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2 POLÍTICA EDUCACIONAL E POLÍTICA LINGUÍSTICA: INTERFACES PARA

3.2 A oferta educacional para crianças surdas em Curitiba

Até o momento analisamos os documentos institucionais da Secretaria Municipal de Educação, porém, não podemos nos abster de referendar as Diretrizes Curriculares Estaduais para a educação especial, pois a Escola Dorothy e a Instituição Heinicke possuem convênio técnico (designação de professores e funcionários da rede estadual de ensino) e financeiro com a SEED, já a Escola Berthier é uma escola estadual, todas elas, deste modo precisam estar de acordo com as diretrizes estaduais dadas para essa modalidade de ensino.

Especificamente no Estado do Paraná, as “Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos” (PARANÁ, 2006) é o documento que expressa concepções e políticas para a educação especial. O texto foi publicado na gestão do governador Roberto Requião, em um contexto estadual marcado pelo aumento do número de matrículas de estudantes público-alvo da educação especial em escolas regulares, bem como da realização do primeiro concurso específico para contratação de professores da educação especial, investimentos na estrutura das escolas estaduais visando à diminuição das barreiras arquitetônicas, a expansão do AEE nas escolas da rede estadual e a manutenção dos convênios de amparo técnico-financeiro para as instituições conveniadas.

O conjunto dessas ações está caracterizado no referido documento como “inclusão responsável”, na medida em que aponta a escola regular como local preferencial para matrícula, mas, salvaguarda o direito a classes ou escolas especiais para aqueles estudantes com graves comprometimentos e/ou necessidade de uma proposta linguística diferenciada, este segundo mantenedora da instituição. O encaminhamento que está sendo dado para que não haja o fechamento da escola é para que a mesma passe a ser uma escola estadual. Para isso todas as exigências legais estão sendo atendidas, inclusive da mudança da proposta da escola, que de acordo com a fala da diretora dever estar em sintonia com a Política Nacional e Estadual. Já a Instituição Heinicke passa por um momento delicado, termo usado por sua diretora, pois a instituição que foi sua mantenedora por 67 (sessenta e sete) anos manifestou o interesse em não mais continuar este serviço, deixando claro que 2017 será o último ano que a instituição vai manter o CAEE. A SEED, juntamente com a vice-diretora, investiu esforços na busca de outra mantenedora, porém, até o momento da finalização da dissertação, não há indícios de que isso acontecerá, sendo muito possível o fechamento do serviço.

grupo contempla os estudantes surdos. Sendo assim, a SEED-PR optou pela permanência das classes especiais e instituições especializadas em sua rede de apoio. Ocorre que, como esses serviços atendiam à demanda dos estudantes da primeira etapa do ensino fundamental elas passaram a ser administradas pelos municípios e, para aqueles estudantes que avançaram para a segunda etapa do ensino fundamental a orientação foi para a matrícula na Sala de Recursos (PARANÁ, 2006).

As Diretrizes Estaduais propõem os seguintes encaminhamentos para os estudantes surdos: presença de profissional intérprete de Libras/língua portuguesa no turno, para a mediação linguística entre a língua portuguesa e a Libras; instrutor surdo de Libras, para ensino dessa língua a estudantes surdos e ouvintes; Centro de Atendimento Especializado na área da surdez e Classes de educação bilíngue para surdos.

Em consonância com essa proposta, as Diretrizes Curriculares para Educação Municipal de Curitiba, publicadas no mesmo ano de 2006, estabeleceram que a oferta da educação especial contemplasse o ensino regular/inclusivo preferencialmente e fosse complementada em CMAEs, classes inclusivas, classes especiais e salas de recursos. Por sua vez, há a continuidade da oferta em escolas de educação especial do município, escolas privadas especiais e instituições afins através de convênio e parcerias com a SME. Não são apresentadas propostas específicas para estudantes surdos neste texto, com única menção de que a Rede Municipal de Ensino (naquele ano) possuía 120 estudantes com “deficiência auditiva” (CURITIBA, 2006b).

As Diretrizes Estaduais e Municipais indicam inúmeras possibilidades de lócus para a educação de crianças surdas. Em trabalho anterior, Goyos e Fernandes (2013) relatam que os textos legais, sobretudo a PNEEPEI (BRASIL, 2008) e o Decreto nº 5625/2005 (BRASIL, 2005), regulamentavam as seguintes alternativas de oferta educacional:

 Escola regular/inclusiva com apoio de AEE na rede pública;

 Escola regular/inclusiva com apoio de AEE em instituição especializada conveniada;

 Escola regular/inclusiva com apoio de intérprete de Libras e/ou AEE;

 Escolas Específicas para Surdos.

A partir dessas alternativas de atendimento, uma das variáveis que nos possibilita discutir com efetividade o direito à Libras como língua materna em Curitiba é o levantamento sobre a população surda na faixa etária da educação infantil que se beneficiaria dessas alternativas de atendimento. Por falta de dados em fontes oficiais como o Censo Demográfico sobre esta população, o trabalho com estimativa torna-se uma ferramenta indispensável.

A tabela 1 apresenta números da população brasileira, paranaense e curitibana, referente ao Censo Demográfico de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), em números totais e grupo etário de zero a quatro anos, bem como a estimativa34 em relação à surdez, em cada instância.

O dado de maior interesse para nós é sobre a população surda na faixa etária da educação infantil em Curitiba. Tomando que a população de Curitiba é de 1.751.907 habitantes, temos que a população surda representa 1% da totalidade de pessoas que moram no município. Com base na estimativa de crianças de zero a quatro anos, que é de 107.919, temos que as crianças surdas nessa faixa etária representam algo em torno de 0,3%, o que poderia indicar um “desaparecimento” dos surdos ou um problema de recenseamento a ser investigado.

34 Por mais que a estimativa não seja uma existência comprovada, a projeção de uma população tem se tornado uma técnica demográfica imprescindível para planejar o desenvolvimento econômico, social, político e ambiental de uma Nação. Para o setor público as projeções populacionais sustentam o conhecimento sobre futuras demandas em setores como educação, saúde, transporte e lazer. Programas que envolvem custos e que a correta alocação de recursos, baseada em projeções confiáveis, pode significar o atendimento de grupos populacionais que estariam fora do alcance das políticas públicas (BRITO et al. , 2010).

Tabela 1: Estimativa da população surda de 0 a 4 anos, comparada à população geral, no Brasil, Paraná e Curitiba.

BRASIL PARANÁ CURITIBA

População total 190.755.799 10.444.526 1.751.907

População surda – não ouve de modo algum ou com grande dificuldade

2.143.173 119.194 17.378

População e 0-4 anos 13.796.158 714.037 107.919

População e 0-4 anos surda – não ouve de modo algum ou com grande dificuldade

24.589 1.292 289

Fonte: IBGE (2016), organizado pela autora.

Primeiramente, o que nos chama a atenção é ambiguidade nos conceitos e definições sobre a surdez contidos nos documentos e dados oficiais, o que acaba dificultando a identificação dos sujeitos surdos potencialmente bilíngues, objeto de reflexão nesta pesquisa. Para o IBGE, quando se faz a pesquisa censitária, há três possíveis respostas sobre a pergunta ‘dificuldade permanente de ouvir’ (avaliada com o uso de aparelho auditivo, no caso de a pessoa utilizá-lo): (a) não consegue ouvir de modo algum – para a pessoa que declarou ser permanentemente incapaz de ouvir;

(b) grande dificuldade – para a pessoa que declarou ter grande dificuldade permanente de ouvir, ainda que usando aparelho auditivo; (c) alguma dificuldade – para a pessoa que declarou ter alguma dificuldade permanente de ouvir, ainda que usando aparelho auditivo35. O agrupamento etário de 0 (zero) a 4 (quatro) anos é pré-definido pelo IBGE, sendo impossível outra forma em que a variável deficiência, no caso surdez, aparece. Para o censo escolar (MEC/INEP) as categorias são surdez e deficiência auditiva.

Silva (2016) nos atenta para uma reflexão importante: o IBGE realiza o levantamento da população surda em nosso país baseado em critérios audiológicos (grau de perda auditiva) para o recenseamento. Seria muito interessante incorporar a variável sobre estimativa da população brasileira que sabe Libras (sejam surdos ou ouvintes), buscando o respaldo inclusive na Lei nº 10.436 de 2002 que reconhece a Libras como língua oficial das comunidades surdas do país. O conhecimento sobre essa realidade poderia conduzir pesquisas e políticas linguísticas mais efetivas para a comunidade surda.

35http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_preliminares_amostra/n otas_resultados_preliminares_amostra.pdf.

No momento em que debruçamo-nos sobre os dados, percebemos que, de acordo com o IBGE, a estimativa de crianças surdas em Curitiba, na idade entre zero e quatro anos, totaliza um número de 289 crianças, ou seja, este número representa os sujeitos que são destinatários do direito à matrícula na educação infantil, salvaguardada de que a matrícula obrigatória é a partir de 4 (quatro) anos, porém o direito público subjetivo das crianças entre 0 (zero) e 3 (três) anos existe, mesmo sendo opção da família, é direito da criança bem pequena.

Esta estimativa não é pouco representativa. São muitas crianças na faixa etária da educação infantil com direito à educação formal. Uma das questões relevantes quando pensamos no planejamento de políticas públicas é o levantamento da demanda que justifique a ação de uma política. A estimativa demonstrada pelo IBGE, de que haveria 289 crianças surdas com potencial de matrícula para educação infantil nos mobiliza a buscar essas crianças para que seu direito à educação seja efetivado.

Baseadas nestas evidências, nos perguntamos: esse número expressaria a totalidade de crianças surdas matriculadas na Rede Municipal de Ensino de Curitiba na etapa da educação infantil? Qual porcentagem desse total estaria frequentando a educação infantil em Curitiba? O atendimento estaria sendo realizado, prioritariamente, na rede pública ou conveniada de ensino?

Com o intuito de responder a essas perguntas, solicitamos os dados de matrícula para as Secretarias de Educação Municipal e Estadual, já que centros municipais de educação, escolas públicas municipais e estaduais, centros de educação infantil e centro de atendimento educacional especializado, conveniados com estes poderes, seriam possíveis lócus de escolaridade ou atendimento educacional especializado à infância surda de Curitiba. Esta trajetória merece uma análise a parte.