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3.2. ATENÇÃO AO PORTADOR DE FISSURA DE LABIO E/OU PALATO

3.2.2 A atenção à saúde no Brasil: O Sistema Único de Saúde (SUS)

3.2.2.1 A organização do acesso aos serviços de reabilitação: a referência e

No sistema SUS há uma composição de instituições sociais voltadas para a saúde, de maneira a compor um sistema classificado segundo o grau de incorporação de tecnologia, o grau de capacitação de recursos humanos e, a partir daí, agrupadas segundo níveis de atenção ou locais de atendimento, estabelecendo uma hierarquização dentre os

diversos grupos. A representação mais conhecida do ordenamento dos serviços de saúde toma a forma de uma pirâmide, em que as ações estão agrupadas em níveis de complexidade tecnológica crescente (LACERDA; TRAEBERT, 2006). Essa representação pode ser melhor visualizada conforme a Figura 2.

Figura 2: Níveis de atenção à saúde no âmbito do SUS.

ATENÇÃO TERCIÁRIA Genética Pediatria Fisioterapia Fonoaudiologia Otorrinolaringologia Exames especializados Prótese Ortodontia Periodontia Implantodontia Odontopediatria Cirurgia Plástica Cirurgia Buco-maxilofacial Medicina Odontologia Enfermagem ATENÇÃO SECUNDÁRIA Clínica Geral Nutrição Farmácia Psicologia Serviço Social ATENÇÃO PRIMÁRIA

Na base - nível de atenção primária – a porta de entrada do sistema, estão alocados profissionais capacitados a atender a população nos problemas mais simples e freqüentes das comunidades, passíveis de resolução em domicílios, ambulatórios e unidades básicas de saúde. Em posição intermediária – atenção secundária – estão as ações de média complexidade, atendidas por especialistas, servindo de apoio e complemento ao primeiro nível de atenção, ofertadas em policlínicas ou hospitais de pequeno porte. No topo da pirâmide, estão os hospitais de maior porte e as clínicas de reabilitação - nível terciário/quaternário - onde se concentram os equipamentos e profissionais especializados em assistência de alta complexidade tecnológica bem como hospitais e institutos que tem como finalidade o ensino a pesquisa e a extensão (LACERDA; TRAEBERT, 2006).

de pirâmide por modelos mais flexíveis com variadas portas de entrada e fluxos reversos entre os vários serviços (VASCONCELOS; PASCHE, 2007).

Dessa forma, a organização do sistema de prestação dos serviços aos portadores de FLP no âmbito do SUS, ocorre através de uma rede regionalizada e hierarquizada seguindo uma complexidade tecnológica crescente (atenção básica, especialidade e hospital). Um sistema de comunicação é estabelecido entre as instituições através do sistema de referência e contra-referência, a partir do qual é constituída a organização e articulação entre os três níveis de atenção a saúde.

Hoje, dentre as responsabilidades gerais da Gestão do SUS, de acordo com as diretrizes operacionais do Pacto pela Vida, todo Município é responsável pela integralidade à atenção à saúde da sua população, exercendo essa responsabilidade de forma solidária com o Estado e a União, devendo garantir a integralidade das ações de saúde prestadas de forma interdisciplinar, por meio da abordagem integral e contínua do indivíduo no seu contexto familiar, social e do trabalho; promovendo eqüidade na atenção à saúde, considerando as diferenças individuais e de grupos populacionais, por meio de adequação da oferta às necessidades como princípio de justiça social (BRASIL, 2006 c).

A atenção integral à saúde, objetivo do SUS inicia-se pela organização do processo de trabalho na rede básica de saúde e soma-se às ações em outros níveis de assistência, sendo, portando, a grande responsável pelo cuidado em saúde. Cuidado significa vínculo, responsabilização e solicitude na relação da equipe de saúde com os indivíduos, famílias, comunidades; significa compreender as pessoas em seu contexto social, econômico e cultural; acolhê-las em suas necessidades com relação ao sistema de saúde (FORNI et al., 2004).

A atenção à saúde bucal na atenção básica, à luz da Estratégia da Saúde da Família (ESF), extrapola os limites da boca, o que exige que suas ações integrem serviços das diferentes áreas de conhecimento, através de ações intersetoriais, com o objetivo de mudar circunstâncias ambientais e sociais que afetam a saúde e que possam conduzir a ambientes saudáveis, ações educativas, promoção de saúde, ações assistenciais curativas de cunho individual e coletivo e através de atividades clínicas como procedimentos restauradores, exodontias, selantes, profilaxia, aplicação de flúor e visitas domiciliares (BRASIL, 2006 d). Esse nível de atenção necessita esgotar os limites de suas possibilidades, na propedêutica e na clínica, dando uma resposta eficaz às pessoas sob sua responsabilidade, num processo de trabalho multiprofissional e interdisciplinar. Isso implica na incorporação

e desenvolvimento de tecnologias que visem organizar os sistemas de referência e contra- referencia proporcionando o atendimento integral do indivíduo, tendo como meta efetivar os preceitos constitucionais já citados. Para tal, é necessário instrumentalizar a atenção básica em relação a técnicas e procedimentos especializados, estabelecendo limites de atuação profissional e possibilitando dar condições de encaminhamentos (FORNI et al., 2004).

Considerando que a reabilitação ao portador de FLP é um conjunto de ações de atenção à saúde, ou seja, além da atenção específica da sua própria condição, é um cidadão como os demais, necessitando, portanto, de outros tipos de serviços além daqueles estritamente ligados a sua deficiência. Nesse sentido, à assistência à saúde deverá ser prestada observando-se os princípios de descentralização, regionalização e hierarquização dos serviços, não deverá ocorrer somente nas instituições específicas de reabilitação, devendo ser assegurado a ele o atendimento na rede de serviços, nos diversos níveis de complexidade (BRASIL, 1999).

Devido à complexidade do tratamento ao portador de FLP, há o envolvimento de múltiplas especialidades, envolvendo várias áreas de conhecimento. Esta complexidade decorre, pelo menos em parte, da necessidade de incorporação de tecnologia e de conhecimentos cada vez mais especializados, objetivando a oferta da melhor atenção possível (STRAUSS, 1998).

No Brasil, o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), em Bauru foi reconhecido pelo MS como centro de referência no país, especializado no tratamento das anomalias congênitas do crânio e da face, com ênfase para as fissuras de lábio e palato e deficiência auditiva. São referenciados pacientes vindos de todas as localidades do Brasil e países vizinhos. A dimensão hospitalar no HRAC é um modelo de assistência público, de alta tecnologia (de atenção quaternária) que envolve a pesquisa, o ensino e a prestação de serviços totalmente gratuito (FREITAS, 2006).

É nesse contexto institucional que o HRAC/USP é considerado um dos poucos recursos especializados no Brasil. Segundo fonte de dados fornecidos pela central de processamento de dados do HRAC/USP de dezembro de 2005, desde sua fundação em 1967 até o final de 2005, atendeu aproximadamente 15% dos casos da população brasileira (GRACIANO; TAVANO; BACHEGA, 2007).

Assim como no mundo, os princípios e estratégias da reabilitação do HRAC/USP seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme os

documentos Practice Guidelines e Policy Statements. (ANEXO A)

Desde o primeiro contato com o HRAC/USP até a sua primeira cirurgia, o paciente com fissura percorre o seguinte caminho: serviço de informação aos casos novos; agendamento; rotina de casos novos; orientação e avaliação pré-operatória e cirurgia. Na primeira consulta é elaborado um plano de tratamento e marcada a data da primeira cirurgia. Nessa fase, o paciente entra em contato, pela primeira vez com a equipe multiprofissional do HRAC/USP. É feita a documentação fotográfica do paciente, avaliação pela enfermeira, pelo clinico geral ou pediatra, pelo psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, nutricionista, geneticista, cirurgião-dentista e pelo cirurgião plástico. Dessa forma, o tratamento multidisciplinar baseia-se na odontologia e na medicina (em todas as especialidades necessárias), fonoaudiologia, enfermagem, nutrição, fisiologia, assistência social, psicologia, fisioterapia, genética e pedagogia (FREITAS, 2006).

Segundo Graciano, Tavano e Bachega (2007), o HRAC/USP envolve ações de uma equipe interdisciplinar, onde a colaboração entre as diversas áreas é fundamental, não devendo haver supremacia de certa ciência em detrimento de outra. Supõe-se reciprocidade e interação de conhecimentos, respeitando a postura ideológica pessoal e profissional de cada elemento da equipe.

A assistência ao portador de FLP no Brasil, também está distribuída, através de núcleos regionais, considerados centros de atendimento ambulatorial de apoio ao processo de reabilitação, envolvendo áreas da Medicina, Odontologia, Fonoaudiologia, Psicologia e Serviço Social, os quais oferecem assistência nas fases pré e pós-cirúrgicas. Os núcleos contam com a participação das Prefeituras Municipais e Secretarias de Estado, cabendo ao HRAC/USP colaborar na formação de recursos humanos. No Brasil existem 12 núcleos regionais, distribuídos em diferentes regiões devidamente cadastrados no HRAC/USP. Além dos núcleos, existem as subsedes, consideradas unidades de atendimento ambulatorial, mantidas pela Fundação para Estudo e tratamento das Deformidades Craniofaciais (FUNCRAF), entidade parceira do HRAC/USP, sendo que já foram implantados três serviços dessa natureza no Brasil: em Campo Grande/MS, Itararé/SP e no ABC/SP (GRACIANO; TAVANO; BACHEGA, 2007).

Segundo estudo realizado por Monlleó (2004) hoje há 17 centros com atendimento ao portador de FLP credenciados à RRTDCF do MS do Brasil, distribuídos nas cinco regiões do país; sendo um no Norte, três no Nordeste, dois no Centro-Oeste, seis no Sudeste e cinco no Sul. Essa rede é constituída por hospitais que estão credenciados junto ao MS

sob supervisão do HRAC/USP, para onde são enviados relatórios semestralmente à Coordenação de Normas para Procedimentos de Alta Complexidade (BRASIL, 1994).

A normatização para o credenciamento dos hospitais que realizam procedimentos integrados para a reabilitação estético-funcional dos portadores de FLP para o SUS segue a Portaria SAS/MS 62 de 19 de abril de 1994, sobre alta complexidade: Fissura Labiopalatal (ANEXO D), que estabelece normas para o cadastramento dos mesmos. Embora não exista referência à composição de equipe profissional responsável pela assistência, nem tampouco ao seu modelo organizacional (se serviços isolados, multi, inter ou transdisciplinares), a portaria define os serviços que o hospital deve possuir. São necessárias as seguintes áreas e referidas especialidades: medicina (anestesiologia, cirurgia plástica, clinica médica, genética, otorrinolaringologia, pediatria); odontologia (cirurgia bucomaxilofacial, implantodontia, odontopediatria, ortodontia, prótese), fonoaudiologia; psicologia; serviço social; enfermagem; fisioterapia; nutrição e atendimento familiar. (BRASIL, 1994).

Em Santa Catarina, os centros de referência de atendimento ao portador de FLP são: o Núcleo de Atendimento a Pacientes com Deformidades Faciais – NAPADF, instalado na Faculdade de Odontologia da UFSC e, o Núcleo de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Labiopalatais NPRLL/Joinville - SC. Os hospitais de referência para a realização das cirurgias são: o Hospital Universitário (HU/UFSC) e o Hospital Infantil Joana de Gusmão em Florianópolis e o Hospital Regional de Joinville.

Apesar dos avanços quanto à descentralização político-administrativa e financeira, a organização e a ampliação do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde permanecem como um importante desafio. Sua superação requer ações para combater a iniqüidade de acesso e de financiamento e promover a oferta ordenada dos serviços (BRASIL, 2006 e).

Segundo Narvai (2005), para que se possa assegurar o acesso e o atendimento dos indivíduos aos recursos que necessitam, é imprescindível que sejam estabelecidos mecanismos de referência e contra-referência, por meio dos quais os usuários são encaminhados (referência) de um setor de saúde para outro, em geral de níveis de atenção diferentes. Porém, nada impede que esse encaminhamento se dê no mesmo setor de atenção. Uma vez realizado o atendimento, o usuário é encaminhado de volta (contra- referência) para o setor de saúde de origem.

A efetiva operacionalização de um sistema de referência e contra-referência é constituinte da promoção do princípio da integralidade do SUS, caracterizada por um conjunto de ações de saúde que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção

de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde (BRASIL, 2006e).

Segundo Juliani e Ciampone (1999), o sistema de referência e contra-referência é um dos pontos chaves para viabilizar a operacionalização do SUS, uma vez que é a partir da sua estruturação que o encaminhamento do paciente aos diversos níveis de atenção torna-se possível.