nele, já eram publicadas, então, notícias referentes à política e aos partidos políticos, pois, em Timor, já havia uma juventude letrada, ativa e militante (PIRES, 2001:143).
É certo que, após a invasão do exército indonésio, a situação mudou: o ensino do português foi proibido, escolas foram fechadas, assim como veículos de comunicação em língua portuguesa foram proibidos.
Dos periódicos aqui citados, resta, contudo, a beleza de seu conteúdo. Fora o conteúdo de caráter eclesiástico, havia também lendas e estórias de Timor, que retratavam sua tradição e, por fim, declarações de viés político, já à época da formação da resistência.