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4.1 Amor à segunda vista

4.1.2 A notícia para os pais

Nota-se que os pais falam do impacto da notícia, como uma experiência de ruptura, porém de uma forma mais contida, quando comparado as mães.

Fabio fala do medo do preconceito, tema que reaparece diversas vezes ao longo da entrevista.

A principio... é... bem complicado, eu não vou te dizer que foi fácil não. É bem complicado na hora assim...Mas a gente absorve tudo né, não pode cair...O problema que eu pensava era o preconceito que ele ia passar...(Fabio)

O relato de Fabio demonstra a imposição que se faz de não extravasar o que estava sentindo, tendo que “absorver -para não cair”, como se ao poder dar vazão à sua experiência emocional fosse derrubá-lo, tamanha a intensidade daquilo que passava sem poder vivenciar, uma vez que usava de mecanismos de defesa para “absorver” (sic) reter tudo. Em seguida em seu relato fala do medo preconceito, que pode ser pensado no temor de sentir ele próprio a rejeição de seu filho, assim a preocupação com o preconceito, parecia bloqueá-lo para se aproximar de sua experiência e conseguinte conseguir re-significar, conceituar seu filho, a Síndrome de Down e a si mesmo.

Daniel fala de forma breve de sua reação ao nascimento do filho. “Ah quando ele nasceu foi um susto.” (sic) Daniel diz apenas isso “foi um susto” (sic), o seu modo de fala breve, remete a uma sensação de que ainda estava paralisado pelo susto, sendo este expressão de uma

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ruptura do esperado, que parece ter desarranjado Daniel de tal jeito que falar da notícia da Síndrome de Down, parece um território do não simbolizado, e portanto não passível de ser dito.

Durval fala de sua preocupação com a sobrevivência da filha.

Nunca questionei a Síndrome de Down, para mim foi normal. Naquele tempo rolava uma lenda ai que as crianças de Síndrome de Down vivia no máximo quinze anos, eu ficava preocupado com isso, isso eu preocupava, o futuro dela sabe, isso que me preocupava, mas depois eu fui vendo outras coisas que, vi gente até de setenta anos, ai eu fui animando mais , não ficava meio desanimado com o futuro dela, com o futuro da vida dela, não é com negocio de casar, não vai poder ter filho, eu não pensava nisso, nunca pensei nisso, eu só ficava preocupado com a vida dela mesmo.

(Durval)

A fala de Durval transporta o ouvinte para esse lugar da extrema necessidade que é a vivência de vida e morte, o que era primordial era manter a filha viva, todo o resto seria acréscimos que naquele momento não cabiam. Durval assim assume esse lugar do pai que deve ser provedor da segurança da continuidade da vida, e por isso se vê na difícil tarefa de estar diante de uma vida, que pelas notícias, parecia ser frágil e breve. Quando pode, no entanto, ter notícias de outras possibilidades de longevidade, pode ter a esperança, assim como o sertanejo que ao ver uma nuvem espera confiante o fim da seca, sem maiores pretensões, porque a maior já é a sobrevivência.

Leonardo conta que achava que não ia saber lidar com a situação. “Ah eu fiquei triste,

foi um susto, achava que não ia saber lidar, por não saber cuidar...” (sic)

Durante a entrevista Leonardo conta que antes de Letícia nascer, dizia a Salvia que ele nunca aceitaria um filho com alguma deficiência, e explica que dizia isso porque sempre achou que não conseguiria cuidar de alguém assim, em sua fala anterior, demonstra o quanto a sensação de impotência diante de uma situação leva a uma rejeição da mesma “ não ia saber lidar, por não saber cuidar” (sic), alertando sobre a importância de munir os pais de potências de cuidado, para que possam lidar melhor com a situação, podendo aceita-la melhor, e suportar a dor das rupturas.

Antonio relata uma tristeza que tomou conta dele no primeiro momento, embora ele nada dissesse aos demais “Até as pessoas que eu trabalho perceberam que eu tava triste,

cabisbaixo.” (sic)

A fala de Antônio pode remeter a um transbordar que não deveria ser demonstrado, parece salientar que a dor foi tanta que até as pessoas do trabalho perceberam. O modo de sofrer a dor do homem apresenta-se diferente para pais e mães, talvez por estarem em

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posições diferentes diante do bebê, e também por questões culturais em relação ao gênero como formas mais legitimadas da expressão do sentir, de modo que as experiências dos pais podem muitas vezes ser negligenciadas, tendo em vista sua falta de expressão. Antônio disse durante a entrevista que “há muito apoio inicial para as mães e nada para os pais” (sic), expressando sua solidão e fazendo um reclame para tal situação. Pode ser que o breve relatar dos pais sobre o impacto do nascimento de um filho com SD represente a necessidade de guardar e reprimir essa dor que não é ouvida. Percebe-se que os pais, de modo geral, dizem de uma dor, mas que de alguma maneira precisou ser contida.

Nesse sentido, os pais parecem apresentar vivencias semelhantes às mães como a ruptura, o medo, a impotência, e a tristeza, porém de forma diferente, evidenciando inclusive certo distanciamento da situação, não como falta de interesse, mas com a função de manter-se com uma racionalidade e praticidade diante do impacto da notícia, o relato de Durval acerca da sua preocupação com o tempo de vida da filha, ilustra tal questão.

Winnicott (1982; 1988) descreve a importância do papel do pai, inicialmente em sustentar a díade mãe-bebê, o que aparece nos relatos dos pais, não tanto no conteúdo, mas na forma, o modo de dizer da dor, a necessidade de “não poder cair” (sic) retrata essa função inicial de sustentação emocional da mãe, para que ela possa inclusive estar mais disponível para o bebê. A figura de “firmeza e dureza” que Winnicott atribui ao pai, ressaltando a importância dessa função para o desenvolvimento da criança, inclusive para que possa se utilizar de sua agressividade inata, parece se presentificar também nesse momento em que as mães se mostram frágeis, com medo, tristes e perdidas; encontrar assim um elemento firme parece ser de muita ajuda, inclusive para se permitir sofrer sem desmoronar.

Em contraponto a esse suavizar a dor da mãe, levanta-se a questão sobre as consequências de tal posicionamento para os pais. Parece que os pais recorrem a defesas, como a negação ou a racionalização, para poder assumir tal função. É necessário fornecer condições também aos pais, para que possam assumir tal função de um jeito mais inteiro e menos doloroso. Onde os pais possam sofrer suas dores e se fortalecer.