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Como vimos Weber concebe a sociologia como a ciência que busca compreender de modo interpretativo a ação social e através disso explicá-la causalmente em termos de seu curso e efeitos. Ação é conduta humana que possui um significado e uma direção significante. Essa conduta intencionada e intencional torna-se social quando dirigida à conduta de outros. Portanto para Weber o significado subjetivo é aspecto fundamental para a compreensão da ação humana. Partindo de tais postulados, Schutz (1979) encontra uma ligação possível entre a Fenomenologia e a Sociologia.

O caminho proposto é o de atentar aos processos de ação e significação no mundo da vida cotidiana, dando ênfase ao caráter de temporalidade da experiência significativa. Busca desenvolver conceitos rudimentares em vistas a transformá-los em fundamentos para uma teoria sociológica do mundo social vivido. Com isso faz contribuições importantes, em especial, o seu tratamento aos fenômenos de tipificação na esfera da vida cotidiana, atentando ao fato de que o conhecimento opera a partir de tipificações construídas num horizonte de familiaridade dado por um estoque de conhecimento à mão (SCHUTZ, 1979).

A partir dessa perspectiva propõe fazer uma sociologia do “vivido”, uma analítica da experiência vivida no mundo social. Uma preocupação em problematizar os modos como os atores sociais interpretam a ordem social, através da analítica da conformação dos processos interpretativos que sustentam a ordem social.

Schutz desenvolve de maneira mais frutífera às Ciências Sociais a questão da síntese espacial e temporal, síntese histórica característica da apreensão dos objetos intencionados – muito bem ilustrada nos modos como percebemos as coisas24 -, estendendo-a ao entendimento do mundo da vida. A experiência do

mundo social, mundo vivido como algo comum. Nesse processo, duas idealizações

24 O modo como percebo uma mesa, por exemplo, é forjado através da síntese dos diferentes modos que o ente “mesa” foi visado no meu horizonte de experiências e vivências, síntese das diferentes perspectivas em que tal objeto é dado à minha consciência.

são cruciais: a reciprocidade de perspectivas, como uma permutabilidade dos pontos de vista, na qual eu posso “ver” como o outro, apesar de pontos de vistas diversos; e a congruência dos sistemas de valores, certo horizonte de familiaridade dado por um estoque de conhecimento à mão socialmente construído25.

Como experiência é sempre experiência de alguma coisa, ao invés de falar em experiências, Schutz (1979) propõe que a sociologia trate do conteúdo das experiências, portanto, que trate do vivido. Todas as experiências diretas de seres humanos, incluindo, obviamente, as referentes ao seu cotidiano sexual, são experiências em, e de, seu “mundo da vida”, constituindo-o, são dirigidas a ele, são testadas nele. O mundo da vida é toda esfera das experiências cotidianas, direções e ações através das quais os indivíduos lidam com seus negócios, interesses e aspirações, manipulando objetos, tratando com pessoas, concebendo e realizando planos. Lócus de consumação do estoque de conhecimento socialmente concebido, já que o indivíduo não pode interpretar suas experiências e observações, definir a situação em que se encontra ou fazer planos, sem consultar seu próprio estoque de conhecimento.

Tais premissas apontam uma direção possível à abordagem do objeto em questão agora entendido de modo mais geral como uma indagação acerca dos modos como os “homossexuais” de Senhor do Bonfim posicionam-se, interpretam e orientam suas ações no percurso de interações sexuais, frente às novas “condições” impostas pelo fato social epidemia de HIV/AIDS. O intuito, em outras palavras, foi o de problematizar a experiência da homossexualidade em tempos de epidemia de HIV/AIDS. O que nos remete aos diversos modos como o fenômeno AIDS é dado à consciência dos indivíduos que se engajam em práticas homoeróticas.

A questão é indagarmos acerca dos modos como determinadas desordens de base orgânica, identificadas e classificadas pelas ciências biomédicas, incorporam- se ao cotidiano de normalidade dos sujeitos, conduzindo-os a certos modos de

25 Nesse ponto creio que o autor se aproxima de uma discussão cara à Antropologia, a noção de cultura, enquanto

horizonte de familiaridade dado por um estoque de conhecimento à mão. Teia de significados que aprisiona o

compreender e ajustar-se à situações que envolvam o adoecer: concepções de risco, noções de causalidade, formas de prevenção, tratamento e cura.

O estoque de conhecimento que utilizamos para nos orientar nas situações e resolver os problemas com os quais nos deparamos tem na heterogeneidade uma característica marcante. É constituído tanto por conhecimentos radicados no corpo, como por uma série de receitas genéricas de como lidar com as várias situações. Segundo Schutz (1979) ele seria formado ao longo do percurso biográfico do indivíduo, apresentando um caráter fluído e processual. A configuração que assume a cada momento é determinada pelo fato de que os indivíduos não estão igualmente interessados em todos os aspectos do mundo ao seu alcance; antes é o projeto, formulado aqui e agora, que dita o que é relevante ou não na situação.

A partir de uma preocupação com os modos de orientação no mundo da vida cotidiana – especialmente o cotidiano de interações sexuais – tendo como base um estoque de conhecimento à mão, cabe perguntar: a) Como está caracterizado o conhecimento socialmente concebido, no que se refere à AIDS, entre a população de homossexuais do município de Senhor do Bonfim? b) Como se orientam na situação de interação sexual, no que se refere ao “risco” de infecção pelo HIV? Quais as fontes, apropriações e reapropriações que conformam seu estoque de conhecimento relacionado à prevenção?

Apesar de não tratarmos propriamente das experiências de tais indivíduos, as informações obtidas através das entrevistas podem ser concebidas como representações de vivências/experiências. Acreditamos que seria extremamente relevante um estudo que propor-se a abordagem da experiência. Contudo, não estaremos lidando diretamente com essas experiências, mas com os discursos, as representações, que os indivíduos constroem para expressar a vivência da sexualidade homossexual em tempos de epidemia de HIV/AIDS.

Capitulo 3. Comportamentos, atitudes e práticas frente a AIDS.