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A opção pela pesquisa documental e suas implicações

1.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CAMINHOS METODOLÓGICOS DA

1.5.1 A opção pela pesquisa documental e suas implicações

Nesta sessão, buscamos explicar nossa opção pela pesquisa documental e as implicações dessa escolha e, em seguida, descreveremos os principais documentos que fundamentaram esta pesquisa e a razão da escolha dos documentos do Pnem

utilizados como fonte de produção dos dados, o modo para a seleção e a análise dos dados.

A constante busca por maior rigor e coerência na escolha dos procedimentos metodológicos e sua adequada aplicação é um dos principais desafios da pesquisa acadêmica. No campo da educação não há consenso quanto às formas de categorizar e delimitar com maior precisão conceitual as possibilidades de adoção desta ou daquela metodologia de pesquisa. Até porque, mesmo em relação às denominações empregadas nas tipologias propostas parece haver mais diferenças do que semelhanças.

Com constância também chamada de “método documental” ou “técnica documental” (SÁ-SILVA, ALMEIDA & GUINDANI, 2009, p. 3), a pesquisa ou análise documental é apresentada como um “procedimento” (RAUPP & BEUREN, 2003), uma “estratégia” (HOCAYEN-DA-SILVA, ROSSONI & FERREIRA JÚNIOR, 2008), ou como “técnica” para coletar dados (CUNHA, YOKOMIZO & BONACIM, 2010). Gil, Licht & Oliva (2005) lhe conferem o sentido mais amplo de “delineamento”, enquanto May (2004); Sá-Silva, Almeida & Guindani (2009) a consideram uma “metodologia de pesquisa”. Entretanto, a despeito das diferentes nomenclaturas e do conceito adotado, a pesquisa de caráter documental tem potencial para adquirir grande relevância, principalmente se considerada a crescente produção de dados nos programas de pós-graduação, a diversidade dos suportes de registro, a rapidez na circulação dos dados, e as inúmeras possibilidades de acesso aos diversos formatos de documentos que alcançamos com o advento da internet, que disponibiliza, aos pesquisadores, não apenas textos, mas fotografias, vídeos, bancos de dados, e os mais variados tipos de documentos públicos ou mesmo privados, bem como a possibilidade de divulgação de questionários que podem ser respondidos por um grande número de pessoas e cujas respostas podem ser compiladas por programas cada vez mais rápidos e eficazes, selecionando os dados a serem analisados e produzindo gráficos e tabelas complexas e dinâmicas (caso dos questionários do tipo Survey e de programas como o Excel, ou mesmo os formulários da plataforma Google, que associam os questionários às planilhas, gráficos e tabelas automaticamente), permitindo múltiplos enfoques e infinitas possibilidades. Em

relação aos dados do Pnem na plataforma do Simec, esses estão acessíveis apenas com senha20.

Ainda assim, embora as facilidades da internet tenham como consequência o enorme crescimento na produção de dados investigativos sobre os mais diferentes temas, a escolha de um ou outro caminho metodológico, seja com um procedimento particular ou pela junção de dois ou mais procedimentos de coleta e seleção de dados, demanda um empenho bastante cauteloso do pesquisador, uma vez que, em pesquisa, não se permite apenas escolher ou adotar procedimentos pelo fato de que pareçam mais “modernos” ou de melhor qualidade, ou ainda mais fáceis. Como em qualquer outro procedimento de coleta e seleção de dados, a pesquisa documental requer clareza de critérios, buscando a maior transparência possível.

Para serem aceitos pela comunidade acadêmica como importantes e válidos, os achados de uma pesquisa precisam ter trilhado um caminho metodológico que se mostre não somente apropriado à análise do objeto ou do campo temático em questão, mas que, ao mesmo tempo, esteja fundamentado teórica e coerentemente com os objetivos da investigação proposta. Portanto, é mister que se discuta, demonstre e justifique não apenas o objeto, o problema, as hipóteses de pesquisa e seus objetivos, mas, igualmente, as vantagens e os limites do método adotado em cada caso, especialmente quando a abordagem é de cunho qualitativo, sujeitas a um maior grau de subjetividade e com um risco maior de interpretações equivocadas. Respeitado esse contexto, nosso objetivo aqui é justificar o emprego da pesquisa ou análise documental em nossa investigação.

Um excerto d’A Arqueologia do Saber, de Michael Foucault, é muito ilustrativo a respeito da concepção de documento, permitindo ultrapassar as fronteiras de seus usos como instrumento de resgate de uma memória pré-concebida. Segundo o autor, é possível dialogar com os documentos para reelaborar o conhecimento e reinterpretar a história:

[…] a história mudou sua posição acerca do documento: ela considera como sua tarefa primordial, não interpretá-lo, não interpretar se diz a verdade nem qual é o seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no interior e elaborá-lo: ela o organiza, recorta, distribui, ordena e reparte em níveis, estabelece

20 Apesar de a plataforma do Simec só ser acessível com senha, o Nepe/Ufes disponibiliza as informações para qualquer pesquisador que os solicitar.

séries, distingue o que é pertinente do que não é, identifica elementos, define unidades, descreve relações. O documento, pois, não é mais, para a história, essa matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que deixa apenas rastros: ela procura definir, no próprio tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relações. É preciso desligar a história da imagem com que ela se deleitou durante muito tempo e pela qual encontrava sua justificativa antropológica: a de uma memória milenar e coletiva que se servia de documentos materiais para reencontrar o frescor de suas lembranças; ela é o trabalho e a utilização de uma materialidade documental (livros, textos, narrações, registros, atas, edifícios, instituições, regulamentos, técnicas, objetos, costumes etc.) que apresenta sempre e em toda a parte, formas de permanência, quer espontâneas, quer organizadas. O documento não é o feliz instrumento de uma história que seria em si mesma, e de pleno direito, memória; a história é, para uma sociedade, uma certa maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela não se separa (FOUCAULT, 2008, pp. 7-8).

Outros autores (CELLARD, 2008; MAY, 2004) ressaltam, sobre o uso dos documentos como procedimento de coleta e seleção de dados para a pesquisa acadêmica, que o conceito do documento não pode ser limitado ao que está escrito. As diversas linguagens ou expressão das artes plásticas e da arquitetura, em geral, constituem fontes documentais primorosas, pois mais do que o “escrito”, para o pesquisador, todo e qualquer tipo de depoimento registrado funda documentação que pode ser aproveitada (CELLARD, 2008). May (2004) refere-se, para além disso, a uma vasta gama de possibilidades de registros escritos e não escritos.

May (2004) menciona que, diante de determinados problemas que restringem a pesquisa documental em variadas situações, é bastante frequente o uso desse procedimento metodológico combinado com outros. Gil, Licht & Oliva (2005) advertem para as imponderações do uso dos documentos com única fonte de dados, sugerindo adotá-lo em triangulação com outros procedimentos de coleta de dados para garantir maior credibilidade ao estudo. Todavia, mesmo lançando mão de uma única fonte ou de um único tipo de documento, é possível consolidar diversas perspectivas de análise de um objeto e múltiplas formas de investigação de um fato, desde que a pesquisa documental não seja, simplesmente, a reprodução dos documentos, sem o devido aprofundamento no que ele traduz.

Ventorim (2005) busca em Certeau (2002) uma forma de compreender a pesquisa documental como “reapropriação do texto do outro”.

Certeau (2002) forneceu pistas para compreender essa apropriação do texto, na verdade, “reapropriação no texto do outro”. Ele fala da rede de relações entre leitor e leitura que se caracteriza pela tensão e não pelo

reflexo imediato e direto, o que pressupõe que a leitura introduz uma arte que não é passividade. Assim, essa relação instaura um “tecido textual” sem proprietários individuais, mas torna-se coletivizada quando mobilizada pela e na rede de relações do campo, o que o torna “habitável”. [...] a formação do professor pesquisador, [feita texto a ser lido, portanto, “habitável”, convida] ao seu uso para que se possa captar os sentidos da diversidade da produção escrita e perceber, mais profundamente, como se inscrevem objetos, sujeitos, práticas pedagógicas, práticas de formação e conhecimento científico. Quando lidos, podem sugerir infinitas leituras e mudanças (VENTORIM, 2005, p. 27).

Cunha, Yokomizo & Bonacim (2010) apontam para cinco tipos de “miopias” que a análise documental pode produzir: a miopia do “contexto social”, do “conhecimento prévio”, do “conteúdo pré-estabelecido”, da “retórica” e da “fonte única de dados”. Nessa perspectiva de limitações da pesquisa documental, indicam a necessidade de se usar outras fontes para complementar a análise de documentos.

De qualquer forma, não é a natureza do documento que vai dar relevância ou não à pesquisa, mas a natureza do pesquisador. O documento é a fonte de informações, mas a pesquisa documental é a relação estabelecida entre as questões do pesquisador e o documento, entre a expectativa do pesquisador e a sua capacidade de dialogar com o objeto de análise produzindo conhecimento.

A pesquisa documental propõe-se a produzir novos conhecimentos, criar formas de compreender os fenômenos e dar a conhecer a forma como tais fenômenos têm sido desenvolvidos (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Não obstante, a pesquisa documental consiste numa ampla e intensa análise de distintos documentos que ainda não passaram por nenhuma forma de exame, ou que podem ser revisitados na intenção de auferir-lhes novas interpretações (RIPKA; SCHELLER & BONOTTO, 2015).

Utilizar documentos produzidos no Pnem como fontes de dados em nossa investigação nos possibilitou enxergar o processo formativo pelos olhos dos seus diversos sujeitos participantes, inclusive o desta pesquisadora e daqueles que participaram de forma indireta, representados pelos seus gestores, o MEC e a Sedu.