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3 UMA TEORIA DA PRÁTICA: A PRÁTICA COTIDIANA EM MICHEL

5.1 ESTRATÉGIAS E TÁTICAS COTIDIANAS NO FAZER

5.1.3 A Organização da Barraca

Os produtos dispostos nos tabuleiros seguem uma ordem de organização traçada por Magno. No dia a dia das feiras-livres, observa-se a importância de manter os produtos organizados diante dos olhos do consumidor. Por causa disso, os feirantes periodicamente arrumam os hortifrutícolas expostos. Semelhantemente, quando determinado tipo de produto exposto se aproxima das últimas unidades disponíveis para venda, Magno o repõe. Para o feirante, “os produtos têm que vender sozinhos”, daí a necessidade de arrumá-los de forma a fazer o consumidor se sentir atraído e, consequentemente, fazê-lo comprar. Para isso o freguês deve ser convidado a comprar sem que necessariamente o feirante tenha que chamar sua atenção com o uso de frases que evidenciam a disponibilidade de produtos ou sua qualidade.

Pôde-se identificar que as folhas são os principais atrativos da barraca, assim como também são responsáveis pelo suprimento da demanda da maioria dos clientes. Elas ocupam mais da metade da barraca e curiosamente estão dispostas em posições diferentes de uma feira-livre para a outra, conforme determina Magno. Por exemplo, na FJP e na FPC elas ficam expostas do lado esquerdo da barraca, lado oposto ao que são expostas na FBR. Como são consideradas os principais produtos vendidos na barraca devido à quantidade comercializada, as folhas ocupam lugares que facilitam a visualização delas pelos clientes. A mudança de posição delas de uma feira-livre para outra obedece ao fluxo dos clientes nas feiras e também a posição do sol em relação à barraca. Evita-se ao máximo deixar as folhas sob o sol, pois elas perdem um pouco de sua aparência saudável.

Já que a forma pela qual os produtos devem ser arrumados sobre o tabuleiro é traçada por Magno, fica fácil para ele comprovar se o trabalho desenvolvido pelos ajudantes está em consonância com seus critérios. Dessa forma, quando seu primo, que o ajuda na barraca, arrumou os tomates sobre os tabuleiros colocando os verdes sobre os mais maduros, Magno realizou críticas insistentes. Segundo Magno, os tomates maduros estavam mais próximos do estado de putrefação, por isso deveriam ser colocados sobre os mais verdes para ser vendidos primeiro. Nesse momento, Magno agiu de forma enérgica e até mesmo grosseira deixando claro o equívoco cometido pelo ajudante e reforçando o lugar privilegiado que ocupa

quando está em discussão a forma como os produtos devem ser colocados em cima dos tabuleiros.

Ainda sobre a arrumação da barraca com o objetivo de fazer o produto vender por si só, regularmente Magno se dirige às alfaces e colhe as folhas que se soltam, enquanto os clientes escolhem aquilo que comprarão. Quanto mais movimentado for o dia, ou seja, quanto mais clientes estiverem comprando na barraca observada, maior será o número de folhas que se soltam do “pé de alface” e, portanto, maior será o trabalho de Magno para deixar o tabuleiro organizado. Como sabem que dá trabalho para organizar as alfaces e que suas folhas se soltam facilmente, a maneira como os clientes escolhem os produtos é controlada pelos feirantes.

Isso ficou evidente quando uma cliente movia incessantemente as alfaces de lugar mostrando-se indecisa sobre a escolha que deveria fazer. Nesse instante, a mãe de Magno ficou bastante irritada e, em breve conversa com a feirante, o pesquisador compreendeu que aquela cliente sempre faz isso e por esse motivo a feirante por pouco não o chamou à atenção. Esse episódio demonstra que a preocupação com a boa aparência dos produtos sobre os tabuleiros está acima da máxima de que “o cliente tem sempre razão”.

Apesar de geralmente ditar as ordens sobre a organização da barraca, Magno costuma aceitar algumas colocações propostas por sua esposa, como mudar de lugar o tomate para dar mais visibilidade ao produto, mesmo tendo que deixar folhas, como a alface e a couve, sob o sol. Com isso, observou-se que, mesmo Magno traçando as maneiras de “fazer feira”, pessoas situadas no contexto de venda de hortifrutícolas que não ocupam o cume hierárquico podem desvendar formas de tornar a atividade mais produtiva. Elas fazem isso no cotidiano à medida que salientam aspectos não percebidos por aquele que supostamente é o mais habilitado no assunto, desempenhando, portanto, papel importante no desenvolvimento da estratégia organizacional (SILVA, 2007).

A busca por maior lucratividade, quando realizada pelos ajudantes que trabalham na barraca, revela que a lógica de Magno é assumida por eles. Ao fazerem isso, eles dividem as ações de melhoria da produtividade e, por conseguinte, reforçam o lugar privilegiado ocupado por Magno.

Nas atividades desenvolvidas no dia a dia do “fazer feira”, Magno tenta deixar a barraca organizada, sem coisas espalhadas pelo chão. Nesse sentido, parte de sua atividade diária revela-se ligada à manutenção da organização do ambiente de trabalho. Dessa forma, quando alguém desrespeita as normas relativas à arrumação da barraca, Magno salienta as demarcações do lugar do próprio à medida que chama à atenção aquele que as subverte.

Deixar algo fora do lugar que costumeiramente é reservado ao objeto é, portanto, uma infração punida, primeiramente com uma observação. Em caso de reincidência, Magno se mostra agressivo, conforme foi evidenciado quando um dos feirantes contratados deixou algumas caixas destinadas ao transporte de mercadorias na parte da barraca em que os feirantes transitam. Como o fato ocorreu na FBR, onde o feirante mantém duas barracas, Magno pediu que o feirante fosse trabalhar na outra barraca, mostrando-se impaciente com a pessoa que naquele momento o ajudava.