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A opacidade da mediação

Conforme Jay David Bolter e Richard Grusin notaram, a remediação relaciona- se com a tentativa dos media serem mais imediatos, ignorando ou negando a mediação (Bolter e Grusin, 2000: 11). Os blogues, por exemplo, têm tempos de resposta mais rápidos do que a imprensa escrita (Granieri, 2005: 70), logo, são mais imediatos. Arjen Mulder afirma, aproximando-se da perspectiva de Giuseppe Granieri, que “a digital text is more transparent than a printed text (because it is easier to modify and faster to distribute)” (Mulder, 2004: 61). A transparência a que Arjen Mulder se refere está relacionada com a anulação do medium: encontra-se lá, mas o seu utilizador não se dá conta da sua existência:

Direct connection to a reality is known as “transparency” (...) Transparent media create the impression of allowing the users to directly get to know the reality being represented. (…) The users look straight through these media to the “real world”, without having to pay attention to the apparatus lying between their perception and what they are perceiving. “Transparency” means the medium itself is worthless, but the message transmitted it is that much more valuable (Mulder, 2004: 60).

Aquilo que Arjen Mulder afirma ser a ligação directa à realidade – a transparência – não é mais do que a ilusão da ligação directa à realidade representada ou a uma qualquer realidade representada. Neste sentido, a transparência funciona como a anulação do medium, podendo induzir o consumidor à ideia de que informação que recebe não é mediada. Contudo, a informação que o consumidor recebe é mediada e é apenas uma representação da realidade. E uma representação da realidade não é a realidade, é uma realidade. Vejamos isto através de um exemplo retirado do nosso

corpus:

Over the duration of three years, and through the use of vicious militias, assassinations and abductions, they’ve [Iraqis who had defected to Iran during the Iran-Iraq] managed to install themselves firmly in the Green Zone. We constantly hear our new puppets rant and rave against Syria, against Saudi Arabia, against Turkey, even against the country they have

to thank for their rise to power- America… But no one dares to talk about the role Iran is planning in the country (Riverbend, 02.05.2006).

Na análise das relações de poder que há no Iraque, a realidade da produtora pode ser apenas mais uma. A análise que a produtora faz é baseada naquilo que lê na internet, naquilo que ouve na rádio ou vê na televisão, naquilo que ouve, cheira, sente. Essa é a sua realidade. No entanto, a mesma situação apreendida por sujeitos diferentes, será diferente, uma vez que é baseada na sua própria experiência e perspectiva.

É impossível apreender a realidade porque o fazemos sempre de forma mediada, mesmo quando através dos nossos sentidos. Por isso, há media que são mais ou menos mediatizados, que apresentam uma representação mais ou menos mediada daquilo que poderá ser a realidade. A remediação é, afinal, a complementação de uns media noutros.

No canto XV do Purgatório de A Divina Comédia, Dante Alighieri afirma o seguinte:

“Quando a minha alma veio fora ao ror De cousas fora dela verdadeiras,

Reconheci o meu não falso error” (Alighieri, 2006: 435).

Esta afirmação refere-se a visões que Dante Alighieri tinha tido que, embora não tivessem real existência, eram verdadeiras na medida em que Dante Alighieri as tinha experienciado. O mesmo sucede com os media: cada medium produz uma realidade que o seu consumidor adopta.

Conforme já referimos neste capítulo, Aristóteles afirmava que “não se deve procurar na tragédia toda a espécie de prazer, mas a que lhe é peculiar” (Aristóteles, 2007: 1453b 10-11). A cada medium corresponde um tipo de prazer, ou de expectativas

de conteúdos. Os media complementam-se proporcionando prazeres diferentes, logo, remediando-se uns aos outros.

Retirámos o seguinte excerto do nosso corpus:

All I knew was that a journalist had been abducted and that her Iraqi interpreter had been killed. He was shot in cold blood in Al Adil district earlier this month, when they took Jill Carroll... Theysay [sic] he didn't die immediately. It is said he lived long enough to talk to police and then he died.

I found out very recently that the interpreter killed was a good friend- Alan, of Alan's Melody, and I've spent the last two days crying (Riverbend, 12.01.2006).

Podemos olhar para este excerto do seguinte modo. A produtora escreve sobre aquilo que experienciou, sobre aquilo que os seus sentidos apreenderam. Aquilo que a produtora transfere através da escrita para o seu blogue, e disponibiliza ao consumidor, é já uma mediação daquilo que os seus cinco sentidos apreenderam. Ou seja, o consumidor recebe um produto que já foi mediado contingentemente pelos sentidos da produtora e limitado pelo medium blogue.

O que pretendemos mostrar é que, mesmo não havendo uma linha editorial se não aquela que a produtora do blogue decidiu, e mesmo não havendo quem controle e limite os conteúdos publicados, o medium blogue, tal como outro medium qualquer, não é tão transparente nem imediato quanto pode parecer. Jay David Bolter utiliza o conceito de transparência para colocar a descoberto o modo de funcionamento dos

media e o modo como se constroem. Conforme afirma:

If authors prescribe links, they deny the reader the choice of making her own associations, so that a printed novel or essay actually gives the reader greater freedom to interact with the ideas presented. This debate turns on the question: which form is better at constituting the real, the authentic, or the natural? Remediation is always an attempt to redefine these key cultural values (Bolter, 2001: 43).

Ao disponibilizarem links – e os links que temos em mente são os que se encontram no corpo do texto –, os produtores de um blogue estão a disponibilizar as suas fontes, desmontando o processo de construção do produto, que neste caso é um texto. Jay David Bolter relaciona ainda os links com relações de poder, sobre o controlo que o produtor tem sobre o processo de disponibilizar links:

This facility in making references is true for Web pages (...) as well as for literary hypertexts. Far from abandoning control of the text, the elctronic author can, if she chooses, exercise greater crontrol over the process of cross-reference (Bolter, 2001: 175).

Contudo, colocar links no corpo do texto, estamos em crer, não retira a possibilidade ao consumidor de fazer as suas próprias associações, muito pelo contrário. O consumidor tem a possibilidade de seguir, ou não, os links sugeridos pelo produtor, situação essa que não acontece quando não há links. Conforme afirma ainda Giuseppe Granieri:

Um blogue tende quase por definição a «levar para além de si» o leitor, dirigindo-o para outras fontes, para outras vozes. O resultado é que ninguém lê um único blogue, visto que se trata de um simples «elo» numa obra colectiva e hipertextual que tende a configurar-se como um «sistema de conteúdos» (Granieiri 2005: 40-41)

Mas vejamos como tudo isto se articula, através do seguinte exemplo retirado do nosso corpus:

But, I was shocked to find out the BOOK “Baghdad Burning” had made the short list for the Samuel Johnson Prize- a prestigious, British award for non-fiction!! I didn’t even know it was on the long list for that award so it came as a huge surprise… I kept telling myself it was some sort of mistake because the other names on the short list are so illustrious but I got confirmation from the British publisher - Marion Boyars (Riverbend, 02.04.2006).

Nos links que sugere, a produtora do blogue revela onde foi buscar a informação sobre a qual está a construir o seu texto. Deste modo, desmonta todo o processo que leva um

produtor a construir o seu texto, tornando-o mais transparente. Contudo, nem todos os textos contêm links para as suas fontes, o que, naturalmente, os torna menos transparentes.

Importa lembrar que Marshall McLuhan desenvolve a oposição entre media mais transparentes e menos transparentes, relacionando-os directamente com os sentidos a que apelam:

If a new technology extends one or more of our senses outside us into the social world, then new ratios among all other of our senses will occur in that particular culture. (...) And when the sense ratios alter in any culture then what had happened to be lucid before may suddenly be opaque, and what had been vague or opaque will become translucent (McLuhan, 1988: 41).

Por isso, as duas possibilidades de transparência de que falámos, a de Arjen Mulder e a de Jay David Bolter, embora diferentes, não são incompatíveis, na medida em que a primeira se refere ao medium em si – o blogue – e a segunda aos conteúdos do medium – texto, imagem, áudio, vídeo, etc..

A criação e produção de blogues é de uma grande magnitude, conforme notaram David Sifry (Sifry, 2006) e António Figueiredo (Figueiredo, 2005: 155). Contudo, a não utilização de links torna muito difícil, se não impossível, encontrar as relações que se estabelecem, especialmente porque estas se estabelecem entre blogues. Nesse sentido, o texto, imagem, áudio, vídeo – o conteúdo do medium blogue – torna-se menos transparente. Podemos até afirmar que o nosso corpus é pouco transparente na medida em que apenas contém nove links diferentes em cinco publicações diferentes, de um total de vinte e três:

[http://2006.bloggies.com/], [http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/4847424.stm], [http://www.marionboyars.co.uk/Amy%20individual%20book%20info/Baghdad %20Burning.html],

[http://www.feministpress.org/Book/index.cfm?GCOI=55861100869560], publicados em 02.04.2006, consultados em 23.05.2006; [http://news.yahoo.com/s/ap/20060605/ap_on_re_mi_ea/iraq_060604184328], [http://news.yahoo.com/s/nm/20060605/ts_nm/iraq_dc_223;_ylt=An_yyn96X_i1DTdg8 J7K8WYUewgF;_ylu=X3oDMTA2ZGZwam4yBHNlYwNmYw--], publicados em 06.06.2006, consultados em 14.08.2006; [http://news.yahoo.com/s/ap/20060711/ap_on_re_mi_ea/iraq_rape_case_19], publicado em 11.07.2006, consultado em 14.08.2006; [http://news.yahoo.com/s/ap/20060730/ap_on_re_mi_ea/lebanon_israel], publicado em 30.07.2006, consultado em 14.08.2006; [http://www.cnn.com/2006/WORLD/meast/12/30/hussein/index.html] publicado em 31.12.2006, consultado em 09.02.2007.

Esta relação entre blogues, ou outras páginas da internet, através de links é conhecida como hipertexto. Contudo, não é exclusiva dos blogues, nem mesmo da plataforma digital, sobretudo se tivermos em conta a relação que se pode estabelecer entre o hipertexto e a intertextualidade literária. Conforme afirma Jay David Bolter:

Sometimes Nelson [Ted Nelson] argued that hypertext was natural or true to our tradition of literacy, as when he claimed to have discovered tha fact that “literature” is a system of interconnected writing. By this logic, ironically, hypertext becomes a transparent form that actually captures and reveals the structure of the underlying written record (Bolter, 2001: 42-43).

Ainda a respeito das relações entre media, o mesmo investigador afirma:

It is possible to write in a hypertextual style for print. That is, it is possible to use print or handwriting to achieve many of the literary or rethorical effects of hypertext, just as it is possible to write on the computer without taking advantages of hypertextual linking (id: 40-41).

Apesar do nosso corpus ser retirado de um blogue, em apenas cinco ocasiões estabelece links, ou seja, é hipertexto, no sentido estrito do termo. Isto mostra-nos que os blogues podem ser hipertextuais ao mesmo tempo que mantêm características muito próximas do livro impresso.